A fera e o garoto

A fera rodeava o garoto, perversamente, esperando sentir o cheiro de urina típico do medo dos fracos. O garoto, porém, era cego e a única coisa que sentia eram os hesitantes passos macios daquele ser. E continuou a mastigar seu sanduíche.

Um rosnado, o garoto ouviu. Foi assim que ele soube que tipo de criatura era aquela que estava por perto.

O garoto não sabia qual era a forma do animal, seu tamanho ou quão perigoso ele poderia ser, seus pais nunca haviam lhe ensinado sobre isso. O único felino que havia sentido em suas mãos era o gato de sua tia, e este era pequeno, macio e carinhoso ronronando em seu colo.

Não havia motivo para medo então.

Ele estendeu a mão para direção de onde vinha o som de respiração.

A fera, desconfiada, apenas olhava com curiosidade para aquela pequena criatura que não demonstrava nenhum tipo de reação a ela. Não tentava correr nem se esconder, pelo contrário, tentava tocá-la. Isso era ousadia demais. Que espécie de criatura era aquela? A fera indagava em seu íntimo.

O garoto então percebeu que o felino estava com fome e lançou seu sanduíche de carne para ele.

Cuidadosamente a fera chegou até o que lhe foi ofertada, cheirou e cheirou até que com uma única abocanhada fazer sumir o lanche.

Lambeu os beiços.

Desde cedo o garoto aprendeu a sentir, e por isso podia saber que a criatura felina à sua frente não o faria mal; pois se antes estava hesitante agora estava curiosa de também o conhecê-lo. Mais uma vez ele estendeu a mão. A fera foi se aproximando, cheirando e cheirando.

E um grito se escutou pela mata.

Era uma voz grossa de homem. De um homem assustado. Do pai de um garoto perdido.

O garoto virou-se abruptamente para o lugar de onde vinha a voz que lhe chamava. Era seu nome que chamavam.

- Ei gatinho, venha comigo – disse ele para a fera antes de começar a ir em direção a voz.

Ele quase corria. As mãos esticadas à frente, pisando alto; parecia conhecer o caminho. E a fera vinha logo atrás.

Foi com o som de um estouro que o garoto caiu, sentindo o gosto da terra na boca. Então sentiu dor, pungente, latejante. E depois raiva seguida de um estado de confusão. Por fim sentiu medo, e lágrimas brotaram de seus olhos. Era medo do desconhecido. Tornou-se incapaz de falar. O mundo inteiro era feito de sentidos, mas os únicos que sentia naquele momento eram os da fera, que agonizava logo atrás dele.

O pai chegou às pressas e novo estouro se ouviu.

Então o mundo voltou a ser silêncio, sem os sentidos desesperados da fera.