Além do Tabuleiro

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Tudo começa com rumores. As pessoas gostam de rumores. É o “fio da meada”, como dizem. Através destes, elas se encorajam. Vão atrás das respostas que tanto querem. Algumas, na metade da “caminhada”, por não obterem respostas, desanimam. E acabam abandonando a procura do que tanto se empenharam para encontrar. Mas outras, por mais que estejam frustradas, nunca desistem até chegarem ao final. Seja concretizando-se o que tanto buscavam; seja a resposta vaga da caminhada não ter rendido frutos. Mas é deste último tipo de pessoas que um dia fiz parte. E foi todo este empenho que me fez chegar aqui através de muitas escolhas. Algumas doloridas, outras feitas junto imersas em álcool e outras drogas. Mas agora olho para trás e vejo que não seria muito diferente. É claro que hoje possuo uma visão bem diferente daquela época. Mas há coisas inevitáveis nesta vida. Mesmo que você pense possuir as “ferramentas” necessárias para o trabalho, no final vai descobrir que tudo já estava programado para ser daquele jeito.

[...]

O ano é 2057.

Apesar da luz do dia se fazer presente lá fora, o quarto ainda estava parcialmente escuro. O Sol adentrava por pequenas brechas na cortina, iluminando os móveis velhos e empoeirados. Uma pequena cama, uma escrivaninha e uma cadeira. Na escrivaninha uma garrafa vazia e um notebook. Na cadeira um homem. Barba malfeita, cabelo curto desgrenhado, rugas no rosto que denunciavam seus trinta anos. Mas mantinha o estilo que teve em toda sua juventude: brinco na orelha esquerda, calça desbotada jeans, e a raridade de ter um surrado par de tênis da extinta marca All Star. Estava sem camisa, denunciando seu corpo magro e uma tatuagem no ombro esquerdo. Um lobo negro como a noite, com seus dentes à mostra.

Mantinha a cabeça baixa, fixando seus olhos em uma pequena e antiga caixa de madeira que estava em seu colo. Segurava com a mão esquerda um copo parcialmente preenchido com vodka barata e com a outra mão abriu a caixa. Dentro se encontrava um peão velho. Destes peões de jogos de xadrez. Uma peça insignificante, de fácil sacrifício nos campos enxadrezados. Mas para quem sabe não subestimá-lo, como diria um velho ditado: “no fim do arco-íris tem um pote cheio de ouro”. E ele era do tipo de “rei” que atribuía o real valor a cada comandado de seu reino. Não gostava de deixar ninguém para trás. Por um tempo ficou a admirar a peça como se ela o ligasse a uma lembrança antiga. Calmamente colocou o peão em cima da escrivaninha e a caixa ao seu lado. Sorveu o último gole do copo, respirou bem fundo e abriu o notebook.

Conectou seu pendrive. Acessou o feed das principais notícias do dia. Acessou seu e-mail. Havia uma curta mensagem não lida:

Title: Project Code Zero One

Assunt: Iniciar #01

Fechou o e-mail. Fechou seus olhos. Por alguns segundos buscou concentração. Abriu-os e encarou o peão ao seu lado e com grande destreza e rapidez começou a dedilhar o teclado freneticamente. As páginas foram surgindo na tela. Sites ligados ao governo local foram aparecendo. Áreas restritas iam sendo acessadas sem o menor obstáculo. Fotos de políticos e suas fichas eram imediatamente baixadas e colocadas em um arquivo separado. Acessou seu pendrive. Clicou na pasta Private. Fotos e documentos relacionados às fichas coletadas foram expostos. Orgias, tráfico, propinas, pedofilia, favorecimentos, empresas fantasmas, licitações superfaturadas, queimas de arquivo. Vinculou os arquivos com as fichas. Acessou o e-mail novamente. Criou uma nova mensagem anexando as fichas e demais arquivos comprometedores.

“Tudo pronto” – Pensou. A seta estava sobre o botão de enviar. Bastava um clique. Um clique e logo daria início ao chamado Project #01. Ele fez a lista. Esta era sua tarefa inicial. Finalmente o dia tão esperado em anos havia chegado. Os Intocáveis finalmente serão desafiados. Uma bandeira será levantada e um símbolo ficará conhecido e temido. Ele olhou novamente para o peão na mesa. O sol que entrava pela fresta agora reluzia no verniz da peça, dando um ar de esperança.

“Chegou a hora dos peões subjugarem seus reis.”

Ouviu-se o clique. A mensagem enviada.

Começou.