Faz mais de setenta anos, mas parece que foi ontem tal a nitidez com que me lembro de cada detalhe.

Eu era uma garota de treze anos e morava em uma cidadezinha do interior.

Desde quando posso me lembrar ouvia minha mãe dizer que queria que eu fosse madre, que a vida no claustro era muito  tranquila e feliz e ainda garantia um lugar no Céu (?).

Minha única ocupação era ajudar uma tia solteirona a varrer a igreja, lavar as toalhas e colocar as velas para a missa dominical.

Até então eu achava que estava tudo bem, mas de repente descobri que a vida podia ser mais alegre, que havia prazeres dos quais podia participar, que minhas colegas já tinham namorados e que namorar devia ser muito bom.

Mas não me atrevia a falar essas coisas para minha mãe, pois não podia imaginar o que ela faria se soubesse que eu estava desistindo da ideia de ser freira.

Doracy era uma das poucas amigas que eu tinha, aliás, era a única com quem, algumas vezes, ia ao cinema ver um filme edificante. Era mais velha do que eu, professora de catecismo, filha da dona Carlota que assim como minha mãe não saia da Igreja.

Eu gostava dela porque me dava cobertura para algumas escapadas.

Foi então que um menino da minha classe me mandou um bilhete “pedindo namoro”.

Aceitei, mas fui logo avisando que não podia sair com ele, que não ia ao clube nem ao footing.

Como podíamos namorar?

É claro que não demorou muito para ele se cansar da namoradinha difícil e arranjar uma mais livre.

Nessa época veio para nossa cidade um padre muito jovem e bonito que desde logo balançou o coração de muitas moças da cidade, coisa que, é claro, elas escondiam até de si próprias.

Fui me confessar com ele e contei o pecado de estar namorando enquanto minha mãe queria que eu fosse freira.

Ele surpreendeu-me. Disse que namorar não era pecado e que eu não estava obrigada a ser freira se essa não fosse minha vocação. Disse mais, que quando os pais nos impõem coisas absurdas não somos obrigados a obedecer.

Depois desse dia comecei a conversar muito com o padre. Ele era bem mais interessante do que os meninos de minha idade e ainda tinha uma vantagem, minha mãe não se opunha a que conversássemos acreditando que ele podia estimular a minha vocação.

Ledo engano! Conversávamos sobre tudo, menos sobre clausura e vida religiosa.

 Um dia ele confiou-me que não se sentia mais satisfeito como padre e já estava requerendo o seu afastamento.

- E dai? Vai se casar?

Ele deu uma risada, acariciou-me os cabelos como nunca tinha feito e disse:
- Quem sabe?

Fiquei esperançosa. Ele me amava. Ia pedir-me em casamento e eu ia aceitar, nem que minha mãe chiasse mais do que chaleira fervendo.

Dias depois ele deixou a cidade e a bomba estourou. O Padre Aurélio tinha tirado a batina e ia casar-se com a Doracy.
 
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Irmã Maria das Mercês afastou-se do balaústre de onde contemplava a paisagem que se descortinava do Convento.

Tudo aquilo se passara ha tanto tempo!  Por que será que será estava lembrando daquilo agora?

A menina fogosa que se apaixonou pelo padre ainda estava viva dentro da austera Religiosa mesmo que ela negasse até para si mesma.

Cedera à vontade da mãe, mas o coração teimosamente conservava as lembranças pecaminosas.

Com um triste sorriso voltou-se e recolheu-se ao seu dormitório, pois já era muito tarde, quase nove horas da noite!
                                     
                                             ***
Este texto faz parte do Exercicio Criativo = Parece que foi ontem

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Maith
Enviado por Maith em 23/01/2012
Reeditado em 23/01/2012
Código do texto: T3456737