Mamãe não sabia de nada

Ao chegar à fazenda, o professor de alemão foi recepcionado pela elegante dona da casa, uma socialite de cinquenta e oito anos, casada com um dos homens mais ricos da região. O filho único do casal acabara de chegar da Alemanha com a namorada e mais dois amigos, e a mãe resolveu convidar um grupo seleto de pessoas da High Society para um final de semana na fazenda. Ali, a presença dos recém chegados seria festejada com muita música, bebida, comida e corpos esculturais desfilando de biquíni e sunga para todo lado.

Junto com os mais destacados colunistas sociais da cidade (que fariam o registro da festa), o professor de alemão havia recebido um convite especial para o final de semana. A anfitriã esperava que ele animasse os bate-papos, conversando com os visitantes em alemão e traduzindo o que eles dissessem, já que os três não falavam muito bem o inglês e nem arranhavam o português.

A sede da fazenda era uma mansão de três andares, cercada de grama verde bem cuidada, jardins exuberantes, quadras de futebol e vôlei, piscina e uma enorme área coberta – com banheiros, sauna, cozinha e churrasqueira –, tudo perto da casa, para facilitar o vai-e-vem das pessoas.

Era sábado de manhã e a mansão estava cheia de convidados.

Conduzindo o professor até a entrada principal, a socialite parou no caminho e chamou o filho, que conversava com a namorada junto ao portão que dava acesso às quadras. Quando o casal se aproximou, o professor ficou de queixo caído diante da beleza encantadora da jovem alemã. Ela era realmente linda... E quando ele lhe perguntou em alemão se ela estava gostando do Brasil, o sorriso que se abriu em seu rosto antes de responder que “nunca tinha visto gente tão simpática e bonita” tornou sua beleza ainda mais estonteante.

Ao chegarem os quatro à porta da sala, a socialite, que estava na frente, arregalou os olhos de espanto e, tomada de um súbito impulso, tocou a campainha três vezes para chamar a atenção do jovem alemão que, sem camisa e com a bermuda toda amarrotada, beijava ardentemente a boca de uma linda brasileira de seios exuberantes e parcialmente à mostra no sofá. O filho da dona da casa olhou furioso para o amigo que, sem graça, levantou-se e pediu desculpas a todos em alemão. Um pouco constrangido com a situação, o professor foi apresentado ao casal, que saiu imediatamente em direção à piscina. Logo em seguida, a outra alemã (uma linda loira de olhos azuis) saiu de um quarto de mãos dadas com um rapaz brasileiro de pele escura e corpo sarado, ambos em trajes de banho sensuais. “Wir gehen ins Schwimmbad”, disse a jovem, enquanto puxava seu par em direção à porta.

Aproveitando a oportunidade, o filho da socialite e sua namorada pediram licença e seguiram os outros casais até a piscina.

O professor foi conduzido pela sua anfitriã a um luxuoso quarto de hóspedes no segundo andar. Colocou a mala no chão e, ao se ver só, tirou a roupa e se deitou na cama para descansar.

O almoço foi servido na área da churrasqueira, próximo à piscina. O velho fazendeiro, sentado na ponta da mesa, mantinha um silêncio sepulcral, enquanto a esposa contava para todo o mundo que o filho era um rapaz brilhante: que ele havia conseguido uma bolsa de doutorado em Ciência da Informação na Universidade de Berlim com apenas 25 anos de idade, e que “hoje, com o título de doutor, trabalha em uma empresa de softwares em Frankfurt, onde ocupa um dos cargos mais importantes e mais bem remunerados do primeiro escalão dos executivos”; que ele morava em um apartamento enorme, no centro da cidade, para onde levaria a esposa, “essa linda moça que vocês estão vendo aqui”, quando se casassem; que ele conhecia toda a Europa e os Estados Unidos, e que estava planejando passar a Lua de Mel em Istambul, “uma das cidades mais lindas do mundo”; que além do alemão, falava inglês, francês e espanhol...

“Vocês estão gravando tudo?”, perguntou a socialite aos três colunistas sentados à mesa. “É claro que sim, querida”, responderam os três ao mesmo tempo. E ela continuou debulhando o rosário de qualidades do filho que, aos trinta e dois anos, parecia não ter mais para onde subir na vida. Até os colunistas, acostumados com esse tipo de gente, acharam o almoço cansativo. Os únicos que se divertiram de verdade e comeram de tudo várias vezes, se deliciando com as iguarias exóticas de uma farta mesa brasileira, foram os três alemães, que, para felicidade deles, não entenderam nada do que a mulher falou.

O filho doutor manteve-se silencioso o almoço inteiro, como o pai, que às vezes dirigia ao rapaz um olhar sério e cansado.

À tarde, todos se dispersaram, a maioria indo para o interior da casa, para uma soneca. O professor, ao contrário, resolveu dar uma volta a pé pela fazenda, para respirar um pouco de ar fresco e pensar na vida.

Ao se aproximar de um pequeno bosque, distante da casa uns trezentos metros, ouviu dois homens conversando em alemão. Eram o filho da socialite e o rapaz alemão que havia sido surpreendido beijando a brasileira de seios fartos no sofá da sala.

O professor se escondeu atrás de uma árvore para ouvir a conversa.

O brasileiro estava tendo uma crise de ciúmes. O alemão tentava explicar, dizendo que só queria se divertir um pouco, que já não transava com mulheres havia um bom tempo, que aquilo não iria se repetir, etc. O outro parecia não acreditar, e andava de um lado para o outro, arrastando os pés sobre as folhas secas que cobriam o chão. Depois de uma pausa, o brasileiro falou, com voz firme: “Já sei o que eu vou fazer. Vou contar tudo para a minha mãe e para os colunistas sociais amigos dela. Vou dizer toda a verdade: que a minha vida na Alemanha é uma merda; que eu fui demitido da empresa onde trabalhava por incompetência e não encontro emprego em lugar nenhum; que o meu pai me sustenta até hoje, sem ninguém saber; que aquela linda moça com quem minha mãe acha que eu vou me casar é uma prostituta de luxo, estudante universitária, paga com o dinheiro do meu pai para vir ao Brasil fingir ser minha namorada; que a outra vagabunda ‘é a irmã deste meu amigo aqui’, uma chantagista sem vergonha que, para vir conosco sem pagar nada, ameaçou encontrar um tradutor em Frankfurt e escrever uma carta para a minha mãe contando que, além de idiota e fracassado, eu sou gay e tenho um caso com o irmão dela, um filho da puta que até hoje não sabe se gosta de homem ou de mulher”.

O alemão começou a rir. “Você vai matar a sua mãe, é isso que você quer?”, perguntou. O outro colocou as mãos na cabeça, em desespero, e respondeu: “Não, de jeito nenhum, eu... eu só estou confuso. Confuso e puto com você. Só isso”. Com as duas mãos o alemão segurou o companheiro pelos ombros e disse, encarando-o de frente: “Olha para mim e me escuta. Primeiro nós curtimos o Brasil. Depois nós voltamos para Frankfurt e damos um jeito na nossa vida: você pára de cheirar cocaína, eu paro de beber e de ficar com mulheres, arrumamos empregos decentes e vamos morar juntos. Não vai ser legal?”. Depois de alguns segundos, o brasileiro acabou se deixando levar pela tranquilidade do outro: “É, vai ser legal... Vai ser muito legal...”, disse.

Depois que os dois saíram em direção à casa, o professor ficou ainda quinze minutos atrás da árvore pensando no que acabara de ouvir.

Na sexta-feira de manhã, antes de ir para a academia, o professor abriu um dos jornais locais, que tinha acabado de chegar. No caderno “Sociedade”, viu duas páginas inteiras com fotos do fim de semana na fazenda da rica socialite. Viu os três alemães se divertindo na beira da piscina, a socialite beijando o filho no rosto, alguns jovens de biquíni e sunga jogando vôlei, e, numa foto enorme, que ocupava meia página do caderno, a linda alemã de mãos dadas com o jovem brasileiro, “doutor em Ciência da Informação, executivo de uma importante empresa alemã, que acaba de anunciar, para o próximo mês, o seu noivado com uma linda estudante universitária de Frankfurt”.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 27/01/2012
Código do texto: T3464475
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.