Senhora de mim...

Toda noite vinha ele a me visitar. Como forma de pássaro, de homem. Um fantasma a me fazer companhia. Entrava pela janela sempre aberta, e toda noite ficava ali. A velar meu sono. A me proteger de todo o mal que a mim foi dado, desde quando sozinha fiquei. Fiquei sozinha. Haviam todos ido embora, ninguém mais sobrara na festa. Minha festa particular. Era ele e eu. Imergida num profundo sono, em letargia total durante muito tempo. Cavando abismos com meus próprios pés. Afundando, e caindo. Tendo como principio a ilusão, que amenizava minha dor, melhor do que qualquer outro remédio. Minhas fantasias sem dogmas, preceitos, e pré-ocupações. Eu era dona de meu destino, que hoje não mais me pertence, por não mais andar com minhas próprias pernas. E não há caminho paralelo ao teu, não há luz. Apenas o que vejo, são caminhos desvirtuosos, escuros, sombrios.

Paredes cinzas de meu muro, gelada e fétida, e tanto de riscar paredes, perdi-me no caminho, que deveria ser o de minha casa. E me perco aqui, dentro de meu quarto, e será tudo aquilo, tudo o que um dia não sonhei para mim. E é o que se encontra dentro de minha morada, sou eu a me rastejar pelos cantos, eu a vomitar tudo o que me faz mal. Verter o pranto em dor, cansada já de enxugar meus olhos vermelhos. Ardidos, e ligeiramente doloridos.

E nas sombras, renasce das cinzas, sem qualquer vínculo com o que eu era antes. Mudança de rumo. E tanto amor que era o que achava sentir, em mais uma face de dor se torna, mais uma desta, tão comum a mim agora. E espero a brisa vir e fechar meus olhos. Pois como se não bastasse havia a mim, apenas esquecido de morrer, meu corpo. Cheio de marcas, feridas e cicatrizes.

Algumas que o tempo curou, outras a que o tempo faz questão de deixá-las abertas. Uma mais precação, a ninguém que existe, a ninguém que nunca existiu. E sou eu a senhora de mim mesma, sou eu mais uma vez a dona da história. Caminhando sobre restos humanos, acima de corações pisoteados por alguém. Sempre há um alguém. E nunca quis ser assim, e nunca pedi para sofrer, eu nunca quis sequer viver. E espero, assim, toda noite vir, com a escuridão, a luz. Com o vento, a cura, sempre aos meus problemas, sempre a mim.

E na janela perco meu tempo. Tempo que não me importa.Que nada de novo me traz. Não que me surpreenda, ou me faça esperar isso. Não de forma alguma, eu só perco horas e horas, olhando da minha janela, a paisagem sórdida do mundo lá fora. Enquanto não vem o meu protetor, minha redenção. Redentora deveria ser eu, de mim mesma. Mas perdida estou, e a mim não posso ajudar.

E a cada hora que se passa, um suspiro dou, pelo tempo que passou e pelo tempo que ainda terá de passar.

Tatiana Marques (Tath)
Enviado por Tatiana Marques (Tath) em 15/01/2007
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