Um sonho de uma noite de verão

Há tempos que gostaria de conhecer o local onde dorme em seu sono eterno, o maior escritor infantil e um dos principais pensadores da sociedade brasileira: Monteiro Lobato. Um dia fiz o mesmo trajeto que este homem pequeno de tamanho, mas grande de sobriedade e conhecimento fez.

Na cidade de São Paulo, terra de gente trabalhadora, cidade que não dorme nunca, metrópole cinza, perto do maior centro financeiro do país, mais precisamente no cemitério da Consolação, jaz o homem que ousou abrir à cabeça dos brasileiros, de valorizar uma cultura feita em terras tupiniquins, de levar o nome do Brasil para todo o rincão deste mundo de Deus.

Uma coroa de louro adorna sua lápide, uma tentativa singela de homenagear os feitos realizados em vida. Olhei detalhe por detalhe de seu túmulo, era uma tarde morna, podiam se ouvir os barulhos típicos de uma cidade cosmopolita. Eram tantos e diferentes, que se misturavam em um só.

Do lado de fora dos muros à vida corria sem freios, os ponteiros dos relógios avisavam seus moradores de como era precioso o tempo. Mas ali, o tempo parou.

O futuro não existe dentro daquela necrópole, seus moradores viveram o passado e o presente, o futuro não os pertence. De regresso para o local de vida do contista, tentei imaginar como foi aquele dia. Pessoas, homenagens, tristeza... O que será que tinha acontecido? Sabemos um pouco, devido às manchetes de época impressas nos jornais que circulavam a informação a todos que habitavam aquele lugar.

Faziam dias de muito calor daquele corrente ano, calor este que poderia ser comparado ao descrito por Rachel de Queiroz em seu livro “O quinze”. Nem as noites o calor perdoava.

Um silêncio habitava as peças da casa, provavelmente efeito direto da temperatura alta que castigava os miolos. De barulho, apenas dois podiam ser ouvidos.

O tic-tac do relógio da cozinha e os motores de veículos que rasgavam a rodovia, cada um com seu destino. Destinos e vidas tão diferentes se faziam presentes, mesmo com a velocidade de um raio cortando o céu. Isto a poucos metros de onde estava.

Tentei dormir. A luta para pregar os olhos era enorme, o desconforto era grande, mas depois de muito tentar finalmente peguei no sono. Acordei. A luz adentrava pela janela e projetava seu esplendor por todo lado. Não havia mais o tic-tac do relógio, o barulho que antes era apenas um rodar de rodas, agora deu lugar a uma sinfonia muito maior.

Os móveis não eram os mesmos, mas não me era estranho aquele ambiente. Depois de uma dose de água no rosto, uma tentativa de espantar um pouco o calor da noite passada, procurei ver de onde o barulho se fazia. Da janela avistei um amontoado de pessoas, muitas crianças, idosos, gente de todas as idades.

A rua defronte aquele pavilhão de concreto fora fechada devido a grande movimentação. Não contente em ficar em achismos, fui de encontro à multidão, mas antes uma boa olhada ao redor. Pessoas com seus trajes típicos vindos da Europa circulavam por todos os lugares. Muito provavelmente indo ao trabalho, dependurados em elétricos liam ferozmente os jornais em uma tentativa de encontrar uma explicação do fato ocorrido.

Mais perto da concentração humana, pode ser observado um letreiro enorme que ficava logo acima do alpendre. “Biblioteca Municipal”. Um pé após o outro subi os degraus sempre olhando à frente na tentativa de achar alguém conhecido para me informar melhor. Percebi que as pessoas em volta me ignoravam por razões que nem eu sei como explicar. Era como se eu não estivesse ali. Mas eu estava e mais perto de saber o que sucedera aquele dia.

O choro era alto, choros infantis podiam ser ouvidos de longe, o eco do ambiente ajudava a propagar aquela tristeza que arrebatava a todos os presentes. No meio um caixão, coroa de flores atrás, dependuradas em armações metálicas homenageavam o morto. Perto do cadáver uma mulher toda de preto segurava a mão já sem vida tentando achar um conforto, conversando como se pedisse para fazer um favor.

Não me aproximei tanto devido o forte esquema de segurança, mas vi que o corpo presente era nada mais nada menos do que de Monteiro Lobato. Mas como? Esfreguei meus olhos para tentar voltar à minha cama e a ouvir o barulho dos carros e do relógio. Sem sucesso... Depois de todas as homenagens devidas, o caixão foi lacrado, antes uma última cartinha de sua admiradora infantil foi colocada entre suas mãos, não houve tempo e saúde para responder de volta.

Batedores da polícia escoltavam com seus cavalos a urna em direção ao repouso final do escritor. Logo atrás da multidão chorosa, segui o cortejo durante todo seu trajeto. Não sabia se chorava... Não sabia o porquê de eu estar ali. Personalidades do meio artístico prestavam suas últimas homenagens. Chegando ao local do enterro, um sol forte e um céu azul assistiam aquele momento.

Pessoas se espremiam entre os túmulos. Um homem alto e austero pegou o microfone e em bom alto tom disse a derradeira frase: “A sem-vergonhice nacional está de parabéns com a morte de Monteiro Lobato; grande homem; grande espírito; grande artista. Não sabemos o que admirar mais nele: se o homem de bem ou se o artista perfeito. Em meu nome e de todos os atores do Brasil, trago aqui nosso último adeus comovido” disse Procópio Ferreira.

Devolveu com a mão tremula o microfone para o próximo orador. O dia se esvaia, o sol morria no horizonte da terra da garoa. No cemitério, apenas os pássaros ainda estavam presentes. Hora de voltar, o cansaço e a tristeza me abatera de modo que uma boa cama poderia me restaurar as energias. No regresso vi que a vida continuava, prédios ganhavam formas bastantes aos atuais. O progresso o qual Lobato lutava podia ser observado naquele ambiente.

Já em casa, tiro os calçados e sento na cama procurando entender o que tinha ocorrido. Quente, muito quente... Uma olhada no calendário na parede apontava a data de 4 de julho de 1948. Deito e procuro relaxar, durmo... Na manhã seguinte o tic-tac do relógio da cozinha mostrava que eram 9 horas da manhã. Levanto e passo a mão pelos livros na estante procurando pelo relevo da capa qual era de Monteiro Lobato. Abro em certa página que se apresentava o dialogo entre Emília e Visconde de Sabugosa. E se seguia assim:

– A vida, senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem para de piscar chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais [...] A vida das gentes neste mundo, senhor Sabugo, é isso. Um rosário de piscados. Cada pisco é um dia. Pisca e mama, pisca e brinca, pisca e estuda, pisca e ama, pisca e cria filhos, pisca e geme os reumatismos, e por fim pisca pela última vez e morre. – E depois que morre? perguntou o Visconde. – Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?.

Pode deixar Emília, um dia vou fazer esta pergunta pessoalmente a ele... Um dia.

Chronus
Enviado por Chronus em 13/02/2012
Reeditado em 31/05/2012
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