A VIAGEM

Naquela época eu tinha oito anos de idade, ouvi a conversa do meu pai com meu tio Sabá, seu irmão caçula, que todos gostavam e o respeitavam pelo seu conhecimento e poder de decisão; seu nome era Sebastião, mas todos preferiam chamá-lo carinhosamente de Sabá. Eu não entendia direito a conversa, falavam em mudar de vez para Porto Velho, de onde haviam chegado há pouco tempo. Meu pai dizia pensativo:

- É melhor mesmo ir todo mundo, lá tem mais recurso!

- É sim Zogóia,( apelido do meu pai ) lá é melhor para as crianças, e para nós também. ( Dizia meu tio animadamente).

Em outro momento ouvi a conversa do meu pai com minha mãe sobre o mesmo assunto, ficava sem entender e me perguntava: - Para onde vai todo mundo?

Certa vez, enquanto ajudava vovó tirar as roupas secas do varal, ela falou:

- Lá em Porto Velho, quase não tem lugar para estender as roupas, as casas são muito juntas uma das outras, acho que não vou me acostumar morar lá.

- Onde fica Porto Velho vovó? Perguntei.

- Muito longe daqui, é cidade, pra lá que vamos todos.

- O que é cidade vovó?

- É cidade, ora esta! Vá logo levar a roupa pra dentro de casa.

Depois dessa conversa, a curiosidade tomou conta de mim, só pensava na viagem, não fazia a menor idéia de como chegaríamos nessa tal cidade Porto Velho. Ficava hora, imaginando um Porto todo velho e feio, pensando se ia gostar ou não do Porto Velho que minha avó dizia que era uma cidade...como será uma cidade?

Pouco tempo depois, estávamos todos dentro de um barco, com tudo o que tínhamos, estávamos mudando para Porto Velho, parecia uma festa. Meus tios conversavam alto, eu, meus irmãos e primos ríamos animadamente sem entender bem o que estava acontecendo. O barco saiu rio a fora, e à medida que nos afastávamos eu me perguntava em pensamento: - Será que não volto nunca mais para este lugar? Porto Velho? Velho Porto? Morar num Porto Velho? Tio Sabá disse que é muito bom lá...só ta velho, mas agente ajeita até ficar parecendo novo...porque que ele riu muito quando falou isso?

Envolvida em meus pensamentos, nem percebia o tempo passar. Lembro-me que minha irmã Mariazinha de apenas cinco anos estava com muita febre, papai e mamãe estavam preocupados, mas a viagem continuava. Tio Sabá era o mais animado da turma, brincava conosco, fazia cócegas na gente, fazia pegadinha, contava piada e histórias de pescador...toda a meninada ria muito. Lembro-me que no meio da noite, Mariazinha passou muito mal, mamãe estava chorando e papai com um olhar triste tentava acalmá-la. Vi quando tio Sabá conversou com meu pai em voz baixa e em seguida os dois foram falar com o dono do barco. Meu coração bateu forte, tinha medo que minha irmãzinha virasse anjo e voasse para o céu, que nem a história que tio Sabá contou certa vez, falando de criança que morre. Fiquei quietinha tentando dormir...acho que dormir. Depois de algum tempo vi mamãe mais animada, dizendo que o dono do barco deu um santo remédio para Mariazinha, com um nome esquisito “Abracinto” acho que era este o nome, ela melhorou rapidamente.

E a viagem continuava. Não lembro muito bem quanto tempo estávamos viajando, quando o barco parou em uma praia, para esperar a chegada de outro barco. Nessa praia ficamos muito tempo. Tio Sabá aproveitou o tempo para brincar conosco na areia, chamou alegremente toda meninada para a praia, enterrou bombons na areia e mandou todos procurarem, foi uma festa...ríamos, nos empurávamos, rolávamos na areia e fazíamos cócegas no tio Sabá o qual jogava areia em nós para fugir das nossas mãos. Quando entramos no barco novamente, estávamos bastante cansados, mas felizes. O barco partiu e lá fomos nós, envolvidos em nossos diferentes pensamentos.

Estávamos agora no RECREIO, assim era chamado o outro barco no qual entramos, era ele que iria nos levar até Porto Velho. Foi outra festa, eu estava um pouco apavorada, nunca tinha visto um barco tão grande e com tanta gente. Fiquei observando aquele movimento esquisito de gente que andava agachada de ou lado para o outro, desviando das redes que estavam penduradas bem juntinhas uma das outras. Procurava ficar sempre perto da mamãe, a qual foi logo procurar lugar para colocar nossas redes, e agasalhar Mariazinha que estava muito fraquinha, dizia para nós com voz firme: - Fiquem aqui, nada de andar por aí, é perigoso cair na água! Obedecemos.

Não sei quanto tempo passamos viajando, mas para mim, tudo era fascinante...encontrava-me no meio de um grande rio...ficava observando as árvores passando pelo barco lentamente, na minha ingenuidade, imaginava como elas conseguiam passar pelo barco sem sair do lugar...era um mistério, jamais imaginei que era o barco que passava por elas.

Os botos apareciam próximo ao barco, às vezes eu ficava com um pouco de medo, pois já tinha ouvido muitas histórias de botos, que engravidavam as moças, encantavam os rapazes, se transformavam em homens com buraco na cabeça e dançavam com as moças mais bonitas das festas e outras. Ficava muito tempo olhando as águas e imaginando como seria o lugar para onde estávamos indo.

Acordei certa noite ouvindo muita conversa, vi pessoas andando de um lado para outro, colocando objetos nas malas, nas sacolas, tirando as redes, acordando os filhos...fiquei de pé e vi mamãe arrumando nossas coisas também. Olhei ainda sonolenta para fora do barco, e vi um espetáculo que nunca esqueci...luzes, muitas luzes. No primeiro momento pensei que fossem pequenas fogueiras, pois nunca tinha visto tantas luzes, e cada vez mais elas aumentavam, eu estava paralisada e muda, não sabia o que pensar. Mamãe me disse: - É Porto Velho filha, chegamos. Meu coração acelerou, o medo misturado com a alegria tomou conta de mim, meus pensamentos voavam e interrogava-me silenciosamente: É aqui? Que lugar estranho! Porque tantas fogueiras? É Porto Velho ou é Velho Porto?...FIM DA VIAGEM.

Para uma criança de oito anos que nunca saíra de um lugarejo onde nasceu e viveu até seus oito anos, que nunca vira luz elétrica, tanta gente e casas juntas, foi assustador e encantador...Porto Velho era real...COMEÇAVA UMA NOVA HISTÓRIA.