Caffe Bordeaux - Parte 3

Me lembro dessa noite até hoje. Nós estávamos em sintonia, nem parecíamos que éramos dois. Nos fundimos em um só corpo, que pulsava, que tinha coração, não só tesão. Aconteceu o que eu menos esperava: nós nos apaixonamos. Um garoto de família rica e uma cortesã de luxo. Parece até Moulin Rouge. Fui pra casa com a sensação de que o meu coração e o meu corpo estavam leves, livres, soltos e apaixonados.

Quando eu acordei no dia seguinte, ao meio-dia, senti que era uma outra pessoa. Revigorado, depois de uma noite perfeita com a mulher perfeita, mesmo que ela seja uma puta de luxo. Queria me encontrar com ela o mais rápido possível. Foi quando eu vi um pequeno guardanapo em cima do meu criado-mudo, perto do dinheiro que eu economizei na noite anterior. Ele cheirava a gloss de limão. Abri e misteriosamente vi o MSN dela escrito. Eu nem sequer havia me lembrado como eu consegui aquilo, mas era muito valioso. Imediatamente adicionei ela aos meus contatos. Ainda bem que era Domingo e consegui achar ela online.

Marcamos um encontro na próxima Quarta-feira, lá mesmo no Caffe. Esperava ansiosamente por esse dia, não conseguia dormir. As lembranças daquela noite invadiam o meu sono. Uísques, charutos, Penélope, limão... Tudo invadia os meus pensamentos e não me deixava dormir tranqüilo. Mas tudo isso era para o meu bem. Se não fosse, estaria sofrendo, com o coração em sangue, derretendo só de pensar como Penélope estaria.

A quarta chegou. Nosso encontro ia ser de tarde, as três. O tempo tava muito bom, fazia um belo sol. Fui de ônibus, veículo meio estranho pra quem foi acostumado a andar em Mercedes com ar-condicionado e bancos de couro. A mudança é radical. Por azar, eu fiquei bem no sol, naqueles bancos de plástico duros, sem encosto. Não reclamei, porque é assim que a maioria dos brasileiros, que ganham um mísero salário-mínimo para sustentarem suas famílias gigantes, e que moram em sub-moradias nas favelas por aí. O sol me queimava, mas eu não podia fazer nada. Pessoas passavam pela calçada com sombrinhas e se abanando. Esse calor era sinal de que o planeta estava chegando no fim e não podíamos fazer nada.

Desço uma quadra antes do Caffe. Fazia um calor fudido lá fora, uns 31 graus, eu acho. Para quem foi acostumado com o frio durante boa parte do ano, aquele calor era totalmente desconfortável. Suava um pouco, mas não a ponto de feder, até porque eu tinha passado meu perfume preferido, Azzaro. Vindo diretamente de Milão.

Cheguei no Caffe Bordeaux ás três horas exatas. Não havia nenhum cliente, nem alguma puta. Um frio invadia-me as minhas entranhas. Mas quando olhei para o lado, o frio se esvaiu. Era Penélope, toda linda em uma minissaia e um top que me deixou de queixo caído, estatelado no chão. Sentei, conversamos um pouco e fomos para o quarto. Novamente sentimos nossos corpos se fundirem e arderem em fogo. Senti o coração dela pulsar forte, ritmado, na velocidade do som. Senti o seu cheiro, cheiro doce, forte, tropical, mas que não consegui decifrar. E eu fui guiando ela rumo a ascensão ao infinito, onde ninguém poderia nos atrapalhar.

E assim foi durante oito semanas. Toda Quarta à tarde ia ao Caffe Bordeaux, ia me encontrar com Penélope e esquecia de tudo. Ela era o meu refúgio, o meu sólido refúgio. Na oitava semana, enquanto Penélope se arrumava, ela disse:

- Rodrigo, quero te falar uma coisa.

- Fale, não tenha medo...

- Eu me cansei dessa vida aqui no Caffe Bordeaux. Quero fugir daqui com você e a gente vai começar uma nova vida. Porque nada no mundo vai separar a gente... – e eu a abracei, vendo lágrimas escorrendo de seu belo rosto.

- Você vai sair dessa vida logo, eu tenho certeza! – e lágrimas começaram a escorrer dos meus olhos.

Ela tinha razão. Se nós quiséssemos viver nosso amor, teria que ser longe do Caffe Bordeaux. Mas, naquele momento, eu senti alguém nos escutando, nos olhando. Fiquei com medo que alguém nos escutasse e nos delatasse ao cafetão. Aí sim seria o fim de tudo. Para minha surpresa, na semana seguinte, quando fui encontrar Penélope, fui jogado pelos seguranças no olho da rua. Provavelmente ela teria sido expulsa pelo cafetão. Quando eu cheguei em casa, meu pai, furioso, veio com um monte de perguntas. Provavelmente o cafetão contou para o meu pai sobre o meu envolvimento com Penélope. E ele disse:

- Por causa dessa puta nojenta, eu vou trancar a tua faculdade e você vai sair de Curitiba!

- Mas... pra onde pai...

- Você vai é pra bem longe daqui! Vai pra São Paulo! – disse ele, bravo e aos berros.

- Cê tá doido, pai!

- Não adianta discutir comigo, porque ordem é ordem! Você vai e ponto!

- Mas eu posso perguntar quando eu vou...

- Você vai em três dias pra lá, na casa do Leandro, teu primo.

- Droga.. eu nem gosto...

- NÃO ADIANTA DISCUTIR! ORDEM MINHA NÃO SE DISCUTE!

- Tá bom...

- E agora, já pro teu quarto! Você vai ficar lá e não vai sair de lá até o dia da viagem! Se sair, eu te dou uma cintada na cara!

Pronto. Minha vida virou um inferno em poucas horas. Quando eu cheguei no quarto, todos os eletroeletrônicos tinham sido tirados. Da TV ao PC, tudo tinha sido retirado. Não tinha nada. Meu pai era bem rigoroso, xerifão mesmo. Ordem dele tinha que ser cumprida a risca. Senão as conseqüências eram as piores possíveis. Nem parecia o bom parlamentar da Assembléia Legislativa do Estado do Paraná, que sempre estava ao lado do governador e dos secretários, nem parecia o líder do Governo. Parecia mais um ditador estilo Pinochet, ou pior, estilo Salazar ou Franco. No nível do Stálin ele nunca chegaria. Imagine no nível do Mussolini...

Naquela escuridão do meu quarto, comecei a lembrar de toda a minha trajetória de vida até aquela noite no Caffe Bordeaux. A perda precoce da minha mãe, o primeiro dia na escola, o primeiro amor, no final da Quinta série, os anos turbulentos da adolescência, todas as ficantes, todos os meus amigos de escola, a primeira namorada, no segundo ano, o vestibular, a aprovação no vestibular, o primeiro ano na universidade. Me lembrei como se fosse aquele dia, e chorei por aquele tempo ter passado tão rápido, e também de saudade de Penélope.

Fiquei trancado no meu quarto por três dias. Meu pai deu ordens para que não me deixassem sair por nada, senão poderiam ser demitidos sem justa causa. Até as janelas foram fechadas com tranca para que eu não pudesse fugir.

No terceiro dia, arrumei minhas coisas e fui rumo a São Paulo. Deixava para trás toda a minha vida e o meu amor. Ia para uma cidade que eu pouco conhecia, onde cada um briga pela sua sobrevivência em meio a uma selva de pedra e onde eu não conhecia ninguém. Tinha medo de me perder, de ser assaltado, de ser seqüestrado, de ser assassinado, e pior, sem ninguém saber, numa daquelas favelas esquecidas pelo poder público. O medo me dominava, e ia subindo cada vez mais, à medida que ia chegando em Piratininga de São Paulo. Queria chegar logo e dormir. Não teria ânimo para ir à balada. Aliás, eu nem queria.

Ivan Cella
Enviado por Ivan Cella em 17/01/2007
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