Se for sapucar não abuse
Jorge Luiz da Silva Alves





     E Ela chegou: despachou bofe californiano e veio (por força de contrato, claro) aplacar a curiosidade ianque sobre os folguedos brasílicos de todo fevereiro. Recepcionada por sumidades da mídia tropicaliente, fechou compromisso com o “Pagodínio” e flanou, pesadamente escoltada por trogloditas do Show Business, pelos camarotes do Coliseu Supremo da alegria nacional, antiga rua de famosa cervejaria que, sob os auspíscios de Baco, implodira-se pela sede dos foliões cariocas por mais espaço naquela área.

       Bobagens eram traduzidas do melodioso português para a metálica entonação anglo-saxônica da morenaça do Brooklyn, descendente de caribenhos e com acentuada inclinação para a sensualidade, marcantemente desenhada em suas curvas generosas, vibrantes quando ouvia o repique troar, soberano, no sagrado asfalto da Sapucaí. Surdos de marcação e caixas de guerra declaravam a paz no ribombante festival de alegria, arquibancadas e frisas e camarotes, tudo: aquela atmosfera fazia com que respondesse a perguntas de repórteres e curiosos com uma sutil requebrada que remetia-a aos tempos em que seus pais, recém-chegados de San Juan de Puerto Rico, sacudissem os quadris pela casa ao sabor apimentado das saudosas Antilhas. Tempo bom, que reencontrava ali, ao sul do equador; mas, ciente de suas obrigações contratuais, tinha um cronograma a seguir naquelas paragens. E não podia afinar: sua concorrente direta no hall da fama, a espigada teuto-brasileira que comprara metade de Manhattan desfilando em outra passarela, ali estava, trocando farpantes olhares nos corredores apertados do sucesso.


        Esticara os caríssimos pezinhos na amurada do camarote enquanto assistia ao desfile dos poderosos anônimos, os que contribuem anualmente para que a genuína alma brasileira divulgue com purpurinas e fantasias o efêmero sucesso econômico proveniente da 'debácle' ocidental e do incansável trabalho duma força majoritariamente informal, que não espera benesses governamentais, corre atrás do pão diabolicamente amassado por previdências ingratas e políticos amnésicos. Douradas corpos preparados exclusivamente para aquele autêntico natalício nativo, um imenso presépio onde o ouro, o incenso e a mirra pouco valiam ante o advento de libras e libras de carne festeira sobre alegorias, dentro de alas suntuosas e passos marcados. Ela encantara-se, especialmente, por um tipo de ébano majestosamente esquálido mas revestido de um arrogante porém atraente porte, Chico Rei metros abaixo nas cadeiras de pista, fitando-a com a fome de praxe aos machos de ofício e o orgulho típico do proletariado autossuficiente. Em sinal, Ela mordeu o lábio inferior de modo imperceptível ao Crô que monitorava todos os seus divinos passos e aos paparazzos sedentos pelo ambévico
(*) princípio do jornalismo marrom, o de difamar para prosperar. Afinal de contas, traseiro de bebum não tem dono, nem aqui nem na América dos bravos e livres; e desejava ardentemente, que aquela peça da Mina viesse para o fundo de seu cálido tumbeiro, sem que soubessem. Na hora, exigira um quarto apenas para troca de roupa, assim, do nada; acertadamente, viu que os paparicantes sequer se dessem ao trabalho de perguntar o porquê: a vontade da Divina Ísis era ordem. Pelo bem da Sagrada Comissão, claro...


      ...só não contava com a força do óbvio: um óbvio que existe aqui, lá na terra dos bravos e livres e onde quer que o sexto sentido prolifere. Extamente no instante em que a alegoria radiofônica atravessava o camarote da canjibrina, uma belíssima morena, invocada com a troca sutil de permissividades entre a gringa e seu bofe, desceu dos queijos
(*) empurrando todos à sua frente e pulou nas cadeiras de pista para coibir a reinação do magruço, já de cetro erguido para veneração da bestinha logo à noitinha. E pensar que se produzira toda para, ao fim do desfile, deixar-se levar no Terreirão do Samba adjacente ao Sambódromo com o moço deslumbrado por musas 'pagodínicas', pirigas de ocasião que esperam abordar um bobão qualquer. Aquele não!, vociferou a Germaninha, acesa nas ventas, sacrificando os pontos da escola no quesito harmonia para garantir que o desfile de sua felicidade não atravessasse por conta dessa lambisgóia.

    E enquanto Ela escapulia, sem graça alguma, com seu séquito de pesados sanguessugas, o tonitruante protesto da destaque carnavalesca feria a noite sob os aplausos da multidão, fundindo-se ao som da bateria, enquanto saraivadas de tapas no espertalhão pareciam mais com toras de puro pau-brasil no lombo. Não só dele mas no de todos(as) que pensam que o respeito de certos quintais resida nas esferas de Mãe Joana.





(*) ambévico = neologismo, derivado de AmBev, a cervejaria.

(*) queijo = na linguagem do carnaval, é aquela plataforma arredondada dos carros alegóricos, onde destaques se exibem.

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Jorge Luiz da Silva Alves
Enviado por Jorge Luiz da Silva Alves em 20/02/2012
Reeditado em 20/02/2012
Código do texto: T3510084
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