Caffe Bordeaux - Parte 4

Cheguei em São Paulo ao meio-dia. Tinha ido de avião. Meu pai não seria louco o suficiente para me pôr dentro de um ônibus de linha. O apê do Leandro, meu primo, ficava na zona leste. Ele me atendeu prontamente e começamos a conversar depois de arrumar meu quarto, que ficava numa antiga dispensa.

- Mas como o tio Augusto fez você parar aqui...

- Leandro, é uma longa história.

- Vai, conta.

- É que no dia do meu aniversário, em Janeiro, meu pai inventou que eu tinha que ir no Caffe Bordeaux...

- Aquele puteiro!

- Sim, Leandro. Eu não queria ir nem fudendo pra lá, mas o meu pai insistiu tanto que eu tive que ir...

- Mas, e daí, o que aconteceu...

- Eu fui lá, e eu me apaixonei por uma das garotas. Dormimos e quando eu fui pagar, ela disse que não precisava, que gostou tanto de mim que eu não precisava pagar. Daí eu peguei o MSN dela e nós marcamos uma data pra gente se encontrar. A gente se encontrava toda Quarta lá no Caffe, até alguém cagüetar a gente pro cafetão, que me chutou pra fora de lá, e eu não sei o que fizeram com a Penélope... – comecei a chorar – Daí o cafetão contou tudo pro meu pai, que me mandou pra cá...

- Putz.... Penélope é o nome da garota ou não...

- Sim... a gente se amava muito, eu queria tirar ela de lá e viver a vida, só nós dois, num lugar só pra nós...

- Nossa, que triste... Mas eu conheço essa Penélope...

- Como...

- Conheço um cara que era cliente dela. Plínio Kovalenko.

- Peraí... Esse cara não é o líder da oposição na Assembléia do Paraná...

- Ele mesmo.

- Meu pai sempre acusou ele de ter mandado matar o Arnoldo, o segurança da chácara de Prudentópolis!

- É por isso que o teu pai deve Ter te mandado pra cá. Ele queria que você ficasse longe dela por precaução. Esse cara deve aprontar mais coisa... Mas é uma pena que nós estejamos aqui em São Paulo, sem saber de nada que ocorre lá. Mas ânimo, cara... quer comer um pão-de-queijo...

- Claro!

Comi o pão-de-queijo com o sabor amargo da tristeza, da saudade. Não tinha ânimo pra nada, nem pra sair do meu quarto. Não queria ver aquela cidade cinzenta, poluída, pálida, cheia de automóveis, nada de verde, nada de araucárias, nada de pinheiros, nada de eucaliptos, nada de vina, nada de pinhão, nada de biarticulados, nada de ligeirinhos, nada de Palácio Avenida, Rua XV, Teatro Guaíra, Jardim Botânico, Largo da Ordem, Couto Pereira, Ópera de Arame, nada, nada. São Paulo não pertencia ao meu mundo nem fazia o meu perfil de cidade. Talvez porque em São Paulo eu não me sentia bem, eu não me sentia em casa.

Fiquei dias e dias planejando como sair daquele inferno de apartamento na zona oeste. Pulando eu não podia. Estava no décimo quarto andar. Nem amarrando cordas. Eu não podia fazer nada. Ia ficar ali por um bom tempo. Mas eu tinha que planejar algum jeito de sair e voltar pra Curitiba. Numa dessas andanças pela Paulicéia, conheci o Panatelli, um cara lá de Curitiba que era vizinho meu. Assim que eu contei tudo o que aconteceu a ele, Panatelli falou que tinha um jeito de fugir. Me deu R$ 200, que era o suficiente para a passagem do ônibus. No outro dia, menti ao Leandro que ia comprar uma Playboy e fui até a rodoviária do Tietê comprar as passagens. Tudo tinha que ser feito no maior sigilo. Comprei a passagem. Ônibus marcado para sair à uma da manhã do dia seguinte, um sábado. Leandro ia para a balada naquele dia, então tava tudo perfeito. Escaparia sem deixar sinais.

O dia seguinte foi um Sábado normal, como outro qualquer outro. Acordei tarde, onze da manhã. Leandro estava exausto devido a última balada. Fui espiar a passos finos o quarto dele. Olhei pela fresta da porta e vi que ele tinha passado a noite com uma morena estonteante. Olhei ela de cima a baixo, sem pestanejar. Não tinha muito peito, mas era dotada de uma boa bunda e coxas grossas, torneadas e potentes. Pelo jeito ele tirou a sorte grande. Ganhou na Mega-Sena. Quem dera se eu tivesse essa sorte hoje.

Para os dois continuarem dormindo tranqüilamente, voltei para o meu quarto e fui me arrumar para ir na panificadora, ou padaria, como eles dizem. Fui até a padaria e comprei cinco pães franceses e um salaminho, do jeito que eu gosto. Quando eu voltei, eles já tinham levantado e estavam esperando pelo café.

- Olha só o Rodrigo! Já trouxe os pães! Tá evoluindo, garoto!

- Não precisava, Leandro...

- Rodrigo, deixa eu te apresentar, essa é a Anna, uma amiga minha que eu conheci na fila do Hangar... Anna, esse é o Rodrigo, um primo meu de Curitiba que tá morando comigo...

- Prazer!

- Prazer!

- Bom, se vocês não se incomodam, temos que fazer o café...

- Claro! Não tô me agüentando de fome...

Depois de preparado o café, fomos a mesa. Mas, enquanto eu estava tomando um gole de Nescau, reparei na Anna. Ela estava com uma blusinha roxa com a inscrição “Fuck”, mas que deixava aparecer um piercing no umbigo. Também estava com uma minissaia, mas para minha surpresa, ela estava sem calcinha. Será que ela esqueceu de pôr ou gosta de não usa-lás... Vai saber...

Depois de tomado o café, fomos descansar um pouco assistindo a um treino da F1.GP dos EUA, no Indianapolis Motor Speedway. Leandro estava abraçado a Anna, e novamente deu para reparar que ela estava sem calcinha. Isso parecia estar me excitando, mas eu não podia me excitar. Seria uma desfeita muito grande. Pra evitar maiores constrangimentos, fui para o meu quarto. Deitei e fui conferir se a passagem estava em lugar seguro. Ainda bem. Mas eu tinha que arrumar as minhas malas, mas isso não daria muito trabalho. As roupas estavam todas num guarda-roupas só. Arrumei sem eles verem.

Terminei de arrumar tudo as duas em ponto. Eles ainda estavam distraídos com a F1. Mais tarde, nos despedimos de Anna. Se eu não tivesse naquela fase, bem triste, eu estaria “catando mulher” pelas baladas por aí, apesar de que catação não faz o meu tipo. Mas quando era necessário, eu apelava.

De tão cansado que estava, Leandro foi tirar uma sesta no seu quarto. Aproveitei e fui assistir um pouco o Caldeirão do Huck. Não passava nada de bom nas rádios. Nada. Fazia um pouco de calor, tava fresquinho. Não via a hora de sair daquele cárcere privado.

Dez da noite. Leandro começava a se arrumar rumo a mais uma desvairada balada Paulicéia afora. Ele se veste muito bem. Cavalera, Levi’s e Hugo Boss. Pacote que faz chover mulheres na balada, em qualquer lugar no Brasil, principalmente se você tiver um bom corpo. Está aí a receita do sucesso na balada.

Depois de se arrumar, Leandro começa a mexer virulentamente nas teclas do seu V3, buscando contatos para uma boa balada. Escuto ele falando lá da sala. Parece que está muito animado nessa noite. Logo após, se despede de mim e vai rumo as suas aventuras noturnas São Paulo adentro. Depois de ter saído, sinto que a barra tá limpa. Sinal verde para a fuga do cadeião privado de São Paulo. Tinha que esperar mais um pouco, não podia ser naquela hora, senão o porteiro ia desconfiar. Mas, a partir daquela hora, comecei a me arrumar, a hora tava chegando. 23:30. Ligo para o táxi, e ele vem me buscar daqui a 20 minutos. Está tudo pronto.

20 minutos depois, as 23h53, o táxi chega em frente a meu apartamento. Ninguém suspeitou. O porteiro estava dormindo. Só as câmeras de vigilância estavam funcionando. Coloco as malas no táxi e vou rumo a rodoviária do Tietê. De dentro do carro, vejo uma São Paulo que não pára nunca. Todos se movimentando, fazendo alguma coisa, ou em casa ou nas baladinhas por aí, em todos os lugares. É uma cidade que não cai na rotina. Sempre está se reinventando. É por isso que tem tanta gente. Tanta gente de todos os lugares do Brasil e do mundo. Por isso que São Paulo é uma cidade única em multiplicidade de culturas e da convivência delas. Todas vivendo pacificamente. Sem distúrbios.

Não esperava, mas acabei pegando um pequeno engarrafamento. Mas nada que prejudicasse. Chego na rodoviária do Tietê a 00:30. Tentar achar o ônibus naquela rodoviária gigante era um belo desafio. Mas ainda bem que existiam os alto-falantes. Era algo novo para mim, que estava acostumado a terminais de aeroportos dos quatro cantos do mundo. Atlanta, JFK, Heatrow, Charles de Gaulle, Narita... Andava por esses aeroportos desde os oito anos.

Assim que eu achei o portão do meu ônibus, fiz o check-in e embarquei. Eu nunca tive a sensação de estar num ônibus, com tanta gente. Sempre estive na primeira classe das melhores companhias aéreas. Varig, American Airlines, Air France, British Airways, KLM, Lufthansa... Tudo era muito bom, serviam iguarias finas.

Já naquele ônibus da Itapemirim só serviam uma barrinha de cereais e nada mais. Tudo muito modesto, já que pobre tem pegar ônibus e só se ferra por essas estradas esburacadas. Pena que neste país a justiça com o povo vai demorar anos para ser feita, ou pior, nunca vai ser feita, se depender de nossos governantes.

Cheguei em Curitiba as oito da manhã, exausto por causa da viagem. Queria logo descansar, dormir. Peguei o meu cartão telefônico e liguei para o Luciano, um amigo meu lá da Federal. Falei que precisava de um canto por alguns dias. Ele falou que tinha um pequeno quarto sobrando na casa dele, lá no Jardim Social. Aceitei prontamente e peguei um táxi. Ergui as mãos para o céu, aliviado, por ter voltado para Curitiba. Era a minha cidade, meu lar. A mãe que me cuidou. O braço materno.

Ivan Cella
Enviado por Ivan Cella em 18/01/2007
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