Cap. 2

Pensei ter sido boa coisa, ter me livrado das fotografias dela após sua morte. Agora, lembro das que rasguei. Uma por uma. E cada foto oculta um momento vivido, uma experiência de tempo que só é atualizado pela memória. Não sou fotogênico. Na verdade sou até feio nas fotografias. O pior é quando dizem que estamos bem na foto e, quando vai tirar a prova, nem nos reconhecemos. Tenho uma foto de estimação. É a da carteira de trabalho. Uma 3 x4. Eu tinha quatorze anos. Tinha um cabelo grande castanho escuro. Não usava óculos ainda e nem tinha as manchas das olheiras de noites mal dormidas. Eu já fui bonito. Aquela foto testemunha. Guardo-a comigo.

Agora meu rosto possui as marcas da beleza de outrora acentuada pelo tempo. Os olhos que reparam em mim não são mais daquelas meninas de vinte anos em diante. Ouço uivos de lobas. São elas que rodam me espreitando. Também sou lobo. Um lobo enxuto, como diriam. Grisalho, sem muita beleza física. O tempo realmente deixa suas marcas. Minha ausência de boa visão, me força usar óculos. Sou um tanto magro e ando ereto, o que me torna elegante em alguns aspectos.

Não conquistei a amargura dos solteirões. Tive tudo para tê-la. Não me casei novamente. Até hoje guardo as perfeições da Bárbara e são, justamente, estas que reparo projetado na Clarice.

Bárbara era uma mulher que pensava por si. Tinha muitos amigos, era extrovertida, comunicativa e muito bem informada – coisa que eu admirava muito. Me conquistou quando a chamei para dançar. Eu nunca aprendi a dançar, mas a chamei assim mesmo. Creio ter pisado inúmeras vezes no seu pé e ter pedido inúmeras vezes desculpas por isso.

- É fácil! É só me acompanhar… vou mais devagar.

Dizia baixinho para não me expor ao ridículo. Ela me pedia para contar os passos para a direita e para esquerda. A contagem até que era fácil. Difícil era rebolar. Precisava rebolar. Ela foi muito paciente, mas não aprendi.

Nesta noite, sentamos na calçada no meio da rua e conversamos muito. Reparei no seu sorriso. Ela gargalhava escandalosamente. Como não repararia? Era lindo… Não continha a alegria. Explodia! Não lembro o que conversamos. Nada, nada. Ela lembrava. Lembrava que dia foi aquele, o que eu falei ao pé do seu ouvido, que roupa eu usava e até do meu cheiro. Nesta mesma noite começamos a namorar.

Não demoramos muito namorando. Casamos no ano seguinte. O namoro continuaria muito mais intenso depois. Saíamos muito: cinema, barzinhos, boliche, lanchonete (com direito a guerra de catchup). Alugamos um apartamento. Era um pombal. Foi lá que aprendi a gostar de girassol. Ela me chamava de girassol e eu sempre gostei do nome dela. As vezes, amor.

Era muito religiosa. Foi educada pela avó, dona das Dores. Sua mãe colocou o nome Bárbara por causa da santa mesmo. Santa Bárbara: defensora nos momentos de tempestades. Ela nasceu em dia de tempestade em Brasília. Seus pais disseram, certa vez, que, naquela época, o vento arrancava as árvores pela raíz. Quebrava portes ao meio e empurrava carros para dentro das casas. Das Dores acreditava que Deus estava bravo com os homens. É o fim dos tempos, dizia ela. Mesmo assim rogara a santa Bárbara que sua neta nascesse em paz. E assim aconteceu, mas cresceu com medo de trovões e relâmpagos.

Dois anos depois de casados pensamos em ter um filho. Começamos a planejar. A primeira coisa que planejamos juntos, sem muita burocracia, foi decidir o nome.

- Maristela, se for mulher. Se for menino, Eduardo.

Gostei de Eduardo, mas Maristela era o nome da tia dela que eu não me dava bem. Seria uma homenagem à ela numa filha minha. Gosto do nome, mas não concordava. Sua tia era irritante! Metida. Sempre se intrometia nas nossas decisões. Por que colocar o nome dela na minha filha?

- Acho bonito o nome. Sabe o que quer dizer?

Eu bem sabia. Lembro do velho e bom latim. Se fosse por isso calocasse "Stella Caellorum", é mais romântico, principalmente longe da iluminação das cidades e em noites sem lua. Ou Celeste… Luana… Lúcia… Eliane…

- "Stella Caellorum", você é louco?

Poderia ser, mas não aceitaria uma filha minha transformada numa homenagem a uma gralha. Lembro-me bem, quando chamei a tia da Bárbara de gralha, não foi intensional mas, consegui irritá-la de tal maneira que não chegamos a um consenso.

A segunda coisa que planejamos foi a noite dedicada ao nosso futuro filho ou filha. Pensamos em tudo. Arrumamos o apartamento para uma visita que viria, mas não agora. Nosso quarto teve um toque todo especial. Nossa cama, uma cama simples de casal, era de madeira trabalhada à mão. Colocamos um forro branco, uma colcha de setim dourado por cima e espalhamos pétalas de rosas. Compramos velas aromáticas e espalhamos por toda parte. Nada de incenso. Comprei um óleo que tinha um odor bem suave, não me lembro do que era.

Nos arrumamos um para o outro separadamente, sem nos vermos. Nos encontramos na sala. Ela usava um vestido preto de alça fina e uma sandália de salto agulha. O cabelo estava solto, mas bem penteado. Passara batom, lápis nos olhos e uma maquiagem leve acentuava a maçã do rosto. Usava brincos discretamente e um colarzinho de ouro. Presente de um ano de casado. Eu estava com uma calça social preta, uma camisa preta por dentro da calça. Cinto, meias e sapatos tambem pretos. Pela tarde, tinha ido cortar o cabelo e feito a barba. Coloquei o perfume que ela mais gostava. E fizemos amor a noite toda. Havia pequenos intervalos e, logo logo, estavamos novamente entregue ao amor. So levantamos ao meio dia. Fomos almoçar fora.

Walter Welington
Enviado por Walter Welington em 20/01/2007
Reeditado em 27/01/2007
Código do texto: T353710
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