As flores de Dona Tereza.
 
Minha avô Tereza era uma pessoa linda, meio gordinha,falava baixinho,sempre muito bem arrumada, unhas pintadas de "rosa rei"(nunca esqueci a cor do esmalte)  e cabelos bem penteados, perfumada,era vaidosa!
Vivia cercada de netos, dava atenção a todos,
sempre sorrindo,gostava de música e de dançar com as crianças.

Sentava-se na varanda da casa, colocava um guardanapo no colo, enchia uma tigela de frutas, uma faca bem afiada  e descascava frutas para a criançada toda,seguia a ordem correta dos netos a sua volta.Nos dava guardanapos e servia um de cada vez fazendo algumas recomendações para que não sujassemos a roupa.A gente ria,como não sujar se a fruta fosse uma manga sem descascar e a laranja sem pingar...?A seu lado uma pequena bacia com água para lavarmos as mãos depois de comer.
Não me lembro dela perto do fogão,não gostava de cozinha, apesar de gostar de comer bem, sua comida era uma delicia,quem cozinhava a  era  a Paulina, quase tão velha quanto minha avó.Nunca a vi também fazendo trabalhos manuais ou triste.

Ela tinha uma paixão e dela não abria mão.
Era seu jardim!
Amava as flores, plantava, semeava,cortava, podava, falava com elas, como dizia ela “chegava terra” nos pés das plantas e dizia que as plantas sorriam para ela, herdei da Dona Tereza o amor por plantas.
Seu jardim era lindo, parecia uma pintura, tinha todas as cores, sempre florido,com  enorme variedade, plantava todas misturadas,tinha até papoulas , as plantas dentro de casa tinham um viço incrível.
Pela manhã ela pegava um regadorzinho de lata e molhava todas, com a maior delicadeza e cuidado examinava cada pé em busca de algum bichinho que pudesse prejudicar seus “amores”.
Quando chovia ela me chamava para sentir o cheiro da terra molhada, dizia que era perfume que Deus dava para gente sentir de vez em quando, lhe deu o nome de Perfume do Céu, e repetia que o homem muito “metido” jamais conseguiria fazer um cheirinho tão gostoso como aquele.Ela tinha razão.

Muito bem, Dona Tereza,faleceu,deixando uma tristeza profunda...
O velório foi na sala de sua casa, como era de costume  tempos atrás,e acho que ainda hoje em alguma cidade do interior...
Foi uma perda que abalou a todos, em especial a mim que era sua neta mais velha.
O que mais me entristecia era sentir pena de suas plantas, que  pareciam saber o que havia acontecido, e elas sabiam...

Muitas pessoas compareceram para nos dar os pêsames, uma multidão se aglomerava na porta da casa.
Deixei a sala e fui para o jardim, molhar suas “queridas” agora também abatidas como eu,até suas cores pareciam mais pálidas...
Minha tristeza se tornou ainda maior, quando notei que  algumas pessoas descuidadamente  tinham pisados nas plantas,uma linda dália amarela estava esmagada, morta, como sua dona.
Naquele momento, tive a certeza que o jardim jamais seria o mesmo,  suas plantas morreriam com ela. Chorando muito peguei a tesoura, cortei todas as flores e botões e os coloquei entre suas mãos, elas partiriam com quem as amava, até mesmo a dália esmagada.
Entendi claramente o sentido da vida e da morte. No jardim restaria ainda por algum  tempo um pouco vida,mas na casa a morte já havia chegado e levado com elas suas flores.Para outras pessoas elas não tinham importância alguma,aquele espaço seria esquecido, e com o tempo sua dona também...
Logo depois a casa foi vendida, em seu lugar construíram um viveiro de plantas, lindo, e perfumado pela grande variedade de flores, árvores frutíferas e plantas exóticas.
Acredito que a noite quando reina a calma e as luzes se apagam, Dona Tereza  se aproxima devagar mansamente como sempre fazia para acariciar as flores,  cuidar do seu jardim...



M.H.P.M.