MEU TIO SABÁ

O mais novo dos filhos dos meus avós paterno; Sebastião Marinho era seu nome...branco dos olhos gateados, cabelos pretos e ondulados...bonito, alegre e determinado era o meu tio Sabá. Era chamado assim por todos da família que o amavam e o respeitavam como um verdadeiro líder.

Cresci rodeada de seu carinho; quando criança ensinava-me a rezar e a me comportar como uma boa menina. Acreditava nas minhas histórias, e dava boas rizadas para me agradar, aceitava minhas opiniões quando eu me metia nas suas conversas, me defendia nas minhas peraltices e fingia acreditar na dor de barriga que eu inventava para não ajudar nos trabalhos domésticos... Era assim meu tio Sabá. Aconselhava-me a obedecer a Deus, aos pais e as pessoas mais velhas.

Tio Sabá não tinha muito estudo, mas incentiva todos os seus sobrinhos a estudar; dizia que todo ser humano nasce com a capacidade de ser um grande sábio, mais a sabedoria só chega naquela pessoa que a procura.

Quando alguém da família ficava doente, ele tomava a frente e procurava os recursos necessários para tratar essa pessoa... Lembro que tio Luiz, um dos seus irmãos sofria de epilepsia, e nas horas dos ataques era sempre meu tio Sabá que sabia como agir; quando ele não estava por perto todos se desesperavam. Até que um dia o tio Luís sofreu um desses ataques e faleceu... Foi muito triste para a família.

Meu avô Manoel, seu pai, já com a idade avançada, adoeceu, e tio Sabá fez de tudo pelo seu tratamento, mas foi em vão...vovô morreu, e foi um grande baque para todos, mas tio Sabá pareceu sofrer mais. Depois da morte do vovô ele se dedicou a cuidar da vovó Maria e do seu tio que também já estava com a idade avançada, irmão do vovô, tio Luís, o qual os netos do vovô Manoel o chamavam de vovô Lulu.

Lembro-me que meu pai foi picado por uma cobra e quase morreu; foi o meu tio Sabá que cuidou dele até sua recuperação. Recordo-me que os remédios que ele dava para meu pai tomar em seguida meu pai vomitava tudo, mas tio Sabá continuou existindo até ele parar de vomitar. Posteriormente soubemos que se não fosse essa ação do tio Sabá, forçando o vómito do veneno da cobra, meu pai teria morrido; pois a cobra que lhe picou era a Surucucu Pico-de-Jaca, uma das cobras mais venenosa do Brasil. Fiquei muito agradecida pelos cuidados do meu querido tio.

Amava e cuidava de sua família... Esquecia-se de sua própria vida, estava sempre procurando melhoras para todos.

Renunciou um grande e único amor de sua vida, porque minha avó Maria, sua mãe não concordava com esse amor. Sofreu muito, mas preferiu atender sua mãe.

Tio Sabá não se preocupava apenas com a família, mas também com a comunidade em que vivia, procurava ajudar as pessoas necessitadas... No interior onde morou muito tempo, fundou uma comunidade em uma pequena ilha, onde foi construída uma igreja chamada Nossa Senhora da Cívita, santa de sua devoção. E por meio dessa comunidade ele ajudava muitas pessoas.

Depois que vovô Manoel faleceu ele começou a insistir para que os irmãos deixasse o interior e mudasse para a cidade com toda sua família, a fim de construir uma vida melhor para seus filhos. Conseguiu trazer todos para Porto Velho-RO.

Em Porto Velho ele conseguiu emprego para todos, e continuou cuidando da família. Estava sempre perto gente, cada vez mais carinhoso e atencioso conosco. Conversava e brincava com os sobrinhos fazendo plano de vida próspera para cada um.

Vovó Maria ficou muito doente e morreu; mais um momento triste que abalou completamente a vida dele... nesse tempo vi meu tio muito melancólico, quase não sorria e nem conversava, ficou deprimido.

Depois da morte da vovó, ele começou a trabalhar numa firma que fazia com que ele viajasse para fora da cidade. Vovô Lulu morava com ele, durante suas viagens ele o deixava aos cuidados do Tio Pedro, seu irmão mais velho. Toda a família sentia muita falta dele. Em uma dessas viagens ele demorou muito, estávamos todos muito preocupados. Meu pai foi conversar com o dono da firma e saber notícia, mas o mesmo informou que meu tio não estava mais trabalhando na firma, havia pedido demissão e sido contratado por outra firma em Vilhena. Meu pai e meu tio Pedro tentaram encontra-lo, mas ninguém informava seu paradeiro.

Depois de seis meses sem notícia chegou uma noticio que abalou toda a família...Tio Sabá estava morto, havia se suicidado...não acreditei, ele não...não tiraria sua própria vida...chorei muito. Lembro-me a que família se juntou, e era uma tristeza como nunca tinha visto...ninguém acreditava...devia ser um engano...tinha que ser um engano...eu estava desesperada...aguardávamos o corpo dele com esperança de que não fosse ele...

A funerária chegou com a urna lacrada e informou que não podia ser aberta, ele morreu enforcado e estava quase em decomposição; tivemos que nos contentar em olhar pelo pequeno vidro da urna que só nos permitia ver seu rosto deformado e com a língua de fora... não sei se era realmente meu tio, só sei que nunca mais ele voltou...A pessoa que o encontrou morto entregou uma carta ao meu tio Pedro, segundo essa pessoa, havia sido escrita pelo tio Sabá, e estava no local onde ele foi encontrado morto...pouca coisa ficamos sabendo dessa carta, na mesma havia frase sem sentido, como por exemplo: - ai meu Deus me ajude. A carta foi entregue para a polícia para ajudar na investigação, e nunca mais tivemos acesso a mesma. Quando tio Pedro procurou novamente pela carta na delegacia, a mesma não foi mais encontrada.

Nunca foi constatado o verdadeiro motivo da sua morte, se realmente foi um suicídio, assassinato ou simplesmente desapareceram com meu tio para sempre.

A dor que ficou na família Marinho, só foi amenizada pela certeza que ele cumpriu a sua missão nessa Terra...Porém, essa família nunca mais foi a mesma sem o grande TIO SABÁ.

Em setembro de 2011, fiquei sabendo por uma tia que mora em Manaus, a qual é irmã da mulher que foi o grande amor da vida do tio Sabá; que um padre da Igreja Nossa Senhora da Cívita escreveu um livro sobre Sebastião Marinho, aproveitando alguns escritos encontrados nos livros antigos da igreja. Fiquei tão emocionada com essa informação que chorei... Minha tia Zeneide ficou de conseguir um desse livro para mim... Estou muito ansiosa para sentir um pouquinho dele nas páginas dessa obra que para a família Marinho é um grande tesouro.