Boate da Uda

Luiz Celso de Matos

A simples expressão fogo parecia colocar em risco aquela casa mal-assombrada, de tão velha que era. Exceto os cupins, todos queriam distância daquele imóvel. Nem a grama crescia ao entorno. Como se o próprio Átila tivesse andado em volta da casa buscando um local adequado para um pipizinho básico.

Os moradores mais antigos do pequeno lugarejo, denominado Pote de Ouro, próximos dessa velha casa, dizem que antigamente, ali funcionava uma boate muito freqüentada pelos mineiros da região. Boate da Uda. O mulherio era de primeira. Era de praxe, no caso de algum mineiro encontrar alguma pepita de ouro mais graúda, fechar a boate por uma semana. Bons xotes e muita cachaça, não faltavam. Numa dessas barulhentas noitadas, ali houve uma bárbara chacina, promovida por um grupo de fanáticos religiosos de uma cidade próxima. Cinco mulheres foram degoladas no salão de baile. Poucas pessoas, ainda vivas, gostam de falar sobre este trágico acontecimento.

Necessitando dos serviços de um borracheiro, num desses dias parou um ônibus de turistas em Pote de Ouro, na maioria, ingleses. Juca Borracheiro, muito ligadão, sabia que os ingleses são chegadinhos em história de vampiros e ghosts de plantão. Sem perda de tempo, chamou a guia turística e entregou de bandeja a dica da casa mal-assombrada. Reunidos num salão onde enfrentavam um breakfast da terrinha, ela colocou os viajantes ao par da novidade. A guia que faturava por dia de trabalho, não encontrou dificuldade em convencer os passageiros a alterarem por um ou dois dias a excursão e caprichou na proposta:

— A propósito, ela lembrou, hoje é sexta-feira 13. É o dia! Foi profusamente aplaudida ao som de muitos very naice! cul!, gudaidia! e veriuéls!

Tudo acertado chamaram o esperto Juca que também era dono de uma pequena pousada e acertaram as acomodações.

O ambicioso Juca tinha, nessa pequena cidade, mais uma fonte de renda, um grupo teatral. Chamou outros três atores mais corajosos e providenciaram um plano para assustar os estrangeiros.

Próximo da meia-noite o ônibus da excursão, parou a pouca distância da casa fantamasgórica. Enquanto o motorista do ônibus apagava todas as luzes do veículo, a guia pediu a todos silêncio e relatou com detalhes, a história do terrível episódio ocorrido no interior daquela casa há duas décadas.

Os atores vestidos de negro, escondidos, levaram uma gravação de uivos longínquos de lobos, e grasnidos de gaivotas que causavam terríveis arrepios. O cenário era perfeito para a ocorrência espontânea do medo. Noite super escura, 32° C, eles próprios, mesmo suados, estavam tremendo de medo. Um deles que já tinha tomado uns substanciosos goles de cachaça para ganhar coragem, entrou furtivamente na casa. Foi direto ao salão onde ocorreu a chacina. Ao dar os primeiros passos o velho assoalho rangeu. Parou. Sentiu um forte calafrio no costado, mas mesmo encabritado, continuou andar no escuro. Repentinamente, pisou no rabo de um gato que ali dormia serenamente. Pego de surpresa, o bichano não teve dúvidas, deu um estridente miado e pulou eriçado até ao teto. Nosso ator, coitado, só sentiu uma massa quente deslizar pela sua coxa posterior e mesmo cagado, saiu berrando, com porta e tudo para fora da casa. Os outros atores, apavorados, com a gritaria da casa e sem saber o que estava acontecendo, não pararam para perguntar. Bateram em célere retirada também. No ônibus, o pavor não era menor, os ingleses estavam boquiabertos com a desesperada corrida da guia, do motorista e daqueles homens vestidos de negro no meio da estrada. Tiveram que aguardar o sol nascer para rever a guia e o motorista. Na pousada o assunto não era outro. Umas velhotas, já com umas doses de uísque no caco, fabulavam. Suas criativas histórias eram muito convincentes.

Para esses viajantes, a noite passada já estava valendo o dinheiro investido na viagem. Após algumas chávenas de chá e generosas doses de uísque, e muitos excitados com os acontecimentos da noite passada, resolveram por unanimidade, ficar mais um dia para então, retornarem à casa mal-assombrada para uma minuciosa exploração.

Ao tomar conhecimento dessa decisão, Juca, mais que depressa, alugou uns lampiões a gás e contratou um conjunto de forró.

— Se hoje não houver fantasma de plantão na Boate da Uda, bate-coxa vai ter, com certeza! Exclamou sorrindo.

E sem delongas já foi anunciando, aos seus chegados, sobre o arrasta-pé logo mais à noite na antiga boate.

23.5.2012

Luiz Celso de Matos
Enviado por Luiz Celso de Matos em 14/07/2012
Código do texto: T3777802