Fábula

O ulular da coruja rebotava na janela entreaberta, sistemático e cadencioso, misturando-se com o bater desenfreado dos dous corações que se debatiam na crua batalha de carícias. De pernas entrelaçadas, a escuridão magra avultava uma confusão de costas arqueadas, seios turgentes, mãos sofregantes, bicos, becos, bocas que elevavam um barulhinho ansioso e crescente, até a combustão explodir e molhar o quarto com uma ténue luz de estrelas.

Adormeceram ao raiar da alvorada. Os corpos exaustos descansavam no leito selvagem, abandonados, banhados pela dourada manhã que se estendia sobre aquela parte da vida. Fora, as incertezas mexidas por uma brisa leve agrupavam-se e combinavam-se para reproduzir, mais uma vez, o complexo teatro do mundo.

Ainda estavam juntos quando a tarde os acordou com perfume de amêndoas. Todas as cousas no mesmo caminho, todos os caminhos no interior extenso, todos os interiores no horizonte à vista. Abraçaram-se como dous fantasmas. E, novamente, o azul violeta desenvolveu o desejo ululante no lençol da noite.