Bicicletaria do Gustavão

- Catarina, pode vim a minha sala agora?- disse Gustavão.

- sempre posso, chefe.

A sala de Gustavão tinha um certo charme retro, ele era fã do Elvis e tinha dezenas de quadros e bonecos espalhados por sua sala minúscula inclusive a sua caneca tinha um retrato dele tocando violão e embaixo lia-se:

“O único rei que já passou pelo mundo”

O próprio gustavão cultivava seu topete, modesto, mas ele tinha planos audaciosos para o mesmo. Gustavão homem simpático sempre cantando as músicas de “rei” como ele mesmo chamava o Elvis. Nunca faltara com o respeito a um funcionário e alguns já fizeram por merecer. Não tinha mais que 1 metro e 70, e pesava seus 60 kilos. Cabelos castanhos claros, mas sempre que lhe sobrava algum dinheiro ele os tingia de negro, para ficar parecido com o rei, e atualmente ele necessitava de uma tintura. Seus olhos castanhos estavam avermelhados, pois ele descobriu que era sensível a claridade, e se recusava a cumprir o receituário oftalmológico, dizendo:

- o rei não usava esse negocio de óculos escuros com refração, logo não vou usar.

Catarina não era uma mulher comum para a atual sociedade onde a grande maioria era composta de mestiços orientais e seus derivados, Catarina era loira de olhos verdes escuros, 1 metro e 70, pesava uns 65 kiols, tinha o nariz um pouco torto para a direita, conseqüência de quebrá-lo e não havia médicos tão bons como no passado. Sua pele era sardenta, especialmente em baixo dos olhos, tinha 27 anos.

- Catarina, tenho uma missão para você, mas não poderá realizá-la sozinha.

- hora, chefe sabe que eu prefiro trabalhar sozinha.

- sim, eu sei baby, mas esse caso é grande, e vale muito para nós.

- muito quanto?

- muito Catarina, garanto que ganhará o que ganha em 2 anos de trabalho.

- o que o mutante fez para ter a sua cabeça em prêmio?

- ele...

Nesse momento ouve se duas batidas na porta, em seguida entra um homem, com cerca de 1 metro e 70 não pesava mais que 60 kilos, pardo, de olhos amendoados castanhos escuros, cabelos frisados negros, tinha cerca de 25 anos, seu rosto era ossudo, e seus dentes eram incrivelmente brancos. Ele falou:

- mandou me chamar?

Catarina já tinha visto Paulo, mas nunca repara em seus dentes, que deram a impressão de serem falsos devido à brancura.

- sim, Paulo essa é Catarina, vocês dois irão trabalhar juntos nesse caso que deve ser o mais importante que já pegamos.

Paulo cumprimentou Catarina com um sutil gesto de abaixar a cabeça, Catarina respondeu. É claro que Paulo já havia visto Catarina, era impossível não vê-la e muito menos não lembrar dela, ela era uma daquelas pessoas que se vê uma vez na vida e nunca mais esquece o perfil físico, ela era tão branca que para Paulo dava um aspecto de doença, tão pálida e sem cor.

- agora que já foram apresentados, irei passar o caso, que eu o chamo de caso Aaron devido ao rei é claro. – Gustavão foi até o seu velho toca CDs, apertou o botão Play e dos dois pequenos, mas potentes autofalentes emitiram uma música que parecia saída de um bar cujos únicos freqüentadores eram pessoas sem futuro que se agarravam em seu passado, se prendiam nele com a esperança de voltar, sempre apoiados por uma dose de uísque ou conhaque envelhecido. Gustavão então começou a cantar junto incrivelmente afinado e de olhos fechados:

- “Love me tender...love me tender... Never let me go...you have made my life complete...and I love you so....love me tender...”

Catarina olhou para Paulo, com um olhar de “dá para acreditar de novo”.Paulo retribuiu o olhar e em seguida falou:

- muito bem chefe o senhor canta muito bem, igual ao rei.

Gustavão abriu os olhos e um largo sorriso, em seguida ele falou:

- é eu ainda pretendo comprar os outros CDs dele, ou discos ou qualquer coisa que tenha as outras músicas dele, afinal não posso ser um fã apenas com um CD e uma fita dele, mas eu já estou namorando uma moça que tem um velho disco de venil, e acho que ela irá me vender, logo, logo.

- o senhor irá conseguir chefe, com o dinheiro do caso que o senhor estava nos passando.

- caso? Mas que caso? Há sim o caso. Bem é o seguinte: camaleão, é como o governo o chama, esse mutante criado pelo governo, com o código de barras 800568-98 entrou na cede do governo e roubou papeladas importantes para os chefões lá de cima, coisa grande, e o governo esta disposto a tudo para pegá-lo e a papelada se for possível, mas nós devemos nos concentrar no camaleão afinal o prêmio é por ele, e não pelo que ele roubou.

Catarina falou:

- mas o que esse mutante faz de especial?

- há sim, eu já ia me esquecendo, ele é capaz de assumir...Não, não se disfarçar muito bem... É, é isso mesmo.

- só isso?

Perguntou Catarina, esperando forças incríveis e algum tipo extra de super poder.

- é sim parece que só isso. Agora vão o último endereço que ele foi visto era na rua Himli, número 628.

Catarina e Paulo saíram andando entre as várias bicicletas usadas, que estavam á venda e outras que dois jovens concertavam. Gustavão era dono da bicicletaria, dava um bom dinheiro, mais ainda nos tempos atuais onde os derivados de petróleo como a gasolina, era um luxo reservado somente para pessoas de muita posse, e com uma gorda conta bancária, logo o maior meio de transporte eram as pernas e depois as bicicletas, mas o que dava realmente dinheiro á gustavão eram os negócios a parte, os negócios que realizavam-se nos fundos da bicicletaria.

Gustavão começou o negócio de caçar mutantes perigosos para o governo, lendo um anuncio no jornal onde se dava uma recompensa de 10 mil dólares para quem capturasse e entregasse o mutante para o governo, gustavão precisava de dinheiro para abrir o seu negócio no caso a atual Bicicletaria do rei (não podia ter outro nome), ele o capturou e dezenas de mutantes depois mas, em um dia fatídico, ele Gustavão, acabou sendo ferido na cabeça por um golpe de cano, não dado por um dos muitos mutantes que ele capturou, mas sim por um humano ladrãom, em seu escritório dentro da sua bicicletaria, e junto com o seu equilíbrio ele perdera todo o dinheiro de duas semanas de trabalho. Deste lá com crises de labirintite, não era mais capaz de caçar, e como o mundo dá voltas e voltas, foi também em um anuncio de jornal que ele contratou Catarina e Paulo, e os 11 “agentes” depois.

O negócio ia bem, o das bicicletas nem tanto, mas o de caçar ia muito bem, sempre garantia a sua tintura do mês, ou pelo menos quase sempre.

Quanto Catarina e Paulo já estavam na rua superlotada de gente, ouviram a voz de gustavão atrás deles:

- é isso aí vamos fazer um favor à sociedade e ajudar a limpar o lixo.

Catarina e Paulo olharam para trás e viram gustavão em meio a suas bibicletas, ele sempre falava isso antes de toda missão, era o seu jeito de desejar boa sorte, pelo menos era o que Paulo achava.

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Catarina andava pela rua que era um verdadeiro caos, onde punhados de pessoas de esbarravam e dezenas de bicicletas forçavam a sua passagem entre elas, e havia era claro, jipes negros com o emblema do governo pintado nas portas, um leão devorando um antílope, eram os únicos carros a passarem por meio do caos com exceção dos magnatas e suas limusines de luxo, todos buzinavam sem parar. Catarina olhou para Paulo e disse:

- acho que podemos ir a pé até lá, não é longe só umas 15 quadras.

“15 quadras!” -Pensou Paulo - isso era muito para ele, ele tinha o preparo para percorrer isso e o três vezes mais, porém aquele dia não era um bom dia para andar tanto assim. Paulo respondeu.

- tudo bem, vamos pegar o filho da mãe.

- é isso ai, esse é o espírito, soube que trabalhou um ano na polícia do governo.

- é...Eu era um antílope.

- é bom saber que apesar de você ser mais novo do que eu nesse negócio, já tem experiência.

-é...- disse Paulo ofegante.

Chegaram a um prédio onde na fachada lia-se em letras grandes negras e apagadas:

MECÂNIA DO TULL.

Paulo foi á frente e tentou abrir a porta de lata, obteve sucesso.

Sacou sua arma, se parecia com uma 45, mas não era. Catarina vez o mesmo e entrou depois dele. Estava escuro, aparentemente abandonado, com várias carcaças de carros, já sendo devorados pela ferrugem, na sua maioria jipes. Andaram por entre eles, até chegarem a dois lances de escadas, foi nessa hora que Paulo pensou: “só o que faltava”. Catarina começou a subir na frente, e Paulo logo atrás, a escadaria era larga, com a argamassa dos degraus já corroída, não parecia ser pela ação do tempo, mas pela ação de alguém maníaco por limpeza.

Catarina chegara no segundo lance de escadas Paulo parara para respirar no meio do primeiro lance, ele pensava: “malditas escadas, por que não poderia ser nos esgotos” deve os seus pensamentos interrompidos por alguma coisa caindo sobre ele, algo não muito pesado, mas bem úmido, o levou ao chão, e Paulo logo sentiu sua traquéia contraísse, e o oxigênio já não chegava mais aos seus pulmões. Ele viu o que parecia ser um humano, entretanto, tinha os olhos brancos 4 vezes maior, e era extremamente magro com longas pernas e braços frios e úmidos, seus cabelos eram negros espetados, sua pele era pálida. Paulo queria pegar a sua arma que na confusão deixara cair, mas já não tinha forças para fazer o mesmo, ela se foi com a falta de oxigênio. Queria gritar, mas sabia que não conseguia. O mutante sussurrou:

- não irei lhe machucar, preciso de ajuda.

Quanto o mutante acabara de falar ele foi jogado para trás. Paulo então tentava pegar algo em seu bolso.

Catarina ouviu um barulho de algo caindo e olhou para trás viu o mutante esguio em cima de seu parceiro que se debatia e sem pensar disparou sua arma, da qual saiu uma pequena bola vermelha que ao atingir o mutante bem no peito disparou uma forte corrente elétrica o jogando para longe, sem machucar Paulo.

Catarina correu até Paulo que estava roxo, e tentava pegar algo em seu bolso, Catarina deu uma rápida olhada para o mutante e falou:

- o que aquele desgraçado vez com você?

Paulo agarrou fracamente a mão de Catarina e olhou para o bolso, Catarina enfiou a mão no bolso de Paulo e retirou uma bombinha Paulo a pegou e a colocou em sua boca bombeando três vezes, a sua pele já recuperava a cor normal, então ele falou fracamente:

- não foi o mutante.

Mas foi trate demais Catarina já havia disparado novamente no mutante que estava tento convulsões e então Catarina voltou o semblante para Paulo e perguntou:

- como?

Paulo ainda ofegante voltou a falar, mas desta vez um pouco mais alto:

- ele não vez nada.

- como que não? Ele pulou em cima de você e tentou o enfocar!

- não...Eu tenho asma, e foi isso que estava me asfixiando.

Catarina olhou com descrença para Paulo e em seguida para o mutante, que agora babava no chão semiconsciente. Catarina abaixou se e olhando nos olhos de Paulo disse com convicção:

- não acredito em você! Está mentindo.

- por que mentiria sobre algo assim?

- não sei, mas sei que se tivesse asma não estaria nesse emprego.

- ao contrário estou nele pelo fato de ser asmático, ou por que acha que eu sairia da policia, mais ainda do respeitado grupo do antílope?

Catarina o olhou, com intensidade, mas não disse nada então Paulo envergonhado continuou:

- eu não saí, eles me demitiram. Afinal como alguém como eu pode caçar criminosos com super poderes?

- eu não sei-disse Catarina-mas não é isso que está fazendo já há um ano.

-sim é, mas sempre tive muita dificuldade.

- mas conseguiu até agora, ou não?

- sim, mas sempre com a ajuda de Tomás que agora não...

-hora deixe de bobagens, sim.

Catarina levantou e estendeu a mão para ajudá-lo a levantar, depois de Paulo estar de pé Catarina disse:

- todos temos dificuldades, só acho que deveria ter me contado antes.

Paulo deu um risinho e falou:

- achei que poderia esconder, pelo menos por um tempo, afinal se gustavão descobrir, temo pela minha carreira, eu só sei caçar, mais nada.

- não se preocupe, se ele ficar sabendo, não será pela minha boca.

Paulo a olhou com gratidão, Catarina perguntou:

- está bem agora?

- é claro, vamos pegar esse lixo.

Ambos andaram até o mutante, mas era tarde demais, o segundo tiro de Catarina foi demais para o sistema dele.

- está morto. –disse Paulo.

Catarina olhou incrédula para Paulo e atônita disse:

- não pode ser! Eu apenas dei dois tiros nele. Eles suportam até 4.

- é, mas não esse aqui.

Catarina ficou ali parada olhando para o corpo com os olhos brancos semi cerrados agora, era um mutante, um lixo, isso ela sabia, não fazia nada além de causar o mal, mas era vida, e Catarina nunca havia matado alguém antes. Catarina começou a sentir-se um monstro, afinal o que poderia ser pior que um mutante que não mais responde ao governo, só um humano de verdade que agiria como um mutante, Catarina sentiu-se imunda com uma onda de sujeira subindo pelas suas mãos espalhando-se por todo o seu corpo, lágrimas em seus olhos começaram a brotar, entretanto antes que elas se tornassem densas o suficiente para traçar o seu caminho pela sua face rosada, Paulo falou:

- vamos Catarina temos ainda mais um lance de escadas para subir, e esse aí não vai falar mais nada.

Catarina enxugou os olhos, tudo o que não desejava era demonstrar algum tipo de fraqueza principalmente para um companheiro de trabalho, “afinal era só um mutante, muitos me dariam uma medalha por eliminar mais um lixo” pensava ela enquanto subia as escadas, mas de nada adiantava continuava a sentir se um ser miserável e desprezível.

Chegaram ao topo e nada encontraram, Catarina olhava a cidade abaixo, de cima ainda parecia ser mais caótica, mas o seu pensamento não era desviado do mutante, e do fato dela agora ser uma assassina. Paulo parou ao seu lado e olhou rapidamente para Catarina e depois para o chão, ele pensou:

“Agora ela deve estar pensando que sou um fraco e que não irei dar conta do recado, não a culpo, mas... droga de asma... tinha que ganhar uma crise logo no primeiro dia... estou perdido”.

Naquele dia ambos retornaram para as suas casas com as mentes imersas em culpas: culpa por ser doente, culpa por ser assassina, e dúvidas muitas dúvidas, nem um dos dois dormiram um bom sono, tiveram uma noite igual mas por razões diferentes.

De volta ao escritório.

Catarina chegou na bicicletaria e no exato momento que viu Paulo parado conversando com um rapaz que consertava um pneu furado, viu a luz no fim de seus tormentos, ela não matara o mutante. Não! “Foi Paulo!” pensou ela, claro que fora ele, ela estava tão imersa em culpa e perdia tanto tempo achando-se uma assassina nojenta que não parou para pensar no ocorrido, mas agora estava claro como o dia, ela só dera o segundo tiro no mutante por que achou que ele fizera algo á Paulo, mas ele não tinha feito nada! Foi o estúpido do Paulo que estava tento uma crise de asma.

Catarina sentiu uma raiva enorme vim de algum lugar, como se ela estivesse pairando no ar e do nada resolvesse entrar no seu corpo, muita raiva de Paulo por que ele não havia contado sobre a doença? Se tivesse contado o mutante estaria preso e não morto. Catarina tinha vontade de ir até Gustavão e contar sobre a asma de Paulo, mas ela não faria isso, pois sabia que era golpe baixo, e que provavelmente gustavão não tomaria nenhuma atitude. Mas cataria sabia que não poderia confiar em Paulo. Ela estava por conta própria, carregando um peso morto.

Catarina olhou para Paulo e Paulo a cumprimentou.

- bom dia Catarina.

- bom dia –respondeu Catarina e em seguida pensou - “peso morto”.

Gustavão saiu da sua sala e olhando para o rapaz falou:

- quantos furos tem esse pneu afinal?

Poderia soar como grosseria, entretanto vindo de Gustavão parecia mais uma piada, o rapaz respondeu:

- um senhor, é que a cola não quer colar senhor...

gustavão o interrompe:

- relaxe rapaz, -olhando para Catarina e Paulo ele continuou-ah bom dia para vocês dois é realmente uma pena que o endereço que eu dei a vocês não levou a nada, mas desta vez vai ser diferente, pois a fonte que me passou esse endereço é muito mais confiável.

Gustavão estendeu um pedaço de papel e antes que Paulo pudesse pegá-lo Catarina adiantou-se, e leu em voz alta:

-aberto de Hell , antiga fábrica olho d´água.

- que diabo de endereço é esse?-perguntou Paulo.

- hora é o endereço da provável moradia do camaleão e desta vez sem erros...Pelo menos eu espero.

-não faço idéia onde isso fica. –disse Paulo.

- eu sei.- falou Catarina-é muito longe, não podemos ir de bicicletas, fica fora da cidade.

- fora da cidade!- disse Paulo-nunca sai da cidade!

- bem parece que essa é a sua chance.- disse Gustavão, ele olhou para Catarina e continuou-bem acho que posso arrumar algo com um motor para vocês.

O resto do dia Catarina e Paulo passaram em suas casas assistindo os noticiários, e dormindo, afinal nesse trabalho era comum que ambos tivessem longas horas de tédio seguidas por mais horas de tédio e depois alguns instantes de pura adrenalina cuja decisão era de vida ou morte.

Enfim o telefone de Paulo tocou:

- Paulo Bonjim.

- Paulo, chama Catarina e venha para a bicicletaria.

Antes que Paulo pudesse dizer algo a pessoa do outro lado da linha, que Paulo acreditava ser gustavão, desligara. Ele ligou para Catarina, mas a ligação não era completada, então Paulo seguiu só para a bicicletaria.

Chegando lá havia um jipe estacionado em cima da calçada, era verde militar, e gustavão estava parado ao lado assim que viu Paulo aproximar-se perguntou:

- e Catarina?

- não consegui falar com ela.

-gostou?- gustavão gesticulou para o jipe-espero que sim, pois eu tive que suar muito para conseguir essa belezinha, quase foi mais difícil que conseguir o meu disco do rei.

- é...Muito...Bom, afinal anda mais rápido que as pernas.

- sabe guiar?

- ah? – disse Paulo o olhando sem entender.

- sabe pilotar?

- sei sim, aprendi nos antílopes.

-ótimo, então o pegue e vá até a rua Ingus casa 257, pegue Catarina e vão atrás do desgraçado.

Paulo subiu no jipe e o ligou, fazia tempo que ele não dirigia, com alguma dificuldade colocou o ré, e quando o veículo já se movia gustavão gritou atrás:

- tome cuidado, eu preciso devolver o jipe inteiro. E se algo acontecer com ele tiro de seu salário.

Paulo não respondeu, apenas pensou que o jipe não era problema isso ele sabia, já viu pilhas deles no departamento de polícia todos parados, e nem de graça alguém os queria, o problema era o combustível, isso sim tinha valor, afinal não havia nada que substituísse o petróleo, absolutamente nada para entrar no lugar da gasolina ou do diesel e fazer os motores terem vida novamente, afinal sem ela eram apenas entulhos inúteis.

Chegou em uma casa simples, como todas daquela rua foi até o numero e 257 e bateu na porta, bateu 4 vezes, até Catarina atender a porta, ela estava despenteada usava somente uma camiseta que era no mínimo 2 números maiores, suas pupilas estavam dilatadas e os olhos avermelhados, ela parecia letárgica. Paulo assustou-se ao vê-la assim, ele excitou ao falar, por tempo suficiente para ela perceber, Catarina disse rispidamente:

- o que faz em minha casa? Quem lhe deu o endereço?

- eu liguei várias vezes, mas ninguém atendia, então gustavão me mandou aqui, ele tem o endereço do mutante e diz ele que desta vez é pra valer.

- e você não teve nem um ataque de asma para chegar até aqui?- Catarina deu um risinho cínico.

- não.-respondeu bruscamente Paulo-vim de carro, gustavão conseguiu e quer que a gente vá agora para o aberto de hell.

Catarina entrou e Paulo, espantou-se ao ver que a casa não passava de um único vão sem divisórias, a sala, a cozinha e o quarto eram praticamente juntos, um cheiro meio doce, seguido por amargo, empestiava o ar. Paulo disse:

- o que você estava fazendo?

-não é da sua conta, asmático!- em seguida Catarina joga-se no sofá.

- uauu! –exclamou Paulo, sentando em uma poltrona ao lado de Catarina-por que tanta hostilidade eu não fiz nada.

Catarina levanta e anda até sua cama onde pega uma calça surrada de moletom e a veste:

- eu não deixei você entrar.

- me desculpe, é que temos pressa, o chefe tem prazo para devolver o jipe.

Ambos saíram, mas Catarina praticamente arrancou a chave das mãos de Paulo e tomou o volante. Paulo tinha certeza que Catarina estava drogada e ele não estava errado, mas o que ele tinha errado era o por que da agressividade a qual ele também culpara os entorpecentes, enquanto o culpado era a raiva que Catarina estava cultivando, raiva de Paulo não ter falado que era asmático e ter feito ela assassinar um mutante, que não fizera nada a ele.

Andavam por uma estrada empoeirada, onde ambos os lados tinha plantações de milho, ralo, baixo e quase sem espigas, apesar de já estar passando do ponto de colher.Parecia que ninguém morava ali, parecia uma terra deserta. Logo o milho deu lugar à terra nua, terra negra, onde nem a relva atrevia-se a crescer, a poeira agora irritava ainda mais as narinas e os olhos lacrimejavam, a estrada agora sumira, só o que viam era uma enorme construção cercada pela terra morta, com duas enormes chaminés, mas como a terra ela também parecia estar morta, Paulo excitado e receado com o que via perguntou:

- aquilo é a fábrica olho d´água?

- sim. Está á muito abandonada, e ninguém morra lá, por causa dos resíduos tóxicos, é um lugar ruim, ninguém em sua sã consciência iria até lá.

A fábrica.

Chegaram á fabrica e logo depois do grande portão de ferro corroído pela ferrugem, havia um caminhão um Ford antigo do ano de 1945, vermelho desgastado, e dentro dele viram um vulto mexendo-se.

Catarina foi à porta do motorista e Paulo a do carroneiro, Catarina a abriu, mas não havia nada, ela decepcionada comentou:

- realmente pensei ter visto algo.

Paulo não disse nada, somente indagava-se sobre a lucidez de Catarina a princípio ela mostrou-se uma moça legal, mas agora a cada minuto parecia ser uma pessoa rancorosa tensa a qual a realidade dos fatos ao redor lhe fugia da razão.

- vamos entrar.-ordenou Catarina.

Andaram por o que outrora fora uma estrada pavimentava por asfalto agora não passava de terra salpicada por pinche velho, negro, coberta por poeira negra e irritante. chegaram a duas portas enormes entreabertas, por causa das dobradiças rompidas.

Catarina como sempre foi primeira seguida por Paulo, uma luz opaca adentrava por duas clarabóias no teto, era possível ver as partículas de pó dançarem na luz. Catarina as vendo voltou-se com rancor para Paulo e disse:

- vê se não vai ter outro chilique.

Paulo não respondeu nada, mas aquilo o incomodara muito, afinal ele não tinha chiliques, e nem nunca tivera. E ela sabia disso.

Passaram o que parecia ser o hall de entrada e seguiriam agora por um corredor estreito repleto de máquinas em ambos os lados, a pouca luz que havia entrava por pequenas janelas nas paredes. Paulo viu algo mexendo logo abaixo da linha das janelas, ele falou:

- tem algo aqui.

Catarina logo ficou mais alerta do que estava. Começaram a prestar atenção a tudo. Entretanto não foi o suficiente, no momento em que Paulo abaixou sua arma por alguns instantes, algo saiu da parede ao seu lado e pulou sobre ele, na verdade Paulo e Catarina acharam a principio que fosse um pedaço da própria parede que ruíra.

Algo estava apertando a garganta de Paulo e não era a sua asma, mas sim dedos, Catarina mirou a arma, mas era impossível distinguir o que era seu parceiro e o que era o mutante, já que ele adquirira a forma de Paulo. Ambos debatiam-se rolando pelo chão, Catarina excitou. Afinal se erraria o mutante e acertaria Paulo poderia matá-lo a exemplo do mutante, daí sim ela seria uma assassina e seria caçada e condenada a trabalhos pesados se escaparia da sentença de morte como era freqüentemente aplicada em casos de assassinatos. Paulo gritava:

- atire! Atire! Anda Catarina!

Catarina mirou no que parecia ser o mutante e disparou, mas nada aconteceu, nada, era como se ela tivesse errado o tiro o que não aconteceu. Agora Paulo só gritava as palavras eram incompreensíveis. Apesar do quadro horrível desenrolando-se á sua frente Catarina estava convicta de não disparar de novo. Então ela procurou alguma coisa no chão e achou um pedaço de ferro, uma coluna em “u” ela a pegou e com quase toda a sua força golpeou na cabeça de um dos indivíduos esperando que fosse o mutante, mas não era e o sangue vermelho logo encharcou os cabelos de Paulo, imóvel no chão. Então o mutante veio para cima de Catarina que jogou a coluna nele, a qual não vez nada, ela então sacou a arma e disparou mais uma vez no mesmo local que o outro tiro o acertara, mas não surtiu efeito algum, então ela disparou novamente e o mutante caiu para trás inconsciente. Catarina o algemou e em seguida correu até Paulo que sangrava bastante, ela viu uma enorme fenda em seu couro cabeludo por onde fluía o sangue. Catarina ficou ali na fábrica fazendo pressão sobre o ferimento de Paulo até ter a hemorragia contida o que levou uns 15 minutos, e ela sabia que era um risco permanecer ali, já que a maioria dos mutantes andava em bandos.

Em seguida ela literalmente arrastou Paulo até o jipe e depois com mais dificuldade o mutante que parecia uma cópia mal feita dela, na verdade lembrava muito um travesti. Com ambos inconscientes Catarina dirigiu o mais rápido que aquela estrada empoeirada permitisse.

Estava preocupada com Paulo que não recobrou a consciência. Se ele morresse ela não conseguiria viver com a culpa de ter dado fim a uma vida. Chegou até a bicicletaria, quase atropelou duas mulheres que se recusaram a sair do caminho, parando o jipe ela gritou:

- gustavão! Gustavão!

Esse saiu correndo de dentro da bicicletaria seguido por todos os seus funcionários e dezenas de curiosos que se acumularam ao redor.

- ah baby! O que houve?

-peguei o mutante, mas Paulo está ferido, não quis levá-lo para o hospital, achei mais seguro trazê-lo aqui.

- sim vez o certo, vamos ajudem-me a tirá-lo daqui, vamos lavá-lo até a minha sala.

Levaram Paulo até a sala de gustavão e o colocaram sobre a mesa, gustavão o olhou e disse:

- ele vai ficar bem só precisa de uns pontos e de algum antibiótico.

Catarina olhou para o mutante que estava caído no chão, ao lado da mesa inconsciente, ao lado do disco do Elvis um disco de venil, deveria ser um disco novo já que Catarina nunca o tinha visto antes.

Gustavão começou a dar pontos no couro cabeludo de Paulo com linha vermelha e agulha desgastada. Ele falou:

- Catarina, vez bem em não levá-lo ao hospital, lá com certeza ele sucumbiria a alguma doença nova, gerada lá dentro mesmo, afinal eu li que...

Nessa hora uma coisa negra atingiu gustavão no pescoço espirando sangue sobre Paulo e sobre os bonecos do Elvis, gustavão caiu para trás com ambas mãos em sua garganta, Catarina olhou para o lugar onde estava o mutante e só o que viu eram as algemas fechadas no chão. Ela abaixou-se e foi ver como gustavão estava. Ele tinha o disco de venil encravado em seu pescoço, estava afogando-se, Catarina o olhou e sabia que era o seu fim, com lágrimas nos olhos, ela disse:

- chefe, sinto tanto eu deveria...

Com dificuldade gustavão disse:

- posso ouvi-lo, o rei, posso vê-lo, com seu violão...

gustavão fechou os olhos e Catarina sentiu-se culpada. Afinal eles estavam tão preocupados com Paulo que se esqueceram do maldito mutante. Catarina correu até a janela mas, sabia que era tarde demais mutantes eram rápidos e esse tinha o poder de ser quase invisível.

Paulo recobrou a consciência com a linha e a agulha presas em sua cabeça, afinal gustavão não tinha terminado os pontos, ele viu gustavão ensangüentado no chão e Catarina parada na janela, logo não mais ganhava ar e estava afogando-se Catarina foi até ele e desta vez pegou a sua bombinha e lhe deu, Paulo então perguntou :

- o que foi que...

- o mutante ele matou gustavão e fugiu.

Catarina foi para sua casa e depois de usar o seu usual remédio contra dias como aquele, bem não exatamente como aquele, afinal ela nunca havia tido dias tão ruins assim. Ligou a televisão e lá estava a notícia:

- dono de bicicletaria é mais uma vítima dos mutantes assassinos, sem motivo aparente um mutante invadiu seu estabelecimento e a sangue frio com requintes de crueldade o...

Catarina desligou a tv e prendeu-se em seus pensamentos enevoados.

“Sobre a morte ... o mutante que eu assassinei não saiu nada, nem uma única nota de rodapé e tampouco investigações policiais, mas já de gustavão... afinal foi tudo minha culpa se eu tivesse atirado nele o matado gutavão ainda estaria vivo, sou uma covarde, covarde assassina ”. Catarina dormiu, um sono estranhamente calmo, e no dia seguinte começou a procurar outro emprego, já que o negócio acabara junto com gustavão.

Paulo chegou em seu apartamento e com a cabeça latejando, ligou para Kim, seu amigo da antílope:

- e aí Kim? Como vão as coisas, soube do meu chefe o gustavão.

- é eu pensei que talvez topasse uma sociedade.

- uma tipo....Caçadores de mutantes assassinos....

- é sim pegaríamos os filhos da mãe.

Catarina recebeu uma ligação de Paulo sobre um novo emprego em um tipo de empresa caçadora de mutantes, ela respondera:

- um novo emprego da velha rotina. Não obrigada.

“Não obrigada” e assim Catarina saiu para arrumar emprego, algumas semanas depois estava trabalhando em uma panificadora, e as mesmas mãos que caçavam agora serviam mesas, e coziam doces. Porém a culpa da morte de gustavão e do mutante nunca a deixara, ela passou a ouvir Elvis e não mais falava mal dos mutantes exceto de um: o maldito camaleão, que até o momento estava desaparecido.

valmi
Enviado por valmi em 18/02/2007
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