Mãe,vou embora!

Eu devia ter mais ou menos uns cinco anos,quando  minha mãe brigou comigo  por que eu tinha fugido para brincar no quintal com meus amigos, tinha jogado bola com eles  e  rasgado os babados e rendas do avental de organdi que usava sobre o vestido de “passeio”,( eu odiava aquelas rendinhas)ela dizia que eu sabia que tinha que usar a “roupa de brincar”,me “ofendeu” demais.
Revoltada, chorando e com raiva, para desafiá-la disse que iria embora de casa!Sabia que ela teria uma crise de choro se eu partisse..
Fiquei surpresa. Por aquela eu não esperava, ela tranquilamente ficou me observando,não soltou uma lágrima,que decepção!
Fui decidida para o quarto, peguei minha pequena mala e  coloquei sobre a cama. Abri as gavetas e o armário,juntei meia dúzia de roupas, um montão de fitas coloridas de prender o cabelo,uma pulseirinha que gostava, chinelos e um par de sandálias.Joguei tudo dentro da mala.
Estava furiosa, bufafa vermelha de raiva, ela percebeu mas não disse uma palavra!
No banheiro peguei a escova de dentes, pente, sabonete e o talco.Me lembro bem que peguei a toalha com meu nome e o tapetinho. Quando voltei ao quarto minha mãe tinha colocado tudo sobre a cama e dobrava cuidadosamente  minha roupa e colocava dentro da mala.
Fiquei mais possessa ainda, ela nem se importava com a minha partida.Naquele momento a odiei. Ela  me mandou tomar banho antes de partir por que era feio sair com o rosto e os pés cheios de barro, e a roupa rasgada,devia ainda lavar o rosto bem lavado para que não percebessem na rua que eu tinha chorado.
Saí do quarto enfurecida, resmungando baixinho que aquela era a última vez que ela mandava em mim!Tomei banho, quase arrancando a pele,escolhi um vestido bem bonito,botas de camurça que só usava em ocasiões especiais,me penteei com cuidado e amarrei uma fita azul no cabelo e vesti o casaco.Estava pronta para partir!
 Minha “adversária”me deu um gorro dizendo que era para me agasalhar pois  estava frio, me entregou um saquinho de pano estampado com florzinhas que era minha “bolsa” preferida. Foi até ao quarto pegou umas moedas e me entregou, dizendo que era para eu comer alguma coisa quando tivesse fome, e que  eu saísse logo antes que meu pai chegasse, por que ele ficaria muito triste com a minha partida.
Saí pisando com força de propósito no assoalho de madeira para fazer barulho ,coisa que era proibido em casa, peguei a mala, e saí para o jardim.Minha mãe só me disse adeus, nem me deu um beijo de despedida, bateu a porta e eu me vi do lado de fora da casa.
Pensei, e agora, para onde vou?Eu tremia de frio...
Na escada da porta principal  me sentei  e fiquei decidindo meu “ destino” .Tinha que ir logo antes que meu pai chegasse.
Lembrei de minha madrinha Ester que morava perto de casa, sem pensar duas vezes,saí arrastando a mala e  bati na porta dela.
Quando me viu,apenas sorriu e disse para entrar,não  perguntou nada.Minha mãe devia ter lhe telefonado contando o “drama”. Ela sempre estava só,como  gostava muito de mim também gostaria da minha companhia,meu padrinho sempre viajava e  como eles não tinham filhos, com certeza  me receberia de braços abertos.
Como estava na hora do jantar, me serviu uma deliciosa refeição, ficamos conversando um pouquinho.
Logo ela arrumou minha cama com capricho,me deu um beijo de boa noite,apagou a luz e saiu do quarto fechando a porta.
Me vi sozinha...
Chorei com saudades de meus pais até adormecer, tive um sono agitado, acordei assustada umas mil vezes durante a noite...
Mal tinha amanhecido o dia e eu já estava na cozinha, toda arrumada com minha mala ao lado da cadeira, sem saber o que fazer...
Minha madrinha me serviu café, conversando sobre vários assuntos, não disse uma palavra sobre a minha mala e eu menos ainda, estava na duvida se ela a tinha visto ou não.
Logo após o café,me avisou que se eu tivesse que ir embora que fosse logo pois ela tinha um compromisso que não poderia faltar,  se fosse partir ela não me acompanharia pois se eu tinha vindo sozinha até sua casa também poderia voltar sozinha para a minha, se quisesse ficar tudo bem, era bem vinda,mas teria que lhe “dar uma mão”, por hora teria  “apenas” que lavar a louça do café e varrer a casa!
Decidi na hora que tinha que partir, lhe disse que iria voltar para minha casa, ela apenas respondeu que eu fizesse que achasse melhor.
Pulei da cadeira toda feliz, peguei a mala dei-lhe um beijo agradeci a “estadia”, e saí quase correndo, me pareceu que ela sorria disfarçadamente...
Na porta da minha casa, parei um pouco pensando se devia entrar ou voltar para a casa de minha madrinha, depois me lembrei da noite horrível que tinha passado,não tive duvidas, bati na porta.
Minha mãe demorou “um século” para abri-la.
Me recebeu com um bom dia sem sorrir, e me perguntou se eu queria entrar pois meu pai já tinha ido trabalhar.
Nem respondi, pulei em seu pescoço e “abri a boca no mundo”,ela me abraçou forte e me consolava com beijos...
Mais calma fui para meu quarto, ela me seguiu , mandou que eu guardasse as roupas no lugar certo, tomasse banho,sempre me mandava tomar banho...Me perguntou se eu gostaria de comer o costumeiro mingau de aveia.Claro que eu queria.
Fui atrás dela na cozinha, vê-la junto ao fogão preparando minha refeição foi a imagem que jamais apagou da minha memória. Jurei nunca mais fugir, por pior que fosse a bronca que recebesse...
Depois  de me fartar com o mingau, fomos para meu quarto,  me deitei, e ela mais uma vez sentada na beira da cama me beijou e disse para dormir um pouquinho.Contou que meu pai estava com muitas saudades de mim e que viria mais cedo para casa.
Fechei os olhos, estava no céu!Dormi como um anjo,com a barriguinha cheia, me sentindo amada e segura no “meu ninho”,aquela aventura tinha me deixado exausta...
Aquela primeira “ida embora” foi a mais curta de todas, fugi de casa outras vezes  quando era mais velha,todas as “fugas” não duraram mais de dois dias.Minha madrinha umas duas vezes me deu o mesmo tratamento,depois fechou a porta,daí parei de ir em sua casa buscar abrigo.
Chorei por  sofrer mais aquela decepção,era traição ,ela estava do "lado" de minha mãe! 

Até hoje fujo.
Sou o cumulo da rebeldia, moro sozinha e ainda fujo de casa,só levo minhas cachorrinhas e o gato...

 
 
M.H.P.M.
Helena Terrivel
Enviado por Helena Terrivel em 01/10/2012
Reeditado em 01/10/2012
Código do texto: T3911134
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