Aqueles Olhos Azuis...

Curitiba, 10 de Dezembro de 2005. Aquele dia era para ser mais um dia comum. Acordei as nove da manhã, com o calor invadindo as minhas têmporas, invadindo o meu corpo. Abri a janela. Não agüentava mais, precisava expulsar aquele calor de dentro de mim o mais rápido possível, mas eu não conseguia. “Vai ser um dia cheio”, pensei.

Tinha razão. O dia iria ser cheio. Era o dia da festa do Felipe, lá na casa dele. Eu precisava estar muito bem. Não estava namorando nem ficando, mas a falta da presença feminina me angustiava. Fazia quatro meses que eu tinha ficado com a última guria. Para quem tinha fama de pegador convicto, nato, que tinha pegado seis gurias numa festa só, isso realmente me angustiava. Precisava ficar com alguém. Resolvi não pensar muito no assunto e fui dar uma corrida no São Lourenço.

O dia estava lindo. Mas o calor fazia com que a sujeira do parque se condensasse, virasse fedor e transformasse o ar puro em um ar fétido, misturando-se a bela paisagem do parque. Corri uma hora e voltei para casa. Na corrida, eu senti que um olhar me perseguia, mas eu não sabia de quem era aquele olhar. Era um olhar alegre, cativante, apaixonado. Era o olhar de uma guria, mas eu não conseguia vê-la. Quando eu estava a ponto de desvendar a dona daqueles olhos, o olhar desaparecia. Voltei para casa e aquele olhar não me perseguiu mais.

Chegando em casa, fui almoçar. Almocei tranqüilamente, sem maiores transtornos. Depois fui descansar no sofá da sala. Parecia que aquele olhar que me perseguia no São Lourenço havia dado um tempo. “Será que aquele olhar não vai mais me atormentar?”, pensei. De repente, caí no sono. Comecei a sonhar. Aquele olhar enigmático, cativante, recomeçou a me perseguir no sonho, mas eu não podia ver quem era. Eu estava no São Lourenço e uma densa neblina me impedia de ver o seu corpo, cujo olhos verdes brilhavam entre aquelas brumas. Ela ia se aproximando cada vez mais de mim, mas quando eu ia decifrar o segredo e saber quem era a dona daqueles olhos, acabei acordando. Olhei meio sonolento no relógio. Eram cinco e meia da tarde.

A festa do Felipe seria as nove da noite. Ainda teria muito tempo pela frente. Fui jantar e lá pelas oito eu fui tomar banho. Depois de tomar o banho, comecei a escolher minha roupa. Tinha de estar bem vestido para essa ocasião, tinha que dar o melhor de si. Escolhi uma camiseta branca, que modelava muito bem o meu corpo atlético. E também coloquei um short e o meu Nike Shox. Essa combinação de roupas caiu como uma luva em mim.

Agora era só esperar o Alex e o Luan, que viriam me pegar ás nove. Eram oito e meia. “Tomara que aquele olhar não me persiga mais”, pensei. De repente , eis que ouço uma buzina emitindo seu som pelo ar fresco da noite curitibana. Eram Alex e Luan. Me despeço da minha mãe, que tinha acabado de chegar, e entro no carro.

- E daí, Marco, beleza!

- Beleza, Alex!

- E daí, vai sair da seca hoje ou não? – diz Luan ao volante.

- É certeza! Não quero perder essa chance!

- Marco, você falou a mesma coisa na festa da Mônica, e não pegou ninguém. Quero ver se você pega alguém hoje ou vai continuar devendo.

- Hoje eu prometo pra vocês que eu fico com alguma guria, juro por Deus!

- Olha...

- Juro, juro mesmo, Alex!

- Então tá bom... Você jura pelo Aurélio que você vai pegar uma guria hoje...

- Juro!

- Olha! Se não pegar uma guria hoje na festa, você vai ter que dar um beijinho no Aurélio!

- Olha, Luan! Eu gosto da fruta, hein! – respondi prontamente – e vamos logo que a gente tá perdendo tempo aqui.

- É verdade, então vamos!

E lá fomos nós três, em direção ao bairro da Barreirinha, para a festa na casa do Felipe.

A casa do Felipe não era nem muito grande, nem muito pequena. Tinha um quintal grande nos fundos, que dava para fazer uma boa festa. Lá fora, apesar do sol já ter se resguardado, o tempo ainda estava abafado.

Chegamos na casa do Felipe. Um rap tocava ao fundo. Parece ser Snoop Dogg. Passamos pela garagem e chegamos ao tal quintal. Uma tenda estava armada e o DJ ainda tocava Snoop Dogg. Ainda haviam poucas pessoas, mas parecia que a festa ia começar a ferver, a bombar e a encher de gente. Cumprimentamos Felipe, e fomos pegar uma latinha de cerveja no freezer da cozinha. Os pais do Felipe tinham ido viajar e só voltariam na Segunda. Então o Felipe aproveitou e organizou a festa.

Havia alguns banquinhos na garagem e sentamos ali para bebericar as nossas Antarcticas e filosofar sobre a nossa vida. Começamos a falar sobre a escola, sobre faculdade(no caso do Luan) e, é claro, gurias. Na festa haviam umas poucas gurias, mas nada que valesse a pena. Eu ainda estava sob o efeito daquele olhar na minha cabeça. “Será que aqueles olhos vão voltar a me perturbar...”, pensei.

A festa começou a bombar. Veio gente de todos os lugares e de todos os tipos, desde playboys do Cabral até vileiros do Bracatinga e da Vila Nori. Gente que estuda no Santa Maria e gente que estuda no Herley Mehl. Agora sim, era a hora propícia para atacar.

Para esquecer a lembrança daqueles olhos, fui dançar e começar a partida. Comecei a dançar com uma morena. Ela era bem gostosa, vestia uma blusinha e uma minissaia, deixando a mostra suas torneadas e potentes coxas. Mas ela não gostou muito de mim. Talvez a música desfavorecesse, porque o DJ colocou Eminem de fundo. Desisti dela. Depois parti para outra morena. Essa tinha um rosto lindo, lábios carnudissímos, olhos verdes. Parecia a Angelina Jolie. Estava indo muito bem, parecia que eu ia conseguir. Mas na hora em que eu pedi pra ficar com ela... Ouvi um belo “não”. Ela não tinha nenhum motivo, não vi nenhuma aliança de namoro no dedo dela.

De repente, quando havia perdido todas as esperanças, eis que eu cruzo com um olhar.

Quando eu vi aqueles olhos, não acreditei. Eram os mesmos olhos azuis do parque e do sonho. Os mesmos olhos alegres e cativantes. Mas agora eu podia ver a dona daquele par de olhos tão belos. Era uma loira, com um sorriso lindo, lábios rosados, não muito carnudos, dentes brancos e perfeitos, altura mediana e um corpo de princesa. Ela estava sentada em uma das banquetinhas da garagem. Eu não resisti a tamanha beleza e me sentei ao lado dela.

- Oi, tudo bem!

- Tudo, e você!

Silêncio no ar.

- Você é amigo do Felipe... – ela pergunta.

- Sim, eu sou... A gente se conhece do Colégio, e você...

- Bem, eu sou amiga de infância dele, a gente se conheceu lá no São José, quando eu estudava de tarde.

- Interessante... Eu estudo no São José desde pequeno, mas eu sempre estudei de manhã. Ah, tava me esquecendo, qual é o seu nome...

- Vanessa, e o teu...

- Marco, as suas ordens...

Ela riu e assim a nossa conversa foi fluindo. Eu não parava de admirar aqueles olhos tão belos, tão enigmáticos. Ela também me olhava com um ar de admiração, como quem tivesse encontrado algo novo. Falamos de tudo, com a maior naturalidade.

- Marco, que tal a gente conversar em um lugar mais afastado...

- Porquê?

- Aqui tem muita gente... e em outro lugar a gente pode ficar mais à vontade...

- Então, tá!

Em busca de um lugar mais sossegado, encontramos a sala, que estava vazia. Sentamos e recomeçamos a conversar.

De repente, o silêncio invade a nossa conversa. Ficamos observando pela janela a lua, com toda a sua opulência e beleza, iluminando aquela noite de Sábado.

- Vanessa, tem momentos na vida que a gente se sente tão feliz que a gente nem percebe. Depois que passa esse momento, a gente fica arrependido por não ter percebido. Mas, agora, eu tô me sentindo muito feliz e eu tô percebendo isso...

- Mas porque você tá feliz...

- Por causa de você...

Finalmente chega o momento tão esperado. Com a benção da lua cheia no céu, nós nos beijamos. Sinto o sabor doce de sua língua tocando com a minha, dos nossos lábios se juntando, se unindo num êxtase borbulhante. Pela primeira vez na vida, senti o meu coração derreter.

- Vamos pra outro lugar.. aqui é desconfortável e eu quero curtir a noite juntinho com você...

- Gatinha, por você eu faço de tudo pra curtir essa noite juntinhos...

Fomos para um quarto. A cama era bem confortável, macia. Tiramos as nossas roupas e eu comecei a navegar por aquele corpo lindo, uma dádiva da natureza, e ela ia navegando e desvendando o meu corpo. Senti a respiração ofegante, o calor invadindo o nosso corpo, o cheiro doce e cálido do corpo dela, aquele corpo de deusa, tão lindo quanto aqueles olhos azuis que eu vi no sonho. O sonho havia se materializado nela. Ela me levou a uma sensação de tranqüilidade, de leveza, que eu nunca havia experimentado antes em 16 anos de vida. E tudo isso culminando numa grande explosão em vermelho chamada amor. Pela primeira vez, eu, um pegador convicto, que não se deixava abalar pelo amor, estava amando.

Depois de fazermos amor, acabei adormecendo nos braços de Vanessa. Quando eu acordei, ela já não estava mais lá. De repente, o celular toca.

- Alô? – disse eu, ainda sob o efeito do sono – quem é?

- Marco, é o Vina. Tenho uma notícia muito triste pra te dar.

- Qual?

- A Vanessa... ela sofreu um acidente na Rodovia dos Minérios... morreu a caminho do hospital... – disse ele, chorando.

Não agüentei e também chorei. Na autópsia encontraram resíduos de sêmen no útero dela.

Ivan Cella
Enviado por Ivan Cella em 24/02/2007
Reeditado em 15/03/2008
Código do texto: T392096