O mercador de almas

Em um dia escuro e chuvoso, onde todos corriam com seus compromissos de trabalho, esquecendo-se da vida, e de tudo que ela pode nos oferecer. Todos se matam de trabalhar para que no fim de seus dias tenham vendido a sua preciosa vida por uma mísera aposentadoria, quando não morrem no meio do caminho, jogando fora tanto a sua vida quanto todas as coisas pelo que lutou durante anos. Assim pensava um homem simples, sem muito luxo, mas que vivia a sua vida, segundo a segundo aproveitando cada momento que deus lhe permitia viver. Ao contrário dele, vivia um homem ambicioso que nunca se permitiu viver a vida, ao menos para ver seus filhos crescerem. Doava sempre muito dinheiro para igrejas e projetos sociais, frequentava a igreja com sua família no fim de semana, porém as doações eram abatidas no seu imposto como descontos, e achava que levar a família à igreja no domingo era diversão, e passava o resto do fim de semana trabalhando. O homem simples não tinha muita coisa, porém o pouco que ele tinha era o suficiente, inclusive para dividir com quem não tinha nada. A ambição dele era pelo conhecimento, ele lia muitos livros, lia a bíblia todos os dias, estudava, trabalhava, e ainda lhe sobrava tempo para se divertir com sua família. Amava e dava carinho à sua mulher, eram felizes.

O homem simples que se chamava João, acabava de deixar seus filhos na escola, sua mulher em casa, e seguia em direção ao trabalho, após ter se despedido de todos como era de costume. O homem ambicioso e egoísta chamava-se José, mas que gostava de ser chamado J. Martins, pois achava que o nome era simples demais e não era bom aos negócios, ele corria com seu carro buzinando e achincalhando a todos em seu caminho, tinha pressa. Não se despedia de sua mulher, pois o casamento já não existia, eram apenas aparências. Seus filhos estudavam o dia todo, e mal viam o pai, assim eles atrapalhavam menos.

Neste dia chuvoso e escuro os dois homens cruzariam seus destinos, João com sua bicicleta esperava no cruzamento para que o sinal abrisse e ele pudesse cruzar. João desceu de sua bicicleta, o sinal abriu, e ele cruzou cuidadosamente, porém no meio da avenida vinha um carro em alta velocidade, sem perceber atravessou o sinal vermelho acertando João e sua bicicleta, o jogando longe, o fazendo bater a cabeça e morrer na hora. O motorista do carro por sua vez perdeu a direção e foi parar em uma caçamba de lixo na beira da rua, tal qual feita de ferro, por isso esmagando-lhe dentro do carro. Ali terminavam suas histórias. Mas agora já estava feito e não tinha volta, era o destino, ou talvez uma escolha inconsciente, mas será que as escolha de uma pessoa pode interferir na vida das outras?

Depois de mortos, os dois homens se encontraram em um tipo de cais, com dois barcos médios, um cada lado de um trapiche. No meio do tal trapiche havia um grande baú, com muito, muito ouro. O ambicioso se jogou sobre todo aquele ouro com os olhos brilhantes e arregalados, nunca tinha visto tanto ouro em sua vida. Ele olhava para os lados e abarrotava os bolsos com o que podia. Porém chegou um estranho, com um capuz preto que escondia seu rosto na escuridão, o homem simples continuava parado sem entender o que estava acontecendo. O estranho parou no final do trapiche pediu que os dois homens se aproximassem e pediu que João ficasse ao seu lado esquerdo, e que José ficasse ao seu lado direito. Sem tirar o capuz e com uma voz grave e fantasmagórica apresentou-se:

— Eu sou o aduaneiro do inferno, o mercador de almas, ou se preferirem, o barqueiro como sou mais conhecido. Espero que já tenham entendido o que aconteceu. Vocês morreram, e eu estou aqui para lhes preparar a passagem.

O homem ambicioso desceu do baú olhou o barqueiro e em um tom de arrogância negou:

— Não posso ter morrido, tenho muitas coisas a resolver, tenho negócios a tratar, tenho minha família.

— Agora você se preocupa com sua família! Pois não se preocupe mais José, eles não fazem parte de sua realidade, não mais. — Disse o barqueiro.

— Eu não lhe dei o direito de me chamar assim. Meu nome é J. Martins. — Retrucou o egoísta e ambicioso voltando em direção de onde viera, porém quando chegou ao outro extremo do trapiche não havia mais nada além de água. Finalmente viu que não havia como voltar, dirigiu-se até perto do barqueiro e sentou ao seu lado direito. O barqueiro lhe olhou e lhe disse com uma voz tão alta e forte que ecoava por toda parte:

— Seu nome é José e vai ser assim que vou lhe chamar. Agora prestem muita atenção, pois vou dizer uma só vez. Estes barcos são seus, para que atravessem até a outra margem, só existe aquela margem, por tanto não adianta tentar fugir. Cada um de vocês será recompensado por cada ato cometido em suas vidas, para que cheguem do outro lado, preparados. — O homem simples pensou com ele que tipo de recompensa seria esta. — Será que estou morto? Onde estou? — Mas ficou em silêncio esperando o mercador terminar de falar:

O barqueiro então começou a ler o que cada um fez em suas vidas. Começou por João, que não havia feito quase nada de ruim em sua vida, era um homem com defeitos como todos, porém era muito melhor que a maioria, mas havia cometido alguns erros quando jovem, erros estes de pouca importância.

— João, você cometeu alguns erros em sua vida, por tais erros irá receber algumas moedas de ouro. — Disse o mercador. Que foi em direção ao baú, encheu a mão direita com algumas moedas, jogou-as no barco de João e lhe disse:

— Entre em seu barco e vá, atravesse ao outro lado. — João triste pelas poucas moedas que recebera, entrou cabisbaixo, porém feliz no seu barco, enquanto o barco saía lentamente do cais, ele fez uma última pergunta ao barqueiro:

— Pode me responder como é do outro lado?

— Lamento, mas não sei, nunca fui até lá. Dizem que é diferente para cada um. — respondeu o barqueiro.

José, o homem ambicioso que era, ficou observando tudo sem dizer uma só palavra, e pensava com ele. — Se este homem que teve tão poucos pecados e erros na vida recebeu apenas aquelas míseras moedas, eu não irei receber nada. — Levantou-se e foi em direção ao seu barco, e o barqueiro ordenou que sentasse novamente, lhe dizendo:

— Sente-se, não mandei que levantasse. Agora é a sua vez. — Então o mercador abaixou-se e trouxe em sua mão um livro, com o nome “José” escrito em uma capa preta de couro, e iniciou a leitura:

Foram horas de leitura, contando cada erro cometido pelo arrogante empresário José, que já não aguentava mais, sabendo que era inútil, já que não iria receber nada.

— Sua arrogância e ambição lhe deixaram uma herança ruim, José. Fizeram com que você prejudicasse muita gente por um preço muito alto. E para cada erro seu, lhe darei um quilo de ouro. — Disse o aduaneiro do inferno, dirigindo-se ao baú de ouro, que pegou pela alça e despejou quase tudo no barco de José, eram muitos quilos de ouro e joias. O ambicioso e arrogante José sem entender, porém feliz, deu gritos de alegria repetindo para si mesmo que ele estava certo desde o começo. O barqueiro pediu que ele entrasse no barco junto ao seu ouro, e fizesse a travessia.

José mais do que depressa pulou em seu, barco sentou sobre o ouro e segurou nas bordas do barco, o barqueiro aproximou-se desamarrou o barco que saiu lentamente, mas alguns metros à frente o balanço do barco fez com que a água entrasse afundando lentamente, José vendo que não poderia salvar o seu ouro ameaçou de pular, porém o barqueiro havia o algemado a uma das bordas do barco, como fazia com todos, mas José não tinha notado. Então ele olhou para o aduaneiro perguntando por quê?

— Foi sua escolha.

José estava afundando cada vez mais, indo junto com seu ouro para o fundo, e quando lhe sobrava apenas a cabeça para fora da água, ele fez uma última pergunta desesperada ao mercador:

— Pode responder como é lá em baixo?

— Sim! É o inferno. — respondeu o mercador de almas, tirando o capuz e revelando a sua face vermelha como o fogo, chifres e um sorriso de satisfação no rosto.

Henrique Serafini
Enviado por Henrique Serafini em 13/10/2012
Código do texto: T3930325
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.