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Frequentemente as pessoas me perguntam por que vivo assim, se não tenho família, uma profissão e tal.

Eu não escolhi esta vida como sei que a maior parte das pessoas não escolheu as suas. As coisas vão acontecendo, os caminhos vão se abrindo diante de nós, por um motivo ou por outro vamos sendo impulsionados para cá ou para lá e acabamos chegando onde menos esperávamos.

E eu me pergunto:

Será que errei? Quando? Em que? Será que podia ter sido diferente?

Hoje vou falar de um período muito especial na minha vida e que ficou lá atrás em algum lugar de meu passado.

Eu tinha treze anos, o mais velho de oito irmãos. Minha família era paupérrima. Passávamos fome, pois toda a renda de meus pais era o produto da lavoura no pequeno sitio arrendado.

Era um trabalho ingrato. Quando o tempo era bom, a plantação viçava, mas os preços baixavam, quando não chovia os preços subiam, mas eles não conseguiam colher nada.

Na cidade próxima chegou um circo. Foi uma festa, pois na cidadezinha não havia muito com o que se divertir e o circo era o máximo dos máximos.

Mesmo sem ter dinheiro para a entrada, eu fui arrodear, ouvir a música e quem sabe conseguir espiar lá dentro.

Tudo me encantava e eu tive uma ideia sinistra.

Aproveitando uma distração do bilheteiro quando um casal entrava com uma penca de crianças, entrei também.


Mas o bilheteiro não era tão sonso como parecia. Foi atrás de mim, agarrou-me e quando ia me botar para fora ”ela” apareceu:

—Deixe o garoto. Nós estamos precisando de alguém para limpar as jaulas, ele pode fazer o serviço hoje e amanhã poderá assistir ao espetáculo de graça. Que tal?

Se ela me oferecesse o Paraíso em uma salva de ouro eu não ficaria tão encantado e tão feliz.

Aceito! Quantas vezes precisarem eu estarei aqui.

A moça sorriu para mim e afagou-me os cabelos. Naquele momento pela primeira vez na vida eu “senti” a presença de uma mulher.

O dono do circo simpatizou-se comigo. Deu-me alguns trabalhos para fazer durante o dia e a noite eu assistia a função e me deliciava com a visão da bela contorcionista que se apresentava quase nua.

Bem, o que me passava pela cabeça e por outras partes de meu corpo naqueles momentos é algo indescritível.

Quando o circo se preparava para sair da cidade, o dono me convidou para ir com eles.

Meus pais gostaram da ideia. Acharam que eu tinha futuro no circo. Podia ser um artista, fazer muito sucesso, ganhar muito dinheiro, essas coisas.

De minha parte, estava felicíssimo. O circo me fascinava e viver perto da Keila era tudo que eu queria.

Na realidade eu era um serviçal que tinha obrigação de fazer o que fosse preciso e você não imagina quanta coisa era preciso fazer.

Com o passar do tempo comecei a participar de alguns números, mas nunca fui um artista de verdade.

Os oito anos que passei no circo foram os melhores de minha vida. Viajei muito. Conheci quase todo o Brasil, mas o melhor de tudo, eu tinha a Keila, que percebendo meu interesse por ela, animou-me e iniciou-me na arte do amor.

Na verdade ela nunca me amou. Tinha o dobro de minha idade e divertia-se comigo como um gato brinca com um rato antes de abocanhá-lo.

Hoje eu sei disso, mas naquele tempo não sabia.

Quando o circo foi à falência todos os empregados foram dispensados sem receber seus salários, o dono desesperado suicidou-se, os artistas sumiram da cidade e eu fiquei desempregado, sem ter para onde ir, na rua, sem dinheiro, sem profissão e sem nem mesmo poder pedir esmolas, pois quando o fazia as pessoas diziam:

—Vá trabalhar vagabundo!

Mas não me ofereciam um trabalho.

Comecei desde então a viver do jeito que dava, pedindo, catando, roubando, e acabei me tornando isto aqui, um molambo humano que não presta pra nada.

Mas em algum lugar do meu passado ficou o circo com todo seu glamour e a Keila, insinuante e bela, única mulher que amei e por quem acreditei ter sido amado um dia.

Aqui termino por hoje. Obrigado e até qualquer dia!

Fui!

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Este texto faz parte do Exercício Criativo
FICOU EM ALGUM LUGAR DO MEU PASSADO
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Maith
Enviado por Maith em 15/10/2012
Reeditado em 20/02/2015
Código do texto: T3933680
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