A Jovem e o Ilusionista

Parecia impaciente. Inclinava a cadeira para frente e para trás, como se unisse a impaciência à falta do que fazer. Fugia o olhar para tentar parecer sem preocupações, não obstante seus esforços iam em vão. Era de se ler no olhar tudo aquilo que escrevia o coração. Também lhe incomodava o fato de vê-lo tão quieto. Usava as mãos como apoio para a cabeça, tendo o cotovelo sobre o parapeito da janela. Seus olhos pareciam concentrados, e ao mesmo tempo muito perdidos. Era como se entrassem em sintonia com sua mente, por mais que ela pudesse pensar em tudo e em nada ao mesmo tempo.

- Então. Você não diz nada?

Não aguentara. O silêncio, em tal situação, era enlouquecedor. Carregava na face um pouco de decepção, mas não deixava de se esforçar para parecer indiferente.

- De que adiantaria, se cada palavra me soa uma mentira disfarçada e uma parte de mim que hesita em se manifestar, enquanto outra que não devia toma conta de meu ser?

Fêz-se de muda. Por longos instantes, não se manifestou. Não achou que seria conveniente dizer algo sem antes pensar um pouco, ou ao menos, deixar que ele pensasse. Não que fosse das mais catastróficas das situações, mas eram dos pequenos problemas que se tiravam as maiores lições.

- Por quê?

Era uma pergunta espontânea, como se tivesse vindo involuntariamente. Ele estranhou a pergunta, por mais que pudesse fazer sentido. Foi então que olhara nos olhos da jovem, como se sua concentração naquelas idéias abstratas tivesse finalmente voltado-se ao contemporâneo real. De cabeça baixa, se submetia ao seu próprio arrependimento, por mais que soubesse que poderia fazer de novo. Quantas vezes fosse preciso, quantas vezes desse na telha. Era como se já soubesse o erro, e arcasse constantemente com suas conseqüências. Era como se soubesse como evitar, mas não o fazia. Soubesse seus motivos, mas não os evitava.

- Você faz perguntas que e não sei responder.

- Está fazendo de novo.

- O quê?

- Você sabe. Sabe responder. Faz que não, mas sabe, sempre soube. Talvez não queira.

- Se eu dissesse, passaríamos longas temporadas conversando.

- Não tenho pressa.

Ele se levantou e andou a largos - largos, porém tranqüilos, como uma característica própria, mas não tão própria pois o mundo nada tem de próprio - passos. A princípio, a jovem chegou a acreditar que ele viria até ela. Decepcionou-se ao ver que não, mas logo recuperou-se. Parecia que já tinha se acostumado. Acostumado a ter uma impressão dele diferente da que ele realmente transmitia, mas de alguma forma, parecia não se imcomodar tanto com isso. Ele pegou uma caixa de cima da mesa, voltando com ela logo em seguida. Era pequena e de cor negra, cabia dentro de sua mão fechada. Andou até a jovem, apoiando-se em um joelho em gesto de cavalheirismo. Assim que abriu a caixa, tirou de dentro do seu interior aveludado um anel de prata. A jovem não entendeu, mas ainda sim manteve-se atenta. Ele colocou delicadamente o anel no dedo anelar da mão direita da jovem, segurando-a com suas duas mãos carinhosamente e cobrindo o anel de vista. Com um leve beijo sobre as mãos, ao retirar as suas da dela, um buquê de flores foi se abrindo devagar. Surpresa, observava-as com um certo entusiasmo. Eram rosas brancas. Não importava o que qualquer outra flor viesse a representar, as que mais gostava eram dessas.

- São falsas.

A jovem estranhou. Ela tocou superficialmente as pétales das rosas, inclusive os espinhos. Levou-as ao rosto para sentir seu cheiro. Tinham um perfume agradável e eram suaves ao toque. Indagou-se o motivo pelo qual o ilusionista as julgava falsas.

- Têm o mesmo aspecto, a mesma textura, o mesmo perfume, o mesmo encanto... Tão perfeitas que chegam a parecer surreais... - Apanhou do buquê uma das rosas. Observava-a e brincava com ela por entre seus dedos, até que tirou-lhe uma das pétalas. - Mas se você partí-la, ela se desfia. Diferente de uma rosa verdadeira, que se parte em pedaços diferentes. Seu interior é diferente e sua composição, também. Ela pode mostrar pra você a beleza que quiser ver e transmitir o mesmo encanto, mas jamais será uma rosa.

Fora a vez do ilusionista surpreender-se quando a jovem se levantou brucascamente da cadeira e se dirigiu até um cômodo sem dizer uma única palavra. Ele se levantou e olhou meio abobado para a porta. Pensara que pudesse ter sido algo que tivesse dito ou feito, mas ela voltou com uma estranha alegria estampada no rosto. A jovem trazia consigo uma jarra ornamentada cheia d'água e colocou-a sobre a mesa. Mesmo não entendendo, ele acompanhou os movimentos da jovem enquanto ela colocava as flores dentro do jarro.

- Já disse, não são reais.

- Sim. Mas eu quis colocá-las em um jarro.

- Por quê? Toda essa água não vai alimentá-las. Seu trabalho jamais dar-lhes-á vida.

- Não me importo. Não me importo que não sejam reais. Não é por isso que vou deixar de tratá-las como se fossem. Uma rosa verdadeira seria mais viva, mais leal, mais humilde. Mas, mesmo quando tratada com carinho, ela escureceria e murcharia. Enquanto essas podem ter o cuidado que for, serão sempre exuberantes e atraentes.

- Mas isso não faz sentido. Você passará dias e meses a observar estas flores. Sempre como estão. Nunca mudam, nunca se modificam, nunca crescem, nunca chegam ao fim... Você vai se prender a uma rotina. Um dia, cansará de ver essa flores sempre do mesmo jeito. Se acostumará com elas de tal forma a não notá-las mais, então elas se tornarão insignificantes, como meras partes de um cenário.

- Estes dias e estes meses ainda não chegaram. Eu sei que um dia vou preferir poder ver as flores murcharem, do que sempre olhar para a perfeição de um falso buquê preparado. Mas esse dia não é hoje. Por que viver sempre no hoje de um ontem que já passou, por causa de um amanhã que nunca existiu? Enquanto ainda forem vivas para mim, manterei elas no jarro. Mesmo que toda a dedicação não valha de nada, o que importa é como eu me sinto fazendo isso.

- Gosta de alimentar falsas esperanças?

- Depende do que você entende por falsas.

- Você está vendo, estão na sua frente, não são de verdade.

Replicava, impaciente. Não entendia porque era tão difícil colocar na mente da jovem que, já há muito tempo, contos de fadas não eram mais reais. Não existia a possibilidade, na opinião do ilusionista, de uma falsa rosa de adaptar a um ambiente como faria uma verdadeira.

- Enquanto eu acreditar que são, elas continuarão sendo. Mesmo que a verdade diga o contrário, gosto de acreditar que são. Gosto de olhar para elas como se estivessem sempre abertas para o raiar do dia. Olhas para elas como se ainda tivessem um caminho longo pela frente, mas estão sempre assim. Destemíveis. Como se estivessem sempre sorrindo, imbatíveis.

- E o que você vai fazer quando cansar delas?

- Deixe o futuro para quando ele chegar.

- Não vale a pena. Prefere ouvir o que digo e encarar a realidade, ou vai continuar acreditando em mágica?

- Antes acreditar na minha mágica do que na sua ilusão. Você fala de realidade como se ela fosse uma só. A verdade é que existem dois caminhos importantes que você pode tomar na vida. Um deles é a sua própria realidade, onde as pessoas são e pensam como você quer ou espera que seja. Aquela que você descobre e redescobre a cada dia, monta e desmonta. Aquela que pode responder todas as suas perguntas, ao mesmo tempo que lhe dobra a quantidade daquelas que você não pode responder. O outro caminho é o da realidade crua e fria. A única verdade absoluta onde os seres humanos são desprezíveis. Tanto sabem, mas pouco entendem. Todas suas conquistas, vitórias, tudo a que se dão mérito, não passam de um mísero milhonésimo de um universo muito maior. Um universo que nunca vamos descobrir. Nem nós, e nem ninguém. E se a única verdade absoluta é que um dia vamos todos virar carcaças sob a terra, então prefiro morrer tendo acreditado em mágica do que morrer tendo temido a ilusão.

Sem trocar mais palavras, a jovem se dirigiu à porta e, deixando sobre a mesa o jarro e as flores como único vestígio da sua presença, abandonou o aposento. E o ilusionista continuou parado, com algumas medeixas de cabelo cobrindo-lhe o rosto. Escondendo-se por trás de si mesmo, deixando à mostra apenas a imagem da única coisa que sabe fazer. Ou pelo menos, a única coisa que já tentou fazer.

"Pretty lady, the horses are back

Bringing joy and happiness

But all of a sudden the horses are gone

It was only the sound of your heart beat alone."

- Shaaman

Cynthia Funchal
Enviado por Cynthia Funchal em 25/02/2007
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