Quantas Chances Houver – Capítulo um: O carro

Sempre fui uma pessoa tranquila, um homem de respeito, frequentava a igreja periodicamente com minha família, minha mulher Sofhie e meu filho Felipe, pagava meus impostos em dia, era um membro ativo da sociedade. Acreditava que era uma pessoa sem pecados e que nada de ruim poderia me ocorrer, era feliz com meu trabalho de escritor com bons livros lançados, um deles até vendeu muito bem. Morávamos em uma linda cidade do interior com uma praça aconchegante, cortada por um rio de águas límpidas e pedras redondas, onde as pessoas se banhavam e as crianças brincavam tranquilamente, sem correr riscos. Tínhamos Escolas boas e professores bem formados, pessoas educadas nas ruas, e havia trabalho para todos, era realmente o paraíso.

Eu olhava pela janela e admirava aquela paisagem linda que me inspirava a escrever mais e mais, meu escritório ficava na sala de estar, minha mulher Sofhie saía todos os dias pela manhã para trabalhar na escola primaria como professora e levava nosso filho Felipe. Em uma manhã tranquila, Ela saiu para o trabalho com Felipe e ao cruzar a rua foram brutalmente atropelados por um carro em alta velocidade, enquanto eu observava sem palavras o que via, minha voz sumiu, meus lábios se secaram e meus olhos ardiam, minhas pernas mal aguentavam o peso do meu corpo, eu tremia e suava frio, não podia acreditar no que estava acontecendo. Saí em disparada em direção à rua, mas não tive coragem de ver, o socorro já havia chegado, o tumultuo tomava toda a rua com curiosos de todo lugar, logo os socorristas me procuraram, mas eu estava transtornado, sem ação, e a notícia era muito pior do que eu imaginava.

Minha mulher que tanto havia me ajudado em minha vida, e meu filho… Não podia acreditar que minha querida Sofhie e meu amado Felipe haviam morrido…

Foram semanas, meses, até anos de choro desespero e lagrima, escrever era quase impossível, então não lancei mais nada durante anos, minha situação foi piorando, saúde já não era a mesma, não havia dinheiro nem para pagar as contas, minha casa já não tinha aquele cheiro de limpeza, a comida foi acabando, só o que me restava eram umas garrafas de bebida. Pouco tempo depois a situação era insuportável minha casa até parecia um chiqueiro de tantas roupas sujas e coisas velhas jogadas pelo chão, comida velha estragando nos armários. Cheguei a um ponto que fui obrigado a vender a minha casa onde fui tão feliz.

Com o dinheiro da venda de minha casa comprei outra muito menor e mais barata, com o resto do dinheiro paguei minhas contas que eram enormes, eu devia realmente para todo o mundo, padaria, mercado, mercearia, lojas de bebidas, que por sinal eram as contas mais altas, o meu carro eu já havia vendido, já não sobrara muito coisa que era minha, e já não tinha muito gosto pela vida. As coisas materiais e até as espirituais, não me interessavam mais. A casa, ou melhor, o quartinho que acabava de comprar era muito pequeno e sem luxo, mas já não ligava mais pra isso, vivia apenas por viver, me matar? Eu era muito covarde pra isso e acho que ainda sou. Minha vida era apenas me lamentar.

Algum tempo depois voltei a trabalhar, mas não como escritor e sim como carpinteiro, a profissão do meu pai, ganhava muito menos que escrever, mas, era o que eu conseguia fazer no momento, minha rotina era trabalhar e beber, trabalhar e beber. Por ironia do destino meu primeiro trabalho foi na igreja do bairro, por meses trabalhei e reformei toda a igreja por fora, saía do trabalho e passava direto em um bar que havia uma quadra a baixo, eu chegava em casa já completamente bêbado.

Em um dia de muito sol, pássaros cantando, crianças brincando, até eu estava um pouco mais alegre. Um padre muito carismático e divertido, seu nome era Valentino, era gordinho, parcialmente careca, com cabelos apenas em volta das orelhas, e com aquelas roupas estranha de padre, me pediu para que eu o ajudasse no pátio da igreja, então perguntei a ele o que havia naquele pátio, fechado por sinal, então ele respondeu que fora alugado à prefeitura para guardar carros batidos e apreendidos pela polícia. A surpresa foi quando entrei no pátio, e avistei o carro… Aquele carro, o mesmo que havia matado minha mulher e meu filho, a dor voltou como se eu vive-se aquele dia novamente, então lembrei que o motorista havia fugido depois do acidente e indaguei o padre sobre o carro, foi ai que veio a explicação:

—Logo após abandonar uma criança recém-nascida e sua mãe praticamente morta na praça da cidade, o homem arrancou com o carro atropelando uma mulher e seu filho, fugindo da polícia em completo desespero, não aguentou fazer uma curva fechada e capotou o carro morrendo na hora, o pior é que antes de fugir ele praticamente matou a mãe do bebê no momento em que a abandonou na praça, logo após ela dar a luz a um bebê, muito debilitada. Sem ao menos pedir ajuda.

— É padre. Respirei fundo. —a mulher que foi atropelada com o menino era minha mulher e meu filho. – O pior é que ele já esta morto, e nem posso me vingar. Resmunguei serrando os dentes.

— O ódio é um erro, se sentira melhor se perdoar, e verás que a felicidade só depende de você, e do perdão.

— Como posso perdoar alguém que fez o que fez?

— O perdão não depende dele e sim de você, e faz muito bem perdoar, verá quando o fizer!

O ajudei e voltei ao meu trabalho contrariado, como se a culpa fosse minha, aquilo tudo era tão terrível para mim que me tirava o ânimo. Mas estava cansado de sofrer, fazia tanto tempo…, aquela situação me transformou em um homem rude, mesquinho, egoísta, mal humorado, não tinha amigos e não falava com ninguém, se não fosse realmente necessário. Muitas vezes fui chamado para ir a igrejas, encontros, festas, mas nunca fui a nenhum lugar desses.

Havia se passado cinco anos desde o dia do acidente. Poucas vezes sentava na praça nos fins de semana para pensar na vida e ler um livro, de pouco em pouco retomei meu gosto por livros a pesar de ainda nem pensar em escrever, mesmo lendo não largava a garrafa e passava a tarde bebendo sentado na praça. Em um sábado ensolarado de inverno daqueles que o vento corta o rosto, o sol ameniza o frio, e todos parecem ser mais amigáveis, sentei na praça ainda de manhã com minha garrafa e meu livro, o sol brilhava iluminando e nos aquecendo daquele frio que só uma boa bebida ajuda. Foi quando senti uma dor no peito larguei a garrafa deixei o livro cair e fui escorregando no banco até parar no chão. Gemia de dor como um porco, e de repente tudo se apagou, a luz do sol já não havia mais em meu rosto. Acordei em um quarto de hospital, totalmente sem rumo, chamei a enfermeira que passava ao meu lado e perguntei:

— O que estou fazendo aqui?

— Olá Sr. Dimas, o doutor já o atenderá.

Pouco tempo depois o médico vem ao meu quarto:

— Então Sr. Dimas, como se sente?

— Me sinto bem, eu acho, mas como vim parar aqui?

— O senhor está bem! Só peço pra que pare de beber, pois dessa vez não foi nada, mais na próxima talvez não de tempo de fazer nada, a bebida pode destruir seu corpo mais rápido que você pensa.

Antes da minha alta o médico me entregou o livro que eu lia quando desmaiei, então sem entender peguei o livro e o agradeci, então ele me explicou rindo:

— Está aqui o seu livro, mas a garrafa eu não posso devolvê-lo! —O senhor tem muita sorte de ter o filho que tem. — De bons exemplos a ele!

— Desculpe-me Dr. Mas não tenho filho! Do que o senhor está falando?

— O garoto que pediu ajuda para o senhor! Não é seu filho? —Foi ele quem entregou o seu livro aos médicos do resgate!

— Como lhe disse Doutor. —Não tenho filhos!

— Então foi um anjo! Risos… —Mas de qualquer forma você esta liberado, e pense bem no que vai fazer de hoje em diante! —Tudo bem?

Saí do hospital pensando no tal garoto, quem seria, por que me ajudou, sem nem saber quem eu era! Chegando a minha casa, antes de abrir o portão o dono do mercadinho corre em minha direção enxugando as mãos no guarda pó e me pergunta assustado:

— Como o senhor está? O Respondi espantado, por que ele nunca havia falava comigo:

— Estou bem obrigado. Então ele falou:

— Foi deus quem colocou aquele garoto na praça àquela hora, em senhor Dimas!

— Quem é o tal garoto? Então ele respondeu empolgado:

— É um garoto de rua que apareceu aqui por esses dias, ele deve ter uns cinco anos de idade, o que me espanta é como ele soube pedir ajuda com tão pouca idade, e não havia mais ninguém na praça. Tentando fugir da conversa respondi:

— Com certeza! —Mas agora tenho que entrar, eu estou muito cansado.

Despedi-me dele e entrei. Mas o resto do dia e também a noite toda fiquei pensando no tal garoto, e porque havia me ajudado. No outro dia acordei mais disposto e resolvi encontrar o garoto, era segunda-feira, dia de trabalho, mas meio dia não iria fazer mal, então fui até a praça sentei no mesmo banco e fiquei observando, então avistei um garoto de aproximadamente cinco anos, todo sujo, mal vestido e com aparência de faminto, baixinho para sua idade, cabelos ralos e louros, olhos verdes, pele mais branca que papel. Estava muito frio e ele estava totalmente desprevenido, resolvi o agradecer pela ajuda, me aproximei e puxei assunto:

— Olá garoto, lembra-se de mim?

Antes que terminasse a frase ele se levantou de onde estava me abraçou e exclamou contente:

— Que bom que o senhor esta bem senhor!

Um pouco assustado pela reação dele perguntei:

— Por que se preocupa tanto comigo se nem me conhece?

— Não preciso conhecer o senhor para que eu te ajude ou até mesmo me preocupe. Respondeu sorrindo e agarrando minha perna.

Achei exagero da parte dele e até pensei que estaria com segundas intenções, mas mesmo assim resolvi retribuir a ajuda convidando-o para um café da manhã, pois ainda era sedo para o almoço. Sem pestanejar aceitou o meu convite salivando só de pensar em comer algo. Confesso que me deu dó daquele menino, era impossível não comparar aquele com meu filho, que coincidentemente tinha a mesma idade quando veio a falecer. Então nos dirigimos a uma padaria próxima da praça e o servi com muitos doces bolos guloseimas, e ele comeu tudo aquilo com a fome de um leão, ele devorava cada pedaço com um prazer incomparável, que eu nunca havia visto, e aproveitei o momento para perguntar algumas coisas sobre ele:

— Como é seu nome e de onde você vem garoto?

— Não sei bem, mas acho que daqui mesmo, há e meu nome é Benjamin! Respondeu com a boca cheia de Comida.

— Onde você mora Benjamin? —Você tem família?

— Moro na rua mesmo, e não tenho família, não conheci minha mãe nem meu pai, morava em um orfanato, mas me batiam muito então eu Fugi de lá faz um tempo.

— Pois bem, aproveite seu café da manhã por que eu tenho que trabalhar. Levantei e paguei pelo café e fui em direção à porta quando ele me chamou:

— Senhor, eu sem onde trabalha! —O senhor trabalha na igreja, certo? —Posso lhe ajudar?

— Acho que não garoto, trabalho não é para criança, e volte para o orfanato, pois a rua é muito perigosa. Falei tentando despistá-lo. E conclui:

— Muito obrigado por me ajudar ontem. Virei às costas e saí em direção ao trabalho, me senti satisfeito por ter ajudado aquele garoto, mas como meu coração ainda estava travado pelo passado não tão distante, eu preferi parar por ali mesmo e voltar ao meu mundo particular de rancor e tristeza. O bom padre já com conhecimento da história toda, me encontrou já na entrada sorrindo contente. Então perguntei:

— Posso saber qual é a graça padre? Perguntei rindo ironicamente.

— Que bom que tenha ajudado uma alma caridosa meu filho, mesmo sendo por obrigação.

— Como sabe dessas coisas padre?

— Esta cidade e muito pequena filho, e as pessoas falam demais.

— Nisso eu concordo.

Entrei e fui ao trabalho. Passou-se uma semana, diminui drasticamente a bebida por medo de me acontecer coisa pior, tomava poucas doses antes das refeições, mas todos os dias durante as refeições eu me lembrava de Benjamin e como ele estaria, então em um dia de trabalho perguntei ao padre se conhecia Benjamin e antes que ele responde-se ouvi uma voz meiga e infantil me chamando, era o garoto, que foi me encontrar no trabalho logo pela manhã.

— O que quer? — Não vou lhe pagar nada hoje em! Falei me mostrando nervoso a pesar de feliz ao velo.

— Não senhor! —Vim ver como está, se melhorou!

— Diga-me o que quer, pois tenho muito a fazer! Virei às costas e voltei ao trabalho.

— Quer minha ajuda senhor? —Não tenho o que fazer!

— Você não tem tamanho nem força para me ajudar garoto! —O que pensa?

— Penso que se o ajudar eu terei dinheiro para comer! Respondeu com a cabeça baixa.

Meus olhos se encheram de lágrimas e meu peito uma dor que me sufocava, após ouvir aquelas palavras da boca de uma criança tão pequena. Sem jeito e totalmente envergonhado, engolindo o choro olhei para o padre que somente balançou a cabeça me entendendo sem explicações, então o chamei e o perguntei:

—Há quanto tempo não come?

— Há três dias, eu acho.

— Por que vamos comer antes do trabalho.

Claro que não iria colocá-lo para trabalhar, mas falei para animá-lo, pois funcionou muito bem. O peguei pela mão e levei até a mesma panificadora para comer, e como antes se esbaldou em bolos Pães e etc.

— Por que não voltou ao orfanato? Perguntei a ele.

— Não quero mais apanhar senhor. Respondeu com a boca cheia novamente.

— Então me responda onde você está dormindo?

— Na praça senhor, no banco da praça. Quando Terminou de comer, fui até o caixa pagar a conta, então à moça do caixa me perguntou:

— É seu filho?

— Não! Respondi pensativo, pois ela havia me dado Uma ideia. O levei até a igreja onde arrumei roupas limpas, sapatos, e muitas outras coisas. O deixei com o padre que lhe ensinou várias coisas durante o dia, enquanto trabalhava na reforma da igreja ele se divertia com o padre e os outros meninos da catequese, muitas vezes preocupado com o trabalho ele me procurava para saber se deveria trabalhar, mas eu o mandava estudar novamente e dizia que o trabalho começaria no dia seguinte. Como uma criança tão pequena, moradora de rua, sem ter em quem se espelhar podia ser tão educada, com tantos valores morais como ele!

Ao anoitecer o levei para minha casa, como havia uma só cama o coloquei para dormir e arrumei uma cama feita de cobertores em um dos cantos do quarto para eu dormir, ele dormiu como um anjo, após ter comido algo junto comigo no jantar, eu já não posso dizer nada, pois minhas costas estavam destruídas pela noite mal dormida, porém muito feliz por ter ajudado aquele garotinho que daquele dia em diante tanto dependeria de mim, era o inicio de uma grande amizade, mais do que isso, eu recebi uma nova chance de viver e redimir os erros de minha vida.

Em breve o segundo capítulo. Aguardem!

Henrique Serafini
Enviado por Henrique Serafini em 30/10/2012
Reeditado em 30/10/2012
Código do texto: T3960319
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.