Lágrimas teimosas.

Abomino Natal e Ano Novo, esta é a pior época do ano para mim, mas não foi sempre assim. Houve  um tempo que  eu esperava o ano todo para que  as festas chegassem,mas hoje gostaria de dormir dia 3 de  dezembro e só acordar em 3 de janeiro!
 
Eu enfeitava a casa todinha, um lindo pinheiro colorido e iluminado na sala, guirlandas, papai Noel por todos os lados, banheiros eram decorados com motivos natalinos, a toalha da mesa da ceia passada com capricho, velas coloridas e perfumadas. A melhor louça, talheres de prata,  taças de cristal.Ao final da tarde,pais, avós,parentes e amigos chegavam felizes com suas melhores roupas carregados de presentes.
A ceia era preparada pelas mulheres com amor e capricho, entre fofocas na cozinha, enquanto os homens se encarregavam das bebidas, de arrumar os presentes embaixo da árvore e “conter” as crianças que corriam pela casa e pelo jardim  brincando com os animais que tinham sininhos pendurados em suas coleiras, eles também sabiam que era dia de festa!
O jantar era sempre servido às nove horas.Todos ficávamos em pé num silêncio respeitoso e contrito em volta da enorme mesa.As crianças faziam o mesmo,lhes era destinada uma mesa menor ao lado da outra, mas não menos decorada com motivos natalinos.
Neste momento de união, a liberdade sempre existiu, tanto a religiosa quanto  a pessoal. Cada um  se expressava a seu modo, inclusive as crianças. Podia ser através de uma oração seguida por quem assim desejasse e comungasse sua fé,respeitando a crença dos demais, declamando uma poesia,  podia ser ainda  um pedido de desculpas, um elogio, uma  sutil e delicada reprimenda, mas invariavelmente terminava com agradecimento pela fartura  e nossa  verdadeira união.
Após o jantar, nos reuníamos em volta da árvore para a distribuição de presentes geralmente coisas simples entregues apenas para as crianças, elas saiam correndo porta afora levando os novos brinquedos, sempre acompanhadas   pelos cachorros e gatos, estes também faziam sua festinha particular rasgando os papeis coloridos e brilhantes.
No final da noite, era  o momento de servir,chá,café,vinho do Porto ou licor com bolachinhas de Natal decoradas com capricho, docinhos,chocolates de menta, enquanto  a noite se estendia em longas conversas.As crianças menores, cansadas dormiam no colo dos pais , algumas se estendiam no tapete,no chão,nas camas,para depois serem carregadas dormindo para casa.Os maiores apenas escutavam  a conversa dos adultos,sem interferirem,para tanto bastava um simples olhar da mãe ou do pai para que silenciassem,criança não dava palpite em conversa de adulto.
A noite era de paz e alegria, união e muito amor.
 
Hoje  aos noventa e quatro anos , moro só num  pequeno apartamento.
Enfeitei uma minúscula arvorezinha de Natal, comprei um panetone e um vinho do Porto para a ceia...
Meu filho e meu marido partiram para sempre , assim como meus pais, avós, sogros e a maioria dos parentes e amigos... Os que restaram estão distantes de mim, física ou emocionalmente.
A moça que trabalha para mim  trouxe  de presenteou com um pacotinho com nozes e passas  embalada com capricho,fiquei comovida,lhe entreguei o presente que havia comprado recomendando que abrisse depois.Me abraçou desejou feliz Natal e foi embora festejar com sua família.
O porteiro que vai passar a noite trabalhando me  entregou uns docinhos que a esposa dele fez, eu retribui com uma garrafa de bom vinho.Nós dois ficamos felizes pela delicadeza da lembrança.
 Da janela vejo casas e apartamentos enfeitados, cheios de luz, gente agitando as ruas e lojas...
Me acompanha de perto uma infinita saudades ao reviver as doces lembranças que tive a felicidade de desfrutar durante tantos anos.Devia estar feliz  e grata por isso, mas as lágrimas teimam em cair...
Estou só, apenas Deus e eu, uma velha que teimou em viver muito!
 
M.H.P.M.
 
 
Helena Terrivel
Enviado por Helena Terrivel em 12/12/2012
Código do texto: T4032679
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