Apoiado na soleira da porta, ele olhava ao longe.

Campos se estendiam a perder de vista. Lá era o seu recanto. Pássaros, natureza, muito trabalho também.

Tinha o hábito de levantar-se nas manhãs, com o sol ainda nascendo. Sozinho, descia até o pequeno riacho a alguns metros, Reclinado sobre a ponte frágil de madeira, debruçava-se sobre a água . Mãos em concha, lavava o rosto para despertar. Na verdade, este era o seu momento. Em que acordava para mais um dia de uma vida que amava. Era um pacto com a natureza.

Conversava com aquele que via refletido no espelho d´agua. No seu monólogo solitário, longe da vista e ouvidos alheios, trocava idéias consigo mesmo.

Lembrou do pequeno nascido há pouco tempo. No dia em que ele nasceu, sentiu um misto de alegria, perplexidade, ansiedade. A mulher sempre calada e companheira. Presente em todos momentos. Guerreira. Ele, um homem simples. Vida simples no campo.

Zé era mesmo feliz. Amava tudo o que tinha.

Sua jóias eram sua família, seu pedaço de terra, as pessoas que o ajudavam na lida diária.

Era também um romântico sonhador. Religioso, tinha o seu jeito particular de conversar com Deus.

E era ali, ao nascer de todas manhãs que o fazia. Na verdade era um ritual de agradecimento.

Ah, ele tinha muito que agradecer.Era feliz, com tudo que tinha e fazia. Aos finais de semana, lá ia ele para os “arrasta pés”. Gostava de dançar.

A mulher não se importava com esta diversão. Sabia, era apenas uma diversão.

E ele, enlaçado às cinturas da morena, da galega, da mulata, era só alegria.

Esquecia a labuta diária, que lhe deixavam as mãos calejadas. Sim, Zé era um homem calejado pelo trabalho e pela vida. No rosto, vincos eram o retrato das tantas lutas travadas.

Quando lhe perguntavam a idade, ele estranhava as dezenas de anos. "Este coroa sou eu”?

Algumas coisas ele não gostava. Ter que ir à cidade, por exemplo. Não se encontrava no modo de vida urbana e, feito o que precisava, voltava depressa para aquela que considerava uma vida de verdade. Também não engolia a desonestidade e traição.

Definitivamente, ele sentia-se em casa mesmo, , lá no seu pedaço de terra e suas modas de viola. Zé gostava de cantar. Era isto uma das coisas que ele sabia fazer bem. Rodeado pelos amigos ou não.

Nas tardes, o sol se pondo, o bando em revoada logo acima das árvores. Passavam cantando, como saudando o final de mais um dia. Homenagem à vida e ao astro rei. Como isto era bom!

E hoje, apoiado na soleira da porta, ele olhava ao longe.

E pensava.

A civilização estava chegando próximo demais. A vizinhança de terras, já pensava em se mudar. Uma grande estrada passaria bem no meio das propriedades.

Ele não sabia o que faria ainda. Mas sentia um desconforto muito grande. Ele que sempre fora conversador e risonho, passava os dias calado.

Na sua simplicidade de caráter, se perguntava: e agora, Zé?

Mal imaginava o que ainda estava por acontecer.

Nuria Monfort
Enviado por Nuria Monfort em 22/01/2013
Reeditado em 22/01/2013
Código do texto: T4098750
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.