Agora vou contar um conto que me contaram certa vez numa roda de amigos.
Não sei se vou conseguir ser fiel aos detalhes da história, mas vou tentar, contando sempre com a tolerância dos gentis leitores.
 
O conto fala sobre Félix, um gato muito camarada que habitava uma pequena e bela cidade.
Félix era comunicativo, estimado por todos, prestativo e divertido.
Ele era tão camarada que decidiu doar as seis vidas das sete que tinha direito.
Os outros gatos, imprevidentes e irresponsáveis, esgotavam rápido o “pacote existencial”, mas Félix, pacífico e tranqüilo, achava que não precisava de nenhuma vida extra.
Ele parecia ter razão já que ninguém ousaria incomodar ou ameaçar o popular e carismático Félix.
Além de tanta camaradagem, Félix possuía uma característica que merecia uma admiração especial da população.
Ele era dono de um miado espetacular.
Era um “miau, miau!” realmente sensacional, uma verdadeira melodia oriunda do paraíso felino.
O miado fazia as gatinhas deslumbradas suspirarem e os gatos machões desejarem realizar o fascinante “miau, miau!” que somente Félix sabia fazer.
Certos moradores da alegre cidade gostavam de contar o número de vezes que escutaram o magnífico miado de Félix.
Criaram até uma competição: Quem mais escutou Félix miar?
 
Quando me contaram este conto que agora eu conto sem acrescentar ou tirar nem sequer um ponto, o contista, um grande amigo meu, imitou o miado com perfeição.
Era algo que “deixava no chão” os miados tradicionais.
Eu tentei aprender, treinei, pedi umas dicas, mas jamais logrei reproduzir o miado de forma satisfatória.
Que chato!
Eu experimentei miau, miAU!, dando ênfase ao ditongo final do segundo “miau”, porém não saiu legal.
Arrisquei miaau, miaau!, no entanto percebi que essa maneira de miar também não fica bacana.
Imaginei também que poderia ser miaU, miaU!, valorizando o término dos “miaus”, mas não deu certo.
Desisti!
Parei, pois, se eu continuasse insistindo, poderia atrapalhar as agradáveis recordações sobre o miado de Félix.
 
Continuando a narração, numa noite chuvosa, após saborear um leitinho quente, Félix adormeceu, teve uma crise de sonambulismo, andou a esmo e acabou atravessando a fronteira da cidade.
Quando despertou, estava perdido na estrada sem saber como retornar.
De repente surgiu um cachorro enorme e valente (essa aparição inesperada prova que essa história nunca quis ser um conto de fadas).
Quando o cão viu Félix, avançou ansioso por uma boa briga.
Félix, assustado pra caramba, fez o seu precioso “miau, miau!”.
A sonoridade incomum do miado aumentou a animosidade do rival que apenas realizava um modesto latido, igualzinho a qualquer vira-lata desclassificado.
Nesse momento, a ira do melhor amigo do homem cresceu.
 
Infelizmente Félix, que foi considerado pelo cachorrão o mais desprezível dos inimigos, resistiu o quanto pôde, porém não foi capaz de evitar o triste desfecho.
Porque ele somente contava com uma vida, não ocorreu a providencial ressurreição a qual os gatos desfrutam seis vezes.
Quando os habitantes da cidade souberam o que ocorreu, choraram bastante a partida prematura do gato supercamarada, lastimando profundamente nunca mais voltarem a ouvir aquele miado inesquecível e inspirador.
O luto demorou sete dias e sete noites.
Uma semana depois, a gataria voltou à realidade dos “miaus, miaus!” com o qual todos nós já estamos acostumados.
O fardo foi deveras pesado, entretanto a vida felina precisava seguir.
 
Sempre que recordo a morte estúpida de Félix, me emociono muito.
É difícil demais contar o número de lágrimas derramadas!
Dessa vez decidi transformar minha grande emoção e tristeza em uma singela homenagem ao nosso querido Félix.
 
Não sei se vocês aprovarão, mas imaginei os seguintes versos:
 
Ilmar apenas achou bonitinho escrever
referente a um miau, miau bacana
Que a galera
Inspirado demais encantou
Tive pena, não deixou o gatinho viver
O valente au, au sacana
Já era
O miado ninguém mais escutou
Ilmar
Enviado por Ilmar em 28/01/2013
Reeditado em 28/01/2013
Código do texto: T4109165
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