O adeus nunca dito

Há cinco anos, estou aqui. Apesar das pessoas que estão ao meu redor, não tenho ninguém. E não voltarei a ter os que estão lá fora. Estou tão longe que não sei mais como anda o meu mundo. As cores mudaram? Quais são as últimas tendências? Os sorrisos têm mais verdades? Os amantes já se encontraram? As saudades já se transformaram em vagas lembranças? Eu tenho tantas perguntas, mas nenhuma resposta. Sequer sei dizer se o sol continua lá, incansável e formoso, iluminando as vidas errantes que vagam por aí. De companhia, apenas carrego esse pequeno calendário, que mostra os dias perdidos e os que chegam sem nenhuma expectativa.

Levanto, olho por entre as grades que me afastaram de todos e observo um silêncio sepulcral. Ouço apenas respirações. Já é tarde, todos dormem. Ou ainda é cedo? Em que momento perdi a noção do tempo, da vida, de mim? Limpo os olhos, mais uma vez. Por mais que tente, não consigo segurar essas lágrimas que insistem em brotar em meus olhos, mostrando o quão fraco estou. A vulnerabilidade se tornou um de meus traços marcantes. E, acredite, admitir isso, para mim, é humilhante. Apesar de tudo, sempre me mantive forte, e não havia fracassado. Mas cansei. Forte para quê? Forte para quem? Demonstrar emoções não é sinônimo de fraqueza, dizia meu pai. Admirável aquele sujeito. Pena que não tive tempo de lhe falar isso, assim como nunca disse outras tantas coisas que carrego em meu peito. E perdi. Perdi a chance de lhe dizer o quão forte ele era, o quanto eu o admirava. Deixei de revelar que ele me ensinou as principais coisas da vida, mas eu não aprendi quando era a hora. Hoje vejo o quanto errei com ele. “Lúcio, não ande perdido por aí. Você sabe, meu filho, que o caminho torto, por mais curiosidade que desperte, não resultará em boas coisas.” E não resultou. Pai, queria poder te dizer que você sempre esteve certo! Mais lágrimas rolam, e eu insisto em secá-las. Em vão.

Lembro-me de meu primeiro dia nesse local fétido. Ouvia, em minha mente, a sua voz paterna dando todos os vãos conselhos que nunca, nunca cogitei ouvir. Que ignorância! A juventude nos dá a sensação de força, de liberdade e de uma tola sabedoria. Não esquenta, coroa! Eu sei me cuidar, dizia a você, com uma malandragem no sorriso, enquanto você, pai, sabia que eu nunca conseguiria me cuidar. Por que não te ouvi? Nunca imaginei onde meus inconsequentes atos me levariam. E sinto tanto a sua falta, meu velho. Queria poder te olhar nos olhos e te dizer isso. Por que teve que ir tão cedo? Eu não pude me despedir de você. Que droga de destino imundo! Acabei caindo nas armadilhas da vida. Não adiantaram seus conselhos, seus abraços, suas palavras, seu carinho. Eu me transformei naqueles que você disse que não queria perto de mim. Transformei-me nos perdidos, nos fracassados, nos covardes, nos marginais. Sou apenas um, mas represento todos.

Não sei como estava seu rosto no último suspiro, não sei quais foram as palavras que antecederam a sua partida, não sei quem estava ao seu redor. Só sei que eu estava longe, afastado do meu grande amigo no momento de sua partida. Mais uma culpa que carregarei em meu coração contaminado até o fim. Fim que tanto almejo. Você foi meu único companheiro durante toda a vida. De outros, só espero farpas. Eu te queria por mais um minuto. Seria o suficiente para eu poder falar tudo o que calei ao longo de todos os anos medíocres de minha existência.

- Lúcio, está na hora de dormir, cara. Não vai adiantar você ficar acordado, vagando por esse cubículo em que vivemos. – a voz pertencia a Cícero, o único que havia se aproximado de mim durante esses cinco anos. – Não envenene mais a sua cabeça com essa culpa, cara. O que aconteceu não tem volta, e você não vai poder mudar nada. Venha, descanse.

Mais lágrimas rolaram do meu rosto. Cícero, por mais próximo que fosse de mim, não entenderia o que está se passando nesse momento. É como dar murro em ponta de faca, conforme dizem por aí. Quando ele entrou aqui, não deixou nada e nem ninguém para trás. E, agora que estava perto de sair, achava que tudo era mais fácil. Estava feliz por ele, ia conseguir chegar perto de pessoas, do mar, dos sorrisos. Quem sabe encontraria algum amor? Precisava de razões, que também me faltavam. Mas, ao contrário dele, eu não tinha perspectivas de liberdade. E isso já não me importava.

- Não se preocupe, Cícero, eu vou ficar bem. Só preciso de um tempo. Sinto como se uma parte de mim tivesse sido levada bruscamente. Sei que, por mais longe que estivesse do meu velho, ele se importava comigo, ele me queria bem. Sempre fui seu filho querido, apesar de todas as besteiras que fiz. Ele nunca me largou. Aí, agora, a vida, essa madrasta infeliz, levou-o de mim. Não tenho mais motivos para ser forte. Vá dormir.

Sabia que o amigo não incomodaria mais. Estava livre por alguns momentos. Daqui a pouco, chegaria alguém para levá-los ao passeio matinal. Levanto, mais uma vez, e começo a andar. Olho para o chão e vejo o envelope com a carta de Paola, minha ex-exposa. Pego e, mais uma vez, releio. A carta fúnebre trazia a notícia da morte de meu pai, com algumas explicações e palavras de consolo que de nada serviram. Antes que pudesse explicar meus erros, o destino levou aquele que poderia me ouvir e me entender, sem críticas. Estou mais só do que nunca. Qualquer vontade de sair desse lugar, onde terei que ficar por mais uns bons anos, deixou de existir. Tudo era para vê-lo, para dizer todas as palavras que não pude falar enquanto estivemos longe. Estava tudo preparado, e eu achei que daria certo. Engano. A vida sempre me boicotando. Em meu interior, ficarão os abraços, os beijos, o amor, as desculpas por ter decepcionado tanto a pessoa que mais me apoiou. Já podia jogar fora as cartas que nunca mandei, as poesias que escrevi para ele. Poderia esquecer os planos que fiz, os afagos que sempre esperei receber quando estivéssemos perto. As esperanças foram enterradas com ele. Ouço passos e rapidamente escondo a cara de tristeza. Em seu lugar, coloco uma expressão má. Ninguém mais veria a minha dor. Se eu era só, ela seria só minha.

- Adianta, vagabundo. Chegou a hora de você fingir que é gente. Vai brincar lá fora.

Paula Vigneron
Enviado por Paula Vigneron em 02/02/2013
Reeditado em 15/06/2015
Código do texto: T4120042
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