Sabiá

A insônia a levava por caminhos obscuros e a dúvida ficava mais clara à medida em que a noite escurecia. Que fazer? Onde buscar auxílio? Amigos já não a esclareciam, pelo contrário. Profissionais eram frios, não compreendiam a profundidade de suas questões. Suas dúvidas transcendiam as poucas ferramentas que ela possuía. Tarô? Astrologia? Uma quiromante, indicada por uma amiga mística? Não conseguia acreditar de verdade, seria mais um paliativo para prolongar sua agonia.

Necessitava de ajuda de algo mais poderoso, um auxílio divino. Mas por que esse Deus onipresente, onipotente e misericordioso não se apiedava dela, mostrando-lhe um caminho, por exemplo, num sonho? Se nem dormir conseguia... Chegava a colocar em dúvida sua fé. Tantas religiões, por que é que o mundo seguia nesse caos? Buscar a resolução de seus problemas numa imagem, num livro, em danças tribais, num mergulho em si mesma... Orações, mantras, cânticos, atabaques, onde, onde?

Cobriu a cabeça, desistindo de entender. A noite insone pesava sobre seu corpo como um caminhão. Calor, frio, suores inoportunos, imagens que dançavam sem nexo por sua mente perturbada apenas pioravam sua angústia. Chegou a ficar cansada de viver.

Teve então uma ideia: um sinal. Devia pedir àquelas forças todas, das quais não conseguia um caminho único, que lhe dessem um sinal. Iria amanhecer em breve: se um pássaro cantasse naquele momento, era um indício de que sua vida não mais valia a pena. Fechou os olhos na espera de que esse pássaro agourento emitisse seus sons, para que ela tomasse providências em seguida.

Porém, talvez por ter colocado suas angústias fora de si mesma, adormeceu. Profundamente, calmamente, como há muito não conseguia. E o que a acordou foi justamente o som de um pássaro: um sabiá-laranjeira, pousado na árvore ao lado de sua janela, cantava alegremente. Não havia nenhum quê de tristeza em seu canto, pelo contrário, trazia paz e esperança. Abriu os olhos e viu o sol entrar pelas frestas da janela, criando um desenho colorido no chão. Deve ter sonhado algo durante seu sono plácido, pois o canto que ela ouvia transformara-se não em um mau agouro, mas num chamado para a vida.

Estranhamente aliviada, sentiu que para tudo havia uma solução. Apenas não para a morte, que ela secretamente desejara. O sabiá continuava seu chamado alegre, o sol continuava a criar desenhos mutantes sobre o chão. Renascida, sentiu fome e uma sutil alegria de viver.

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Este texto faz parte do exercício criativo "Pássaro de mau agouro"

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