Uma carta intolerável

"(De certa forma, este texto é a continuação de outro microconto, chamado Intolerável)

http://www.recantodasletras.com.br/contos/4201518"

Cheguei em casa perto das cinco da tarde. Era uma terça feira de abril, começava a fazer frio e o céu ameaçava desabar em chuva.

Há dois ou três meses eu vinha me arrastando em preguiça e desânimo. Naquele dia eu parecia estar no meu auge.

Comia mal, bebia em demasia, trocava o dia pela noite e sentia-me exaurido pelo trabalho.

Recentemente havia terminado um relacionamento com uma mulher que eu dividira minha cama e minha alma há pelo menos três anos. Trocou-me por um rapaz mais novo.

Mais novo e mais idiota.

Pensava naquilo todos os dias, desde o ocorrido. No inicio com uma solene tristeza, depois com amargura e decepção. Agora lembrava-me de tudo com tédio e desinteresse. O mesmo desinteresse de quem assiste um filme pela décima vez consecutiva.

Ainda assim, o pensamento naquela mulher e naquela situação sempre me assaltava a mente quando caminhava de volta da faculdade para casa.

Enquanto procurava a chave nos meus bolsos, percebi uma que havia carta no correio.

Peguei-a e entrei. Era para mim.

Um nome conhecido estava assinado como remetente.

Larguei a carta em algum lugar.

Abri a porta do meu quarto e me deitei no colchão jogado no chão.

Havia meses que morava naquela república, dividida com outros dois estudantes.

Nunca me preocupei em comprar uma cama ou outros móveis.

Meu quarto era o reflexo do meu desleixo com a vida naqueles dias.

Dormi por algumas horas, e quando acordei, ainda não era meia noite.

Perdera o sono e lembrei-me então da carta.

A encontrei onde havia deixado. Rasguei o envelope descuidadamente e comecei a ler.

A caligrafia denunciava uma escrita cuidadosa, de quem pesou e pensou no que iria escrever, em vez de simplesmente despejar os pensamentos no papel (como era o meu costume).

Li até o fim. Voltei ao começo e reli.

Em minha vida inteira, em meus 27 anos incompletos, nunca havia lido algo tão confuso.

Poucas coisas ali faziam sentido. Pelo menos para quem estava dentro do contexto.

Eram belas palavras, no entanto.

Eu tinha conhecido uma mulher algumas semanas atrás. Acredito que já tenha falado sobre ela. Deu-me seu telefone e envie-lhe uma mensagem apenas com meu endereço.

Tornamo-nos correspondentes, quando no dia seguinte, ela enviou-me a primeira carta.

Trocamos várias. Não sei quantas.

Ela assinava com um pseudônimo. Já eu raramente assinava, e quando o fazia, fazia-o com meu nome.

Mandei-lhe alguns dos meus poemas.

Agradavam-me suas críticas.

Certa vez, em uma delas, percebi uma medida preventiva. Um simples comentário... mas que lembrou-me o dia que me disse que era intolerável.

Parei de escrever-lhe desde então.

A carta me pegou com certa surpresa...

Resolvi também não respondê-la.

Acredito que o silêncio seja o melhor remédio para uma mente confusa.

Para a minha,

para a dela.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 03/04/2013
Reeditado em 04/04/2013
Código do texto: T4220886
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