O Voo da Liberdade

Crá-crá-crá!

Foi o adeus dado em onomatopeia.

Tudo começou quando guturalmente ela dissera:

-Coocorocotó! Assim meio galinha choca e meio papagaio de pirata.

Foi quando a Vida soprou aquela aragem e a porta do cômodo se abrira milagrosamente. Misteriosamente. Enigmaticamente.

Ela com este som gutural avisou que aproveitaria a oportunidade.

Sim. Fora providência dada pela Vida, sim.

Há dias estava se preparando para este pequeno momento. Ensaiava modos curtos. Treinava atitudes pequenas. Inicialmente na prisão-proteção que a haviam colocado para tratamento. Depois conquistara a liberdade do cômodo que fora transformado em viveiro. Onde, ali, ela tivera como escolher um canto para ninho em um lençol dobrado posto para outras finalidades. Mais tarde conquistara com voos tímidos a cozinha. A varanda. O quarto. Lugares onde a luz que entrava na casa era mais forte e a chamava para os treinos.

No dia anterior conseguira através da pequena abertura da báscula, que dava para a área de serviço, fugir para aquele novo espaço.

Viram a tempo, os que a cuidavam, e a colocaram de novo no viveiro que, com o espaço já diminuto – ela queria mais – estava virando morteiro.

Morteiro, porque ela queria liberdade, pois viver é se libertar.

E ali o sopro da Vida pusera a porta aberta. E ela só podia dizer de forma choca aquele ‘coocorocotó’ como quem avisa: “Estou indo embora, obrigado por tudo e a hora é agora”.

Com aviso dado vieram ver o que era.

Ela ainda parou ali na área onde já havia estado.

...incerta, sem saber se a certeza era voltar ou se a certeza era prosseguir para ter aquilo que a Vida lhe oferecia.

Ao longe, muito longe e já bastante distante gritou como que a ultima vez para se despedir de seus cuidadores:

- Crá-crá-crá! Conquistei a vida ainda que ela seja risco. Se não for, não é vida. É só fingir de viver.

Isto, o risco de vida, ela já experimentara desde aquele momento meses atrás quando tentara ganhar o mundo pela primeira vez. Correra o risco. E ele fora o traço do destino que a colocara entre aqueles humanos. Que a socorreram. Que a trataram. Que a medicaram como se humana ela fosse também.

Em seus cuidados puseram-na presa em gaiola – os humanos tem vício em prender e se deixarem prender quando gostam. Quando não, matam. Seu voo não cabia naquele limite.

Deram-lhe o viveiro depois. Depois ele estava se tornando morteiro. Sim, era isto sim. Porque suas asas precisavam se abrir mais. Seu voo não estava cabendo mais entre as paredes. A luz a chamava. A Vida gritava por ela. Para voar mais alto é que ela nascera.

Era seu direito estar voando como naquele instante estava agora: altaneira, feliz e viva.

- Crá-crá-crá!

A Vida lhe abrira a porta para o voo dando-lhe uma segunda chance após ter tentado naquele pretérito o abandono do ninho.

Se a Vida é risco, é também, a Vida, repleta de oportunidades.

A Vida conspira. É risco traçado de bordado. Cabe a cada um aprender bordar.

E ela era Maritaca e nasceu para ser livre. Não era galinha. Não era papagaio de poleiro.

Era verde esperança!

E gritou isto de asas abertas, esticadas em pleno voo.

Liberdade afinal.

Leonardo Lisbôa.

Barbacena, 07/05/2013.

Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 07/05/2013
Reeditado em 11/05/2013
Código do texto: T4279164
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