"Você sempre fica bem" - Um Microconto

“Sei que você está bem... Você sempre fica bem”, ela me disse, entre outras coisas.

Nunca tinha lido tantas besteiras no meio de uma madrugada.

Só estava ali, trocando mensagens pelo celular para dar-lhe um pouco de paz.

Estava sacrificando algumas horas de sono e tranquilidade pela possibilidade de ser esquecido por aquela moça.

Tivemos uma longa e conturbada história.

Disse-lhe, certa vez, que ela havia sido a mulher que eu mais amara em minha vida. O que era verdade...

No entanto, arrependo-me de ter-lhe dito isso, pois não muito tempo depois ela me deixou. Trocou-me por uma paixão mais amena... Sem tantas contrariedades.

Ela tinha a consciência pesada. Fazia-se de vítima, como é de costume ao sexo feminino.

“Você sempre fica bem”, ela dizia... Como se os três meses que se seguiram ao meu rompimento tivessem sido um passeio no paraíso.

Nem imagina o inferno que se tornou minha vida depois do ocorrido.

Não a culpo inteiramente. Eu devia saber onde estava me metendo.

De uma forma ou de outra, consegui passar por cima de todas as lembranças ruins que ela me deu. Era caso passado, dado como morto, que ela fez questão de ressuscitar.

Havia mais de um mês, dormia menos de seis horas por dia,

o sono tarda a chegar aqui em casa.

Prendia minha atenção em coisas supérfluas até o senso de obrigação me fazer fechar os olhos, o que muito frequentemente acontecia depois das três da manhã.

Era costume, que eu me mantivesse acordado, cercado de livros de escritores falecidos, e ocasionalmente de duas ou três garrafas de cerveja.

Afogava-me nas letras para afastar uma angústia pelo fim de um amor recente e uma quase patológica solidão.

Escrevi incontáveis vezes sobre esse tema.

Era tão comum, que já começava a me sentir entediado de fazer isso.

Nos últimos dias, no entanto, não me sentia angustiado.

Minhas notas, espalhadas pelo chão, já se acumulavam por todos os cantos do quarto.

De hora em hora, ia a cozinha abrir uma cerveja, depois ao banheiro e então retornava ao quarto. Quando nem assim a inspiração vinha, resignava-me a editar textos antigos e tentar pô-los em alguma ordem.

Já me faltava o que organizar, no momento em que recebi a primeira ligação dela.

Atendi no impulso e ela desligou.

Foi o suficiente para transformar minhas noites seguintes em um tormento.

Demorou uma semana para que eu conseguisse ter um pouco de tranquilidade novamente.

E foi aí que ela ligou-me pela segunda vez.

Passava das três da madrugada.

Dessa vez, retornei a ligação e ela não atendeu.

Mandei-lhe uma mensagem com um certo desaforo... E foi assim que começamos nosso ultimo diálogo.

Foram mais de três horas de troca de mensagens. No fim eu me sentia exausto.

Pedi-lhe que finalmente me deixasse em paz,

algo que ela me concedeu sem muitos questionamentos.

Considero aquela noite um marco em minha vida recente.

Naquela noite, morreu algo dentro de mim... Um moribundo que vinha se arrastando e me puxando para baixo.

Naquela noite, decidi recomeçar a viver, e foi o que eu fiz.

Agora, um mês depois, sento diante do meu computador com uma nova motivação.

Algo novo me move, além do arrependimento, da frustração e da saudade.

Coloquei definitivamente aquela mulher em meu passado, um peso enorme saiu de minhas costas. Senti-me finalmente livre para seguir em frente... Para considerar novas possibilidades.

Imediatamente após esse diálogo, decidi adiantar minhas férias,

decidi retornar ao local onde tudo começou e encarar meu passado e meu futuro com meus novos olhos.

Aquele fato, aquele romance mal acabado, que por muito tempo definira minha vida, realmente havia ficado para trás.

Senti-me livre.

Hoje, escrevo livre de amarras,

vivo com outras esperanças, com outras perspectivas.

Há um novo mundo diante de mim.

Finalmente, novas motivações.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 24/05/2013
Código do texto: T4306551
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