Veridiana - Parte Penúltima

Não me tornei militar, como pretendera meu pai. Tampouco segui carreira burocrática, qual quiseram alguns. Ofereceram-me, até, jeitinhos de ingresso no serviço público. Na época, chamavam a isso um bom pistolão - politicalha de padrinhos.

Não e não! O que faria um visionário com armada força? A burocracia de Weber das repartições do Governo, com seus vícios intrínsecos, bem comportassem um poeta nos seus quadros. Mas eu não seria honesto, nem puros meus motivos - como devem trazê-los os poetas.

Para cúmulo do desgosto de meus familiares, tornei-me jornalista, um liberal. Fiz-me redator de crônicas policiais.

Alguém perguntará: onde está a poesia?

Oras! Ver de bem perto a humanitate in natura, suas mazelas e crueldades, insta-nos ao valor da bondade e à ética compreensão do que seja justiça, para muito além de estados, deuses e encíclicas.

Dialética e poesia...

Mas... aos fatos, paciente leitor!

O episódio daquela tarde me azedara.

Indisposto, passei-me a chave.

Não arredei pé o resto do dia. Não jantei.

Resolvera que aquilo tudo era mesmo uma loucura e insana a mulher!

- E então vem ao meu quarto, traz comidinhas, confunde-se com elas, me põe fogo... e, simplesmente, sai daqui correndo e inda me deixa um bonito galo? À China, minha cara! - cogitava alto.

- Está certo!... o velho vinha chegando... mas não precisava me empurrar! me fitar com uma cara, meio Maria Madalena, meio santa de ocos paus!

Deitei-me assente que me acordariam outros ares.

Qual nada! Sentia sono, mas não conseguia conciliar.

A bandeja sobre os livros, como ela a deixara: arroubavam-me possibilidades e frustração.

Sentisse fome, tascava um biscoito de sobeja - "fui eu quem fez os biscoitinhos!" - E, queriam parecer, tinham gosto de pêssego os malditos! Comia-a, cada mordiscada.

De volta à cama, mirava uma manchinha no teto. Como não me alheasse desse ponto, ia turvando-se-me a visão. E, afinal, aquela pasmaceira rendeu-me. Adormeci.

Sonhava com Veridiana, naturalmente. Batia à minha porta. Houvera capitulado. Entregar-se-ia.

- Abre, por favor!

Não era sonho.

- Eu sei que está acordado. Vou ficar até você abrir.

Era um meio sono. Tomava tento dos fatos e das facticidades.

- Eu só desejo falar... um instantinho! Depois, eu vou...

Revolvi-me sob os lençóis. - Não! Não cederia! E meus brios adolescentes?

- Ciro vai acordar. Abre, sim?

Tremi. O nome do velho me fizera decidir. Eu quem capitulou... - Mas seria um átimo! O necessário para ela se desculpar e ir andando! Nada mais!

Dei volta à chave. Quase imediatamente arrojou-se para dentro, fazendo-me, brusco, recuar dois passos. Cerrou novamente. Moveu a maçaneta para se convencer.

Encostada ao umbral, examinava-me, como de costume. E, como de costume, vexava-me o lustro de ébano dos seus olhos. Traziam absconsos os arcanos todos, para bens e males. Ansiavam encontrar-me. Ansiavam perder-me...

Avançou. Segurou-me as faces. Aproximou-me de seu busto cheiroso, apertando-me entre braços de pêssego. A boca de pêssego me foi beijando a testa, os olhos, o rosto... Colhi, por fim, carnoso mesocarpo em meus lábios.

O efeito imediato de seus beijos não o pude ocultar. Não enrubesci, porém, como antes.

- E então? O que acontece?... - pensava. Preocupavam-me questões viris de rapaz virgem.

- Que horas são? - perguntei-lhe, afastando as tais questões.

- Há tempo...

Serena, levou-me pela mão à cama.

Sentamo-nos.

- Você não deve temer - percebendo-me algo apreensivo.

Acariciou meus cabelos desgrenhados, de parte em parte.

Ajuntou-se mais. Com vagar, friccionava meus joelhos. Tanto mais energia aplicava nesse trabalho quanto mais escalava minhas coxas nuas. E galgando assim, abarcou-me por sobre a roupa o membro erétil - ereto há muito, mal aprisionado no pijama esgarçado.

Em suas palmas parecia suster com desvelo um pássaro raro, receosa que esvoaçasse. Afagava-o com suavidade, mas firme, não lhe dando fuga ao cativeiro que lhe preparava.

Refregando sempre, arrancou-me as vestes. Com estrépito, rui no colchão de molas. E me foi logo cobrindo o peito pálido a língua cálida. E revoluteava pelo meu corpo, deixando-me um delicioso cuspo pêssego, ao longo.

Voraz, quis também saber palatável o pássaro. Lambia-lhe a plumagem. Assustou-me quando, famélica, tragou-o. E a pobre ave fora impiedosamente consumida.

(Em outro ponto, já havia alertado meu casto leitor: é vão qualquer tentamen de transladar aqui o mundo de gratas sensações que me arrebataram, seja pelo meu aflorar ou pela inefável satisfação da descoberta. Lugar-comum seria o transcrever minhas incursões de homem adulto por conhecidas enseadas, pretendendo inexplorados seus córregos e grotas.)

Não dava por mim quando Veridiana, já esparramada em meu tórax, mordiscava-me o queixo e os lóbulos da orelha, numa quase fartura feliz.

Inopinado, pega-me pelos ombros e giramos os dois, escanchando-me em cima de si.

Arrepanha a saia. Guia minha mão em meio às suas pernas. Fê-la repousar em úmido baixio. Ensinou ao meu dedo médio a razão por que foi feito. Enquanto sulcava a terra da semeadura, suspendi-lhe a blusa apenas o suficiente para lhe sorver um seio.

Veridiana arfava.

E foi num rompante de louco o despegá-la de panos que lhe restassem.

Adentrava para o orbe dos eleitos!

Frenesi.

Dizer de prazeres é vago. Apartei-me de mim. Transcendi. Divino gozo.

Entremeavam-se nossos suores num amplexo de mil anos. Dentro dela permaneci, longamente, até que nossos corações batessem ao mesmo pulso, aquietados num sossego de saciedade e gratidão.

O cheiro da aurora prenunciava a partida.

O ronco de Ciro já não ecoava na casa.

Sozinho, ainda nu, contemplava o semblante daquele jovem dependurado, à cabeceira. O que ele viu, cria eu, suavizara-lhe as fendas de muito sofrer conferidas pelo escultor. Acreditei sorrir comigo.

2007, 29 Mar