FORTUNA

Há um tempo atrás, tive um sonho estranho.

No começo, não sabia o que era e nem onde estava. A única coisa que eu conseguira registrar fora o frio intenso que parecia rasgar a minha pele. E me lembro bem o quanto o lugar era escuro e úmido. Era um sonho real demais, pois sentia o medo do desconhecido me ferir por dentro, deixando-me inseguro, afinal, estava em um lugar completamente estranho.

Enquanto tentava me situar, vi que uma luz acendera-se. Era uma chama fraca e tremeluzente, frágil como um suspiro. A dúvida consumiu-me: caminhar em direção àquela luz ou permanecer no mesmo lugar, onde já estava habituando-me com a gélida solidão?

Decidi que nada poderia ser pior do que manter-me naquele estado de inércia. Com a segurança de um herói moribundo, caminhei no escuro, tendo aquela chama como meu guia. Vacilei e estremeci, mas em momento algum desisti.

Então aquela fraca chama tremeluziu e meus olhos tiveram de se acostumar com a iluminação um pouco mais forte do aposento onde eu chegara. Somente ali eu havia me dado conta de que estivera caminhando em um longo corredor, cheio de sombras e sussurros.

Olhei ao redor, ainda surpreso e confuso, e finalmente notara que não estava mais sozinho.

Três damas trabalhavam absortas em sua tarefa manual, como se não notassem a minha presença ali. Às vezes me pergunto como um sonho pôde provocar tantas e tão diferentes emoções em mim. Se antes senti medo, naquele momento eu sentira uma mistura de receio e reverência.

A primeira tinha em suas mãos jovens e delicadas um fuso e uma roca e trabalhava na confecção de fio. Aproximei-me, sem conseguir conter a curiosidade, e observei que a princípio, o fio era incerto e mal feito.

Pensei em contestá-la, saber a razão para que ela não se esforçasse mais em seu afazer, mas havia algo de lúgubre e intimidante na maneira como ela se portava e como fazia o fio deslizar por entre seus dedos pálidos.

Então, aproximei-me da segunda dama. Igualmente misteriosa e compenetrada, ela trabalhava incansavelmente em seu tear. Inacreditavelmente, o fio rústico e incerto que saía do fuso da primeira tecelã, tornava-se perfeito, enquanto era confeccionado em tramas bem feitas e fechadas, quando chegava às mãos da segunda.

Como a primeira tecelã, a segunda não ergueu os olhos de seu tear, como se o que fizesse fosse o labor mais importante do mundo. Não a perturbei, e me permiti admirar o seu trabalho em muda surpresa.

E novamente aquele estranho pavor que sentira a princípio, enquanto caminhava no corredor sombrio, invadiu-me com força.

A terceira dama que permanecera nas sombras, olhou-me com seus olhos sagazes e perscrutadores, como se fosse capaz de ler tudo o que havia dentro de mim, fosse isto bom ou ruim.

-Quem são vocês? – Indaguei, sentindo um pavor gélido correr em minhas veias.

-Por muitos nomes somos chamadas, mas a nossa função é sempre a mesma. Nas mãos da primeira tecelã o fio da vida é fabricado. Embora incerto, ele sempre tem de ser assim, para que nas mãos da segunda tecelã, que trança as tramas do destino, possa adquirir a sua própria consistência e a sua forma.

-Estão nas mãos delas o poder de tecer a vida dos mortais? – Eu perguntei.

-Elas apenas tecem com o fio que lhes é confiado. Se um fio tem uma qualidade melhor, este será mais rico quando for trabalhado, e o contrário também ocorre, um fio ordinário renderá em um material mais improdutivo.

A terceira dama se calou e voltou a encarar suas companheiras, e eu permaneci ali de pé, sentindo uma angústia indizível comprimir o meu interior.

-E qual é a tua função?

Como se estivesse apenas esperando por aquela minha indagação, a terceira dama voltou a encarar-me com seus olhos mortiços e respondeu:

-A minha é interromper o trabalho delas quando é chegado o momento.

E com um movimento leve e ágil, a terceira dama levantou-se e tomou o fio das mãos da tecelã do destino. Em suas mãos refulgiu algo semelhante a uma tesoura de prata e no momento seguinte, ela talhara o trabalho de suas companheiras.

Acordei de súbito, sentindo o suor frio escorrer por meu rosto, enquanto tentava controlar o tremor de minhas mãos.

-O que foi querido, teve um pesadelo?

Minha esposa olhou-me com preocupação e eu apenas assenti, incapaz de dizer algo mais. Ela aguardou até que eu me acalmasse, e seu espírito sereno sempre tivera esse poder sobre mim. Contei a ela o sonho e a estranha conversa com a dama de olhar obscuro, narrando todo o horror que senti ao ver o modo como ela cortara o fio da vida de alguém. Aquele negror parecia me afogar em desespero ante a certeza do inevitável, ante a certeza do que me aguardava.

-E porque esse pavor todo? – Minha mulher me perguntara naquela noite, quando terminei o relato. – Foi apenas um sonho.

-Não é assustador pensar que existe uma força que tenha poder sobre as nossas vidas?

-Podemos tentar fugir dos problemas, inventarmos novas maneiras de encarar os acontecimentos, mas não podemos fugir da morte. Aquilo é algo que nunca irá mudar embora nos pareça apavorante.

Eu tentei retrucar e esbravejar o quanto aquilo tudo poderia ser injusto, mas naquele momento compreendi que talvez a trama da nossa vida pudesse ser incerta, mas que o nosso destino sempre nos levaria à morte.