MAIS UMA VÍTIMA



Agitação. Pessoas emocionadas balançando seus cartazes. Bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo lançadas por policiais impressionados com a multidão nervosa. Spray de pimenta nos mais exaltados...Jovens gritando palavras de ordem: "sem violência...", grupos cantando o Hino Nacional. No meio da confusão, ele nem percebeu que estava desprotegido, sem a máscara anti gás. Conferiu a hora, preparou a câmera para mais uma foto espetacular. Sentia orgulho de ser repórter fotográfico, registrando grandes acontecimentos ao longo de sua carreira premiada. Aquele era mais um momento histórico. Uma foto tirada no ângulo e momento certo falava por si, era uma poesia, uma história. O material era enviado para revistas e emissora que trabalhava. Postava no Blog e no Instagram. Seus seguidores adoravam o estilo carismático do seu trabalho. No auge da carreira, havia lançado o terceiro volume do livro: A Arte de Fotografar Momentos. Era um profissional brilhante, reconhecido internacionalmente pelo talento que possuía.

Hoffman, como era conhecido, acenou para um colega que se dirigia para um princípio de tumulto, não teve resposta. Ele o seguiu não entendendo direito o que estava sucedendo... No local havia vários repórteres de emissoras de TV, de rádio, de jornais e revistas semanais. Ele notou um corpo estendido no chão, o sangue espalhado no asfalto, paramédicos tentando reanimá-lo, desfibrilador ligado, várias descargas no tórax para reverter a fibrilação cardíaca...Hoffman, ainda não estava percebendo o que estava ocorrendo, procurou falar com colegas de imprensa mas não foi ouvido. Viu uma amiga enxugando as lágrimas, em instantes seria chamada ao vivo para dar a notícia...tocou nas costas da amiga e nem foi notado. Pensou: que estranho! De repente, chegou mais perto e viu aquele corpo. Resolveu tirar algumas fotos...notou que tinha algo errado...
_Mas espera aí...aquele sujeito sou eu! No desespero, começou a gritar: 
_Hei, pessoal, to aqui, gente...o que tá acontecendo...é meu corpo que está no chão, mas eu to aqui...alguém me ouve? Eu to bem gente, ouçam, falem comigo...por favor...alguém me ouve...?" 

Um desconhecido ouvindo o seu clamor disse:
_Não adianta... eles não podem ouvi-lo...
Ele se virou. Viu o semblante sereno de um senhor... :
_Como assim, não podem ouvir-me...você não me ouve?
_Te ouço perfeitamente, porque é minha missão. Recebi o chamado quando aconteceu. Não se preocupe, vou orientá-lo...
_Mas...chamado, do que o senhor está falando...o que aconteceu...?
_Bala de borracha. Você estava fotografando uma agressão e o policial mirou na sua testa. O impacto foi tão violento que você caiu para trás, bateu a cabeça no meio fio. Perdeu os sentidos, causando traumatismo craniano e falência múltipla de órgãos.

Hoffman não estava acreditando, observou as pessoas ao redor do seu corpo, os repórteres revoltados, noticiando, ao vivo, para emissoras a morte de um colega causada por tiros de balas de borracha. Hoffman foi mais uma vítima do Grupamento de Choque da PM, que continuava atirando sem critérios, sem direção, com o único objetivo de atingir quem estivesse na frente. Foi alvejado no momento que estava fotografando a agressão de um policial lançando gás de pimenta numa senhora grávida.

O senhor de semblante sereno se aproximou com um aparelho na mão, digitando alguma coisa e Hoffman curioso perguntou:
_O que é isso?
_Time Machine (Máquina do Tempo), um momento, estou gerando seu protocolo...pronto. Tenho de deixá-lo, vou para outro atendimento. Você ficará com esse aparelho. Caso não visualize uma Luz quando eu me retirar, aperte o botão verde. Siga as instruções que o Time Machine indicar...não esqueça de fornecer o protocolo. Preciso ir... e desapareceu na noite.

Nenhuma Luz surgiu. Alguns momentos de espera e Hoffman apertou o botão verde ouviu um sinal e a voz:

"Se você está perdido e não sabe para onde vai tecle 1,
se você não está entendendo nada até agora, tecle 2,
se estiver preocupado com o que deixou para trás, tecle 3,
se estiver com medo do que vem pela frente, tecle 4...
tecle 9 para falar com um de nossos atendentes ou 8 para
voltar ao menu principal"

Hoffman precisava falar com alguém, precisava ouvir a voz humana, queria entender a razão e o porquê de tudo, queria respostas. Ele teclou 9 e do outro lado uma voz feminina dizendo: 
_Boa noite, meu nome é Stella, qual a sua dúvida, em que posso ajudar...?
_Stella, meu nome é Hoffman, ou era, nem sei mais quem eu sou, ou se não sou, ou se serei, queria saber para onde estou indo, porque no momento to completamente perdido. Levei um tiro de bala de borracha e me vi no chão, cercado de pessoas e sendo atendido...mas aquele senhor sereno que me apareceu disse que eu tive traumatismo craniano e falência múltipla de órgãos...
Tentei falar com vários colegas sem sucesso, ninguém notou a minha presença, foram em vão as minhas tentativas...era como se eu não existisse, minha voz ficou estranha, eu estava fora do meu corpo, mas ele estava lá, estirado no chão, inerte, sem os sinais vitais. Stella respondeu do outro lado:
_Entendo senhor... por favor, qual o protocolo de atendimento para dar sequência no seu caso, verei o que posso fazer...
_Ah, um momento...deixa eu ver é...28062013*- Stella respondeu:
_Aguarde na linha para que eu localize o seu cadastro...mais um momento...por favor, mais um momento...mais um momento,Senhor Hoffman...peço que desligue o Time Machine, aguarde 20 segundos e reinicie. Depois do procedimento tecle "movie", vai aparecer uma Luz prata e um Portal, peço que entre nesse Portal. Fique tranquilo, depois não se lembrará de mais nada...

Foi uma longa noite de passeatas em várias cidades do país reunindo milhares de manifestantes. Uma nova etapa na política brasileira havia iniciado. Hoffman estava no leito do hospital, recuperando-se da abrupta interrupção da circulação sanguínea, em decorrência do disparo covarde da bala de borracha que atingiu sua testa. Familiares, colegas jornalistas e amigos aguardavam ansiosos as notícias sobre seu estado de saúde. O último boletim médico dizia: "Seu quadro é estável." 

Enquanto isso, noticiários do mundo inteiro destacavam a violência da Tropa de Choque da PM e o tiro à queima-roupa de bala de borracha,disparado na cabeça do jornalista.




.
Alberto SL
Enviado por Alberto SL em 07/07/2013
Reeditado em 06/11/2013
Código do texto: T4375863
Classificação de conteúdo: seguro