Estranha Fiel Companheira

Heraldo estava um pouco irritado, odiava enterros, mas sabia que sua presença era muito importante naquele. Um de seus chefes havia falecido, viveu até os noventa e um anos ocupando o cargo de maior representatividade da empresa. Terminado enfim o enterro, poderia ir para casa, estava cansado, andava com pressa sempre olhando as lápides e tentando imaginar que tipo de vida teria tido cada uma daquelas figuras ali estampadas, até que não viu e esbarrou em um menino que corria sem parecer possuir algum destino previamente calculado. Notou que o menino deixou cair uns brinquedos, bonequinhos em miniatura. Tentou alcançá-lo, mas sem sucesso. Decidiu distribuí-los com outras crianças que estavam ali por perto.

Dezoito anos mais tarde, Heraldo saía com sua noiva para dançar como sempre fazia em todos os fins de semana. Dançavam maravilhosamente bem até serem atrapalhados por uma moça lindíssima que se chocava com eles. Ela se desculpava apressadamente e desaparecia sem que ninguém pudesse mais vê-la. Heraldo estava muito bem com sua noiva, tudo indicava que agora o casamento iria sair, pois ocupava um cargo dentro de uma das mais importantes diretorias de sua empresa.

Era chegada a semana do casamento de Heraldo e sua noiva, tudo quase pronto, só o dia chegar era o que faltava para que tudo se confirmasse. Então que um telefonema mudaria tudo entre eles dois. Estavam dizendo a Heraldo que comparecesse rapidamente em determinado endereço, este último que não o era estranho. Chegando lá viu algo que não esperava e nem queria ver. Seu mais “confiável assessor” estava com sua noiva na cama. Resolveu então sair para o primeiro lugar que o atraísse. E então bebeu, mas não exageradamente, mas um pouco mais do que estava acostumado. E dançou, não era estranho aquele rosto que via, mas como estava um pouco alterado, não registrava lá muito bem o que estava vendo.

Três anos depois, Heraldo já estava pensando novamente em casar-se, dessa vez esperava ter escolhido melhor sua noiva, mas mal sabia ele que iria se decepcionar novamente. Sua quase futura esposa da vez havia sido pega envolvida em um caso de suborno a um juiz. Logo ela que passava a imagem de mulher corretíssima e honesta. Ia mais uma vez Heraldo tentar o refúgio em suas saídas noturnas sem destino certo. E novamente pensou ter visto alguém familiar, mas quem era? Aquilo começava a lhe intrigar. Sempre que saía à noite se deparava com a sensação de já ter visto alguém. E sempre que se esforçava para detalhar em sua memória aquela imagem, ela desaparecia do nada da frente de seus olhos.

O desconhecido acabava se transformando em uma obsessão, pois começava a sonhar noite após noite. Nos sonhos sempre o via perseguido e perseguindo uma mulher a qual nunca alcançava e mal podia enxergar seu rosto. Agora já não saía à noite com o objetivo de só se divertir, mas também de finalmente descobrir quem era aquela mulher que parecia acompanhá-lo mesmo que de modo oculto.

Várias saídas de Heraldo foram em vão, pois fazia algum tempo que não a notava mais ali nos lugares por onde ia. Até que finalmente foi novamente surpreendido. Estava assistindo um espetáculo em um teatro que estava lotado e notou que algo muito leve caía sobre ele. Era uma flor, muito bonita, a qual não tinha visto nenhuma parecida antes. Quando olhou para cima viu aquela que era a protagonista de todo o mistério. Ele nunca a tinha visto tão linda, e nem de modo tão claro. Estava ela sentada nos camarotes que ficavam bem acima de onde ele se encontrava. Vendo que ela continuava ali, continuou a assistir o espetáculo na esperança de, ao final, conseguir encontrá-la. Frustrou-se então mais uma vez, pois ela havia sumido novamente.

Seus sonhos então mudavam de tema, agora eram mais românticos, mas ainda regados de algum mistério. Dia desses Heraldo acordou decidido que não iria mais perder a oportunidade de resolvê-lo. Tudo já não se resumia a apenas desvendar todo o acontecido, pois já estava de certa forma encantado com aquela visão. Planejou então sair para algum lugar onde conhecesse bem as saídas e onde elas levavam, além de não serem tão numerosas.

Estava ele novamente em um teatro, assistindo um divertido espetáculo e não demorou para localizar àquela cuja imagem não saía de sua cabeça. Ela estava com uma pequena lanterna e fez sinais para ele que a avistou. Havia estudado bem por onde ela sairia e então foi ele quem “sumiu” dessa vez. Surpreendeu-a na saída e estava muito ansioso para, enfim conhecê-la.

Ela mostrava um olhar de pânico, tinha a respiração acelerada, mas ouvia com atenção o que Heraldo dizia: ele perguntava por que ela sempre fugia e qual era a razão dela persegui-lo. Ela respondia diversas vezes a mesma coisa: “você não vai lembrar, você não vai lembrar..”. Ele então perguntava o que ele devia lembrar. Foi então que finalmente ela começou a esclarecer tudo dizendo: “Um dia, eu estava sentada, tão triste, como em quase todos os dias de minha vida, e você chegou e me ofereceu uma bonequinha pequena de pano. Eu nunca tinha recebido nada de alguém que não fosse por algum propósito. Tinha a certeza, até aquele momento, de que a vida era cheia de interesses. Mesmo pequena já tinha toda essa visão da vida, pois tinha sido muito usada por alguns de meus familiares. Não conseguia enxergar amor em nenhum deles, era tão totalmente triste... Então, quando você me deu aquele presente comecei a ver o mundo de outra forma. E passei a ter certa fascinação por você. Seguia-o, acompanhava-o, queria sempre saber de tudo que lhe acontecia.” Então Heraldo interrompia-a perguntando porque ela sempre fugia dele. Ela então respondeu: “Tinha medo de que a imagem que eu tinha de você acabasse, guardava certa distância que me mantivesse segura que isso não acontecesse”. Então Heraldo tomou-a nos braços e prometeu que tentaria nunca decepcioná-la desde que ela lhe prometesse o mesmo. Saíam então juntos e cada vez mais se descobriam e se encantavam um com o outro. Seria um novo amor? Pelo menos parecia que sim.

Frank Santos
Enviado por Frank Santos em 10/04/2007
Reeditado em 13/04/2007
Código do texto: T444271