A TELA DE UM MOURO

Ainda pela manhã, quando toda a propriedade parecia se esconder sob a neblina, ouvia-se a movimentação de cavaleiros no pátio. Alin Mohamed, o pintor, terminava a tela para qual havia sido contratado. O conde Eduard e a condessa Lavínia desejavam a exposição da tela no jantar que aconteceria em um mês, quando estariam presentes parte da alta nobreza do reino e também da França. Havia sido, no entanto, uma noite muito diferente das demais, pois ainda que pincelando detalhes do vestido da dama, sua mente o torturava com as ameaças que caiam. A igreja determinava a execução dos que fossem considerados hereges e a inquisição perseguia agora os cristãos novos, os que haviam se convertido. Obrigatoriamente ele se converteu no reino de Castela, assim como tantos outros mouros e judeus. Retomavam a inquisição e os mouros estavam sendo assassinados em nome da santa fé.

Seu talento fizera com que se destacasse na preferência de cavalheiros e damas e assim os convites para os feudos possibilitaram a Alin Mohamed, constantes mudanças. Ele temia o terror da inquisição que levara muitos à morte na fogueira e a torturas nos calabouços. As acusações podiam ser feitas sem a identificação do acusador e assim, eram vítimas os que, de alguma forma, deveriam ser eliminados por motivos até mesmo pessoais. O pretexto era combater a heresia e difundir a fé cristã, porém os calabouços se enchiam de amantes ou de pessoas que detinham informações valiosas que poderiam, se reveladas, prejudicar o senhor feudal.

Em Castela, presenciara algo que agravava ainda mais a sua situação. O Cardeal planejava um golpe com alguns membros do conselho, pois objetivavam destronar D Afonso VIII. No entanto sua presença não havia sido notada a não ser por Sir Max e esse tinha motivos para não denunciá-lo, pelo menos assim esperava que fosse. Sir Max, um cavaleiro do rei, passara um mês no feudo do Duque de Montaim, e a sua permanência lá soou natural a todos graças a ajuda de Alin, o pintor. O cavaleiro havia dormido com a duquesa e os amantes seriam descobertos pela manhã já que acometido de violentas dores, ele não conseguia sair dos aposentos. A Duquesa, desesperada, implorou ao pintor que os ajudasse , encobrindo a verdade e salvando-os da morte certa. Foi assim que Sir Max ficou em dívida de gratidão com o pintor. Estimado por seu talento, Alin contou uma estória e ninguém duvidaria de suas palavras. Ele disse que Sir Max conversava com ele quando caiu ao chão, sendo madrugada, voltavam da sala de jogos e ao passarem pela porta dos aposentos da duquesa, um mal súbito causou-lhe dores violentas e impossibilitou com que o levasse a outro lugar. Tendo então, deitado o cavaleiro ali mesmo, na cama da nobre senhora.

Em Sevilla, a vida seguia calma, rodeado pela segurança de que jamais seria procurado e executado por saber sobre o golpe que estava sendo planejado em Castela. Além da tela que terminava para o Conde Eduard, tinha agradáveis tardes nos jardins, e noites quentes nas tabernas regadas a vinho. Esses eram os quadros que ele pintava para si mesmo, os que mais gostava. As demais telas lhe roubavam noites de sono, mas mantinham o seu sustento e certo conforto, já que isso lhe permitia ter um aposento junto a nobreza.

Naquela manhã porém, a paz havia deixado o seu mundo, todo o barulho do pátio era bem mais significativo que os que habitualmente tomavam conta do lugar. Seguia pintando, apesar de suas preocupações. Contornou o vestido azul da condessa, e cobriu de tom verde as esmeraldas que lindamente enfeitavam o pescoço da dama. Apenas esses dois detalhes finalizados e finalmente ele estaria livre. A tela seria colocada no planejado jantar dos condes e encantaria os convidados. Sim! Encantaria. O barulho do pátio subia as escadas, agora subia ainda mais rápido, se aproximava da sua porta, invadiu o aposento. Eram os inquisidores. Deixou seu pincel sobre a mesa, cuidadosamente colocado, olhou a sua tela. Perfeita! Uma Heresia... E seguiu então ao encontro da tortura, do calabouço e dos gritos abafados pela fogueira que o consumia .

Simone Stone
Enviado por Simone Stone em 26/08/2013
Reeditado em 26/08/2013
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