Capuz
Correndo, sentindo o ar passar cortando pelo rosto. Por mais que não estivesse um clima frio, seu suor escorre gelado, mas nem pinga nos seus ombros: você já está bem à frente das gotas a cada segundo.
Medo.
Seu coração bate forte e bombeia sangue pelas veia, como carros numa corrida. Sua visão aumenta, o tempo diminui, a respiração fica leve.
Sobrevivência.
Olha para o lado e não vê ninguém. Onde estão? De repente surge o primeiro. De camisa preta e capuz.
Desespero.
Você está quase em segurança. Mais alguns metros e estará a salvo.
Esperança.
Olha para trás, por cima do ombro, procurando o outro capuz: nada. Tenta novamente, agora por cima do outro ombro, e lá está ele: alguns metros atrás. Longe o bastante para não te alcançar, mas perto o suficiente para vê-la cair. Uma pessoa que você ama, acabou de tocar no chão. E ficar lá.
Revolta.
Olha para o lado novamente e vê o outro capuz com a cabeça baixa. Correndo na sua velocidade, mas agora com menos motivação. De repente um barulho ensurdecedor de sirene e um carro freia exatamente atrás de vocês. Dele saem dois homens de farda armados.
Salvadores.
Sua esperança, apesar da revolta e do desespero, ignora a sobrevivência e o medo. Você age. Seus pés trocam de direção e a corrida simplesmente para. O outro capuz continua, sem reparar em você e chega na área segura.
Alívio.
Os dois homens nem reparam em você estar ali ainda. Vozes, gritos e estampidos ecoam pelo ar, enquanto dois vultos correm de encontro a vocês três.
O capuz caído continua lá.
Sua amada, morta?
Dois passos e estende a mão. Fala algo a um dos homens, que trava por meio segundo antes de obedecer.
Mais dois passos largos.
Agora uma corrida.
Aponta para frente o que o homem te deu.
Silêncio.
Calma.
Paz.
Respira... para de respirar.
O dedo desliza de leve.
A pressão aperta num susto o gatilho. Assim deve ser.
O tempo está tão lento que você vê o primeiro vulto caindo e o segundo diminuindo a velocidade, mas não há tempo: na metade da distância entre vocês dois, a morte gira e voa em sua direção numa velocidade acima de 300 metros por segundo.
Metade de um oitavo de segundo depois.
30 metros a sua frente.
O vulto cai.
Sua corrida ainda não acabou, mas o tempo voltou ao normal. Sua respiração agora está acelerada novamente e seu coração continua disparado em seu peito. Você passa pelos vultos no chão, sabe precisamente que estão mortos ou que só voltaram para o lugar de onde vieram: demônios.
Agora sim. Os passos diminuem até parar. Você se agacha ao lado do capuz e retira o pedaço de pano da cabeça daquela pessoa.
Sua amada, morta!
Você a abraça forte e grita alto. Tão alto que provavelmente, no inferno, os vultos tremeram de medo ao ouvir.
Fecha os olhos e então ao abri-los novamente está abraçado com seu travesseiro e seu celular desesperado toca.
É ela.
Sua amada, viva!