No consultorio

"No consultório"

A cena a seguir é fruto de mais uma das histórias que imagino tendo como cenário o palco de um teatro, uma das mais belas artes que existem, local onde o ator é testado na plenitude de seu talento, e o público tem um contato muito particular. Guilherme, um extravagante ator, precisou procurar os serviços de leonardo para se livrar de uma síndrome do pânico. Aqui é só uma cena. Mas tem toda uma história pra ser contada além dela. Boa leitura! CENA: CONSULTÓRIO DE leonardo / DIA / INTERIOR (O Consultório tem uma janela com persianas, donde não se vê o lado de fora, mas entra luz do dia. Por isso a importância da descrição “Dia”)

GUILHERME. (estatura média, cabelos castanhos, magro, rosto angular) entra no consultório com o semblante sério. LEONARDO (alto e mais encorpado, cabelos negros) está mexendo no computador, concentrado, mas vê que ele entrou.

lEONARDO (olhando para o computador) Boa tarde. Mais um dia de conversa boa, né?

Nem vem, LEONARDO. Hoje eu não estou pra conversar nada.

lEONARDO Ué. Então por que veio aqui?

GUILHERME Nem sei, pra te ser bem sincero. Sabe aqueles dias de cama? Hoje é um desses pra mim. Devia ter ficado em cima dela.

LEONARDO(Curioso) Nossa... Mas o que de tão ruim aconteceu com você hoje?

GUILHERME encara Leonardo que olha para baixo e começa a preencher uma ficha com os dados da consulta.

Guilherme Ah não! Eu não vou falar um “A” se for pra você por na ata.

Leonardo Isso não é uma ata. É apenas pra eu ter controle da sua evolução. Faz parte. E não, Senhor Guilherme tavora, isso aqui não pode ser visto por ninguém. Nem pela Luzia.

Guilherme Não mesmo?

Leonardo (Debochando) Ética Médica... Sacou?

Guilherme esboça um sorriso, debochando da fala de leonardo, que volta a fazer anotações.

Guilherme Ok! Vou contar... To com uma proposta nova pra atuar, mas to morrendo de medo disso. Sei lá, fracassar da última vez me rendeu visitas aqui. Se eu fracassar outra vez, vou parar onde? Manicômio?

Leonardo ri de Guilherme.

Guilherme Ei! Onde está sua “ética médica”? No código lá de conduta não tá escrito que não pode rir do paciente? Hein, doutor?

Leonardo Não é isso,. É que o jeito como você falou foi engraçado. Mas, me desculpa. É verdade que não posso rir de você. Mas, bem, pelo que você já me falou da ultima vez, não foi você quem fracassou. O texto não era bom, e a... Montagem... Ela não foi bem feita...

Guilherme É... Isso é mesmo.

Leonardo O seu problema é que você é muito intenso,. Lembra que já falamos sobre buscar um equilíbrio? Pois é. Se não for assim, esse medo que você está sentindo vai crescer, e crescer, e crescer... Até chegar ao ponto que o trouxe até mim. Se agora você está melhor, é porque baixamos esse nível de stress que tá sempre girando aí dentro de você.

Guilherme Você não sabe o quanto é difícil isso que tá me pedindo.

Leonardo Ué... Claro que eu sei. Esqueceu que eu sou o psicólogo? A questão, Zé, é que esse medo aí só vai ser quebrado pela sua força de vontade. Eu ajudo, mas quem muda é você. Só você.

Guilherme Não, não... Você sabe, porque também não é lá o rei do equilíbrio.

Leonardo (Surpreso) Como assim?

Guilherme Olhe para esse consultório. Tô notando isso desde o primeiro dia que vim aqui. Tudo muito no lugar, tudo muito certinho. Sua mente é fascinada por ter tudo no lugar. Será que sua cabeça é organizada desse jeito? Isso também é mania, não é?

Leonardo Olha, o psicólogo aqui sou eu. Não é me questionando que você vai se encontrar, e domar seu problema. Você tem que perceber os “defeitos” que existem dentro de si, e não no mundo à sua volta. Então, vamos nos concentrar no seu problema?!

Guilherme Ficou nervoso por causa de uma constatação minha? Ora, leonardo

Leonardo Não é isso. Olha, eu não estou querendo te transformar em um leonardo Gross. Essa não é sua essência. Não é para você ter a mim como modelo. E é isso que você está tentando fazer.

Guilherme Não é não... Foi só um comentário. E nem era pra causar essa revolta toda em você.

Leonardo Apontar os meus possíveis defeitos é um jeito que você está encontrando de justificar os seus. Isso não pode ser. Você nunca vai ser igual a ninguém, assim como ninguém jamais será como você.

Guilherme pega um bloquinho e passa a fazer anotações.

Leonardo O que você tá escrevendo?

Guilherme Não só para eu não me esquecer de algumas coisas das nossas consultas. Só um minutinho: “hoje aprendi que não posso comentar com o psicólogo sobre os jeitos dele, porque é uma ofensa ao exercício da psicologia”. Pronto! Podemos continuar.

Leonardo cai na gargalhada. Você não existe.

Guilherme Claro que existo. Olha eu aqui. Vamos continuar?

Leonardo Já deu sua hora.

Guilherme Ah, mas agora que tava ficando legal...

Leonardo Quando a conversa é boa, nem notamos o tempo passar.

Guilherme É verdade, né? O bom é que sempre que venho aqui me sinto um pouco mais forte.

Leonardo Que bom. Me sinto útil assim. Marcamos a próxima já?

Guilherme Vou ver isso com a Luzia. Obrigado pelo papo.

Leonardo Que isso. Precisa agradecer não.

Guilherme vai saindo do consultório, se detém, e olha para leonardo.

Guilherme Pensa no que eu te falei, tá? É sério... (olhando para o ambiente) Tá arrumadinho demais!

Leonardo Até a próxima, Zé! Um abraço.

Guilherme (abrindo a porta) Até!... Dá uma pensada nisso.

Guilherme sai. Quando ele fecha a porta, leonarde começa a observar o lugar.

Leonardo É... Talvez! (pausa) Não, não. Pode parar, Guilherme. Você não é o paciente.