João e a luz

Em plena madrugada João caminha.

- Que pressa é essa João? (pergunta um homem), e João diz:

- Que pressa?

- Essa que guia teus passos, que te joga aos tropeços, que te tira a visão.

- Não é pressa, é medo. (diz João com voz tímida)

- E medo de que?

E reponde João...

- Medo do escuro.

- Que escuro é esse, que só a ti aparece? Não vê que é lua cheia, e que as luzes de Natal iluminam a cidade em formas e cores?

- Mas não é esse o escuro de que falo.

- Mas que escuro é esse então, que te acovarda e apressa o passo?

- Escuro que cobre com manto pesado e sem medidas qualquer luz. É o escuro da alma.

- E para onde vai, com esse medo convertido em pressa, que a mim mais parece fuga?

- Vou buscar a luz.

- E que tipo de luz procura?

- Qualquer luz que ilumine por dentro, que destaque qualquer cor, que não deixe sombras em meu chão.

- É só olhar a sua volta João. Veja... veja quanta luz aqui se instala!

- Não é essa a luz que procuro...

Diz João, com a inquietação vencendo a paciência.

- Então qual será luz essa tão misteriosa, que em meio a tantas outras não se vê em canto algum?

- É a luz da alma.

- E alma lá tem luz? E pobre lá tem alma João? Ora... deixe disso, que andar assim não te protege do mau que acha sofre. E se achar a tal luz, e um dia se apagar? Vai voltar a sombra João, e o escuro? E andará a vida inteira em busca de luz? Que busca é essa João? Volte para casa, que essa busca não tem sentido.

João responde, já com a tolerância por um fio de ir embora.

- Ora... não me amole! Se não pode me ajudar, pelo menos não me tome o tempo, que muito ainda tenho a andar.

João da então as costas ao homem, e continua sua procura.

Ao voltar, pela mesma rua, após horas de andanças pelo bairro afora, encontra João o tal homem - (que só agora lhe veio a curiosidade de saber, de onde o conhecera, para lhe chamar pelo nome. João.) – ali parado no mesmo lugar.

- Achou a tal luz João?

- Não. Procurei a noite toda. De nenhuma rua me esqueci. Procurei em todos os cantos, becos, avenidas. Mas pra cada passo que eu dava, mas tal luz se afastava, como imã colocados sobrepostos em polaridades equivalentes. Como sol e lua acho que somos, eu e a luz remédio.

- E agora o que fará? Se nem sol nem lua temos agora já que o dia veio cinza e a chuva não se demora? Caminha rumo a tua casa João, que a chuva agrada o chão, mas dificulta a caminhada.

E não achou João a luz em canto algum, e de tanto andar, o corpo padeceu por instantes, enquanto se sentava para um café em bar qualquer. Dormiu na rua, junto a cães, pombos, mulheres perdidas no caminho e bêbados, que tão semelhantes se faziam no momento,que parecia João naquela calçada em seu quintal.

Mas a frente se encontrou o tal homem, com um outro sujeito que por ali passava sem itinerário algum.

- O que faz João ali deitado?

- Se entregou ele ao cansaço, de tanto andar e procurar pela tal luz.

- Mas disseram por ai, que uma luz o esperava, em frente a sua casa ontem por toda a noite.

- Devo então contar-lhe tal coisa, afim de que ele regresse a sua casa para encontrar-la?

- De nada vai adiantar. A luz partiu de mala e cunha, pra lugar que ninguém sabe.

- E o que diremos a João?

- Nada. Pobre João. Já perdeu o nome, a integridade, a moral e até o rumo. Não serei nem eu nem tu, que o fará perder a esperança, que é tudo o que resta, para essa pobre vida infeliz. O que fará João, se em nova alvorada, não tiver mais o que buscar?

- É... de fato tens razão. Pobre João!

E ao acordar João continua a buscar a luz da alma.

Talvez um dia se acostume no escuro, ou então, apenas desista de tal busca.

Talvez espere até que a luz chegue...se é que vai chegar.