71 NO AUGE

O Sr. S. esconde a idade.

Perguntei à ele esses dias quantos anos tinha e me respondeu de sopetão: “ A gente tem a idade que sente que tem, que nos sentimos”. Ta bom, mas qual seria ela?

Não me respondeu.

Depois de alguns dias veio conversar comigo e contar um caso que lhe aconteceu algumas vezes, bater um papo informal sobre seu cotidiano, como gosto de histórias abri meus ouvidos, prestei atenção e fiquei à deriva. Contou-me que tem andando de ônibus ultimamente, pois como não paga mais passagem é mais prático e barato pra se locomover em alguns lugares e de certo modo acha divertido o contato com as pessoas, conversar, se distrair e colocar o corpo em movimento ao invés de ser sedentário.

Achei bacana.

Continuando a conversa me disse que ficou na parte da frente do ônibus em pé, não queria sentar pois existiam pessoas mais velhas para isso. Próximo ao lugar onde desce dirigiu-se à porta e pediu para que o motorista parasse pois iria saltar. Tal surpresa foi quando o mesmo disse que não abriria. “Mas como assim? Eu vou descer rapaz, por que não vai abrir?”

E o motorista sem dar muita atenção já foi logo dizendo que só desce pela frente quem tem idade avançada, claro que o modo de dizer não foi do mais educado e nem tão atencioso, afinal a preocupação com o trânsito de São Paulo já ocupa muito as pessoas que dirigem, fazendo com que um segundo apenas possa ser o causador de acidentes.

Voltando ao ônibus, o Sr. S. indignado disse que tinha idade suficiente para isso e pra muito mais, que podia sim descer pela frente e por isso estava ali. O motorista perguntou se ele estava com o documento para comprovar tal fato, que tinha que apresentar se quisesse descer pela frente sem pagar.

- Está aqui sim, ta duvidando? Não preciso mentir pra não pagar.

- Então apresente Sr.

Com uma mistura de raiva e sobriedade olhou para todos dentro do ônibus, que estavam atenciosos para saber o desenrolar dos fatos, sacou a carteira do bolso de trás olhando para o cobrador, pegou a identidade, virou-se para o motorista, estendeu a mão e entregou.

Este olhou, sem dar muita atenção foi logo dizendo: - Pode descer!

O Sr. S pegou o documento sem titubear, desceu os degraus com um sorriso maroto no canto da boca, mas antes de pisar no chão deu uma olhadinha rápida para dentro do ônibus e ouviu um cochicho de alguma senhora com o cobrador, dizendo com desconfiança que ele não aparentava ter a idade necessária para descer como idoso.

Isso lhe aconteceu algumas vezes me contava ele, e por ignorância eu não sabia qual era exatamente a idade mínima pra se ter a justa regalia de andar sem pagar e descer pela frente. Perguntei.

Descobri que para homens o mínimo é de 65 anos e mulheres 60.

Só ai percebi qual era a intenção dele estar me contando esse caso, aonde queria chegar explicando com detalhes uma situação que até tal momento eu imaginava ser constrangedora, irritativa, com risco de conseqüências até inesperadas. Uma briga, uma discussão feia, palavrões, qualquer coisa que possa ser aguçada na impaciente e intolerante vida que levamos.

Ao contrário de tudo isso, essa situação toda era planejada e sobre controle pelo Sr. S., queria mesmo era testar sua aparência e como as pessoas o viam diante da real idade que tem, realmente se deu bem, pode descer pela frente e não parece que pode, não aparente a idade que deve ter.

Coisa que como já disse é difícil de saber. Mas eu sei.

Ta conservadão esse Sr. S. viu, meu pai.

Que no auge dos seus mais de 65 continua dando um banho em quem acha que a vida tem tempo pra acabar, que o corpo tem limite, que a mente é limitada e que a saúde é algo pra ser pensado e deixado pra depois. Sempre se cuidou e colhe os frutos hoje.

É isso ai, antes de querer ser temos que fazer por merecer, e só ai nos sentiremos com a idade que quisermos.

E claro, num caso desses aprendemos um pouco, ou muito, pois:

Quem sabe ouvir sabe falar.

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Sidnei Oliveira
Enviado por Sidnei Oliveira em 19/04/2007
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