Platônica decodificação... (EC)

Ela muito jovem, ainda pela lei civil, considerada incapaz de gerir seus próprios atos!

Ele, embora também muito jovem, já inserido no rol das responsabilidades civis!

No inicio, flerte platônico, com enrubescimento de ambas as partes quando trocavam poucas palavras...

Sem que houvesse possibilidade de uma maior aproximação, separação necessária ocorreu.

Ela, incapaz de gerir seus próprios atos, teve de seguir a família em mudança para longe.

Ele, acabrunhado, ainda teve o discernimento de conseguir, não diretamente com ela, pois não tinha aproximação, discernimento e atitude para tanto, o endereço para onde iriam. Conseguiu sim, com sua própria genitora que, embora desconfiada do porquê seu 'pequeno' solicitou-lhe tal informação, aquiesceu...

O tempo passou...

Ela, impossibilitada de, ao menos vê-lo à distância quase diariamente, pelos cantos remoía seus pensamentos e sua saudade...

Ele, imerso em suas atividades sempre crescentes, de estudos e de trabalho, também não conseguia desvencilhar-lhe em sua mente, daqueles meigos olhos, daquele sorriso 'quase infantil', daqueles disfarçados olhares...

Ela, sem ter com quem repartir a saudade que se fazia cada dia mais presente, entregava-se, 'de corpo e alma', em afazeres domésticos, auxiliando sua 'sofrida' genitora na lida diária no cuidar de mais seis irmãozinhos menores...

Ele, em sua cada mais agitada correria do dia a dia, por acaso, descobriu entre seus apontamentos escolares aquele endereço, onde com letra trêmula e para que, no caso de um extravio, não soubessem de seus segredo, de uma forma codificada, tal como havia aprendido com um colega em seu trabalho (ZENITS--- POLARU), havia escrito: “Sm dai ialdi ves cisit cem veco, Mitanolo!”. Muito contente com a descoberta, programou escrever algumas linhas para 'a menina' e colocar no correio.

Ela, com o tempo já decorrido, quedava-se em sua saudade, porém, aos poucos, agora que estava 'trabalhando fora' e que havia, com as novas amizades conseguidas, obter pouco mais de extrovertismo, foi tomada de surpresa ao chegar de mais um dia de exaustiva viagem e estressante trabalho e receber das mãos de sua analfabeta mãe uma carta!

Ele, no teor de seu escrito, havia dito que, para resguardar-se de possíveis extravios, que em sendo o caso de uma permissão dela, de novas cartas que lhe enviaria, escreveria utilizando um código que havia aprendido com um seu colega de trabalho, deu-lhe o direcionamento de como deveria agir para entender as mensagens, quedava-se ansioso questionando-se se haveria ou não uma resposta.

Ela, com o coração acelerado pelo recebimento de tão inesperada comunicação, mal osculou a face da mãe e brincou um pouco com os irmãozinhos e dirigiu-se para um canto afastado onde, sofregamente, após cientificar-se do remetente, abriu aquele envelope, ávida em saber o que teria a lhe falar 'aquele metido'. A cada palavra, a cada citação lida, seus olhos brilhavam e um sorriso de imensa felicidade formava-se em seu rosto juvenil! Terminou rapidamente a leitura e aconchegou aquela inesperada mas tão aguardada comunicação junto ao coração!

Ele, em seus pesados dias, no quais conciliava trabalho e estudos, vez por outra, surpreendia-se ao notar que seus pensamentos vagueavam e que aquela 'sublime imagem' formava-se em sua mente. Questionava-se de teria ou não uma resposta e até sorria ao imaginar a ousadia que tivera ao enviar-lhe a missiva.

Ela, no afã de o mais breve possível responder ao que havia recebido, redigiu poucas linhas, que mais soavam como um bilhete, solicitando auxilio de uma boa amiga que fizera em seu trabalho em eventuais erros de grafia que houvesse cometido, após solicitar-lhe que 'guardasse muito segredo', postando imediatamente nos correios.

Ele, decorridos alguns dias, em rápida passagem que fez em sua casa vindo do trabalho para dirigir-se aos estudos, foi informado pela genitora que, estendendo-lhe a mão entregou-lhe um envelope informando que havia chegado uma carta de 'uma mulher' para ele, vinda de um outro estado. Literalmente, embora explodindo de contentamento por dentro, 'gelou' e rapidamente recolheu a missiva que lhe era entregue... Aliando a pressa para dirigir-se aos estudos com a vontade de não responder ao inevitável questionamento da mãe acerca da carta recebida, osculou-lhe a face e saiu.

Ela, encolhida no aconchego do seu humilde leito, após mais um dia de trabalho, deixava que seu pensamento vagueasse questionavelmente: “Será que ele já havia recebido sua carta? Será que tinha rido muito de seus erros e de sua criancice? Será que teria entendido e será que ela tinha feito certo aquela frase 'codificada' atendendo o que ele havia ensinado?”. Adormeceu suavemente, na paz de sua adolescente paixão.

Ele, entre um e outro solavanco do coletivo que o levaria até a escola, coração acelerado lia a tão sonhada resposta que, aos seus olhos era uma das coisas mais maviosas que jamais havia recebido... Sorriu, olhando disfarçadamente ao redor para certificar-se de que ninguém havia percebido seu gesto, depois de oscular aquela missiva-bilhete recebida. Com capricho, sua eleita havia concordado com a forma de comunicação que ele havia sugerido e até havia concebido uma frase utilizando o código que usariam e que o havia feito muito feliz: “Face igsitdilde cem msari iluaodido usi levi citri! Geure msare do veco! Boajeu...”.

O inevitável aconteceu em decorrência do amor que unia aquelas duas almas.

Mesmo com as dificuldades advindas da distância que os separava, da tenra idade de ambos, com a obrigatoriedade da autorização dos progenitores da 'nubente' à época necessária por lei para união de jovens ainda incapazes, superaram tudo, uniram-se pela lei de Deus e dos homens.

Seguindo fielmente a lei de permanência da vida terrena (para fidelidade desta lei, deveriam primeiramente partir aqueles de maior tempo por aqui...), ele se foi já com 80 anos e ela, no sofrimento normal da perda, portando as inúmeras cartas de amor que havia colecionado ao longo do 'idílio' na fase da platonicidade, ainda teve o desprendimento de elaborar, o que fez questão junto aos filhos e netos, que constasse no alto da lápide que fazia parte do mausoléu:

“QSOTADE! OM BTOVO RIMBOM ZITRATOA IE UOS OLCELRTE... L~IE VENRO ZITI I VADI ILROU DI MALHI CHOGIDI...”.

Por mais incrível que possa parecer, história muito próxima de realidade, sem o desfecho citado, mas que um dos participantes, se o primeiro que fosse, certamente cumpriria o que lhe foi solicitado pela parte remanescente!

Este texto faz parte do Exercício Criativo - Cartas de Amor

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