MINHA VIDA, MINHA MÃE

MINHAVIDA, MINHA MÃE.

O dia começa cedo no sítio esperança. Aos primeiros ventos frios, quando o céu vai se tingindo de rubro alaranjado anunciando o amanhecer, Franze enche seus pulmões de ar, ergue o peito e elegantemente empoleirado solta o seu melhor co co ri co... Co co ri co... Toda natureza se regojiza com o milagre de acordar.

Logo logo a movimentação vai começar. Mimosa abra suas fartas tetas na brancura espumada de seu leite. No pomar a matriarca mangueira exibe seus frutos verde e rosa. O sisudo cajueiro observa a dança. A alegre goiabeira se enfeita em flor. A faceira sirigüela oferece seus cachos amarelo ouro e o velho coqueiro, do alto de sua elegante imponência, empresta suas palhas para o vento cantar.

Na horta a alegria fica pertinho do chão. O coentro não sai de perto de sua amada cebolinha, é o casamento que nem a morte separa. A alface crespa não se cansa de olhar para o fechado repolho. O tomate se espalha toda para alcançar a amiga cebola e a pimenta arde de saudades do seu querido pimentão.

Daqui assisto todo despertar dessa felicidade, pois o galinheiro fica no alto da propriedade; num lugar cercado de verde, onde a brisa visita o dia todo e o sol vem só espiar. Aqui vive eu, Graze galinha, as ruivas Filomena e Gisele, as branquelas Margarida e Clara, a morena Teresa e o galante galo Franze. E é aqui que tem início minha história, uma história de amor e coragem.

Nesse dia Franze fez todo seu ritual. Margarida e Filomena ciscavam o chão. Teresa, Clara e Gisele ainda estavam no ninho e eu acordei especialmente feliz. Uma estranha agitação tomou conta de mim, andei todo galinheiro, não conseguia ficar ciscando nada. Filomena, galinha experiente, aproximou-se e cacarejou:

- Grazer querida, o que está lhe acontecendo é uma dádiva da natureza. Em alguns minutos você vai realizar o milagre da vida.

Olhei para Filomena assustada. Ela pacientemente continuou a explicar:

- Graze você vai ser mãe. Porás um lindo ovo, que dentro terá uma vida.

Fiquei exultante. Eu seria mãe de um lindo pintinho. Filomena vendo minha alegria começou a cacarejar e bater suas asas anunciando a boa nova para todo galinheiro. Todos correram ao meu encontro para me cumprimentar e o orgulhoso pai Franze tratou de entoar um forte co co ri co. Foi assim, numa grande festa, que meu lindo ovo chegou. Ele tinha uma casca lizinha, com a cor marrom-terra. Não me cansava de olhá-lo. Mas de repente, Filomena me olhou com uma imensa tristeza, por um momento pensei que ela estivesse com ciúmes, porém ela baixou a cabeça e cacarejou:

- Graze, você tem idade de ser minha filha, um dia já vivi a felicidade que estais sentindo hoje, contudo a vida não é feita só de bons momentos, temos que enfrentar algumas dores. Aqui no galinheiro também é assim. Provavelmente você não vá poder ficar com seu ovo. Não é sempre que pomos que podemos chocar. A maioria deles não dura nem 24hs.

Fiquei paralisada. Meus olhos não conseguiam desgrudar do meu lindo ovo. Não! Não era possível! Eu não iria permitir que levassem meu amado ovo para virar omelete numa frigideira qualquer. Todos no galinheiro estavam parados silenciosos. Franze nom conseguia me olhar. Mas subitamente, uma força imensa tomou conta de mim. Foi como se de repente eu me tornasse uma galinha gigante e não tivesse mais medo de nada.

- Meninas! Ajudem-me! Vou esconder meu ovo.

Fui empurrando com meu bico até o ninho em que Clara, no último verão, havia chocado seus ovos. Lá pedi que Teresa, Gisele e Margarida, as mais gordinhas, com seus bicos, afastassem ninho. Coloquei meu ovo bem no meio e com paciência fomos trazendo o ninho de volta e o arrumamos sobre meu ovo. Franze soltou um estridente co co ri co, avisando que o perigo aproximava-se. Corremos todas ciscando o chão, na ância de disfarçar. Dona Joana abriu a porta do galinheiro e com sua cestinha em punho, tratou de procurar os ovos frescos daquela manhã. Quando ela parou enfrente ao ninho de Clara, pensei que fosse ter um infarto. Minha vontade era ir a sua direção e lhe dar uns bons beliscões em suas enormes pernas, mas me controlei. Um alívio profundo tomou conta de nós ao vermos Dona Joana partir. Corri para ver como estava meu ovo e tratei logo de aquecê-lo.

Assim foram passando os dias. Horas de aflições e horas de paciência, dedicação e amor. Filomena era meu anjo na Terra, sempre que eu precisava deixar o ninho para me alimentar, ela prontamente, tomava o meu lugar, dessa forma meu amado ovo nunca ficava desaquecido, com exceção dos minutos que Dona Joana ficava no galinheiro recolhendo os ovos.

Ao vigésimo dia, um divino domingo de Maio, senti um leve tremor sob meus pés. Sim! Sim! Era meu filho que estava nascendo. Levantei-me e cacarejei anunciando. Foi um verdadeiro alvoroço. Franze subiu no poleiro e inchado de orgulho cantou o seu mais lindo co co ri co de amor. Filomena, a madrinha, batia as asas de alegria. Clara, Margarida, Gisele e Teresa ciscavam o chão ao redor do ninho, como se preparassem o terreno para meu filhinho passar. Eu estava em estado de graça. Era um encantamento que só as mães têm o privilégio de sentirem. Meu filho acabara de sair do ovo e era um lindo pintinho, forte, com pêlo macio, olhos vivos e um bico de príncipe. Ela era um milagre de Deus, por isso resolvi chama-lo de Bento. Ela iria tornar-se um galo garboso como seu pai Franze. Todo galinheiro estava em festa. Não tivemos nem tempo de perceber que Dona Joana aproximava-se com sua cesta em punho. Tentamos esconder Bento entre nossas asas, mas era tarde demais. Assim como as crianças, Bento também gostava de brincar, de conhecer coisas novas e ele foi logo se apresentando, piu... Piu... Piu.

Dona Joana olhou para o chão e seus olhos quase caíram. Como era possível? Ela não tinha posto nenhuma galinha para chocar? De onde surgiu esse pintinho? Bento continuou ciscando pelo galinheiro piu... Piu... E nós parecíamos galinhas empalhadas de tão paralisadas que estávamos. Qual seria a reação de Dona Joana? Será que ela levaria Bento na cestinha, para presenteá-lo a alguma criança, que iria prendê-lo numa gaiola? Não! Jamais permitiria que fizessem mal a meu amado filho. Fui para perto de Bento e abri minhas asas. Dona Joana vendo minha reação soube que eu era a mãe e naquele instante ela sentiu a força do amor incondicional que as mães conhecem tão bem. E por ser mãe, compreendeu que ali diante de si, estava representado o elo de Deus com sua criação: O milagre do nascimento.

IAKISSODARA CAPIBARIBE.

IAKISSODARA CAPIBARIBE
Enviado por IAKISSODARA CAPIBARIBE em 23/04/2007
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