Roupa de missa

Aos domingos pela manhã, a rotina de Madalena era calma. Ao acordar, espreguiçava-se na cama apertada, escovava os dentes, colocava sua roupa de missa e encaminhava-se à igreja. Chegando lá, fazia suas preces e agradecimentos por mais uma semana de vida e saúde. A saúde era um dos poucos trunfos daquela jovem senhora que sentia o tempo mostrar-se aos poucos nas marcas em seu rosto.

Bens, Madalena não os tinha. Uma vida honesta constava em sua história. Honestidade, batalha e escassez de recursos, resumiam cada um de seus dias. Mas não aparentava desânimo algum e sempre trazia um olhar com vestígios de esperança.

Aquele domingo havia começado como os outros. Durante o longo caminho percorrido por ela observara as famílias nas ruas, nos carros, sempre todos juntos, juntos e felizes. E isso lhe causava um sentimento estranho, talvez uma leve inveja, que ela logo abrandava.

Duas quadras antes da igreja, Madalena estava tão perdida em seus pensamentos que, desatenta atravessou a rua. O motorista usou o freio com toda a sua força, mas não foi o bastante, Madalena foi atropelada.

Prontamente, o motorista chamou por socorro, acompanhando a ambulância até o hospital, enquanto a desconhecida permanecia desacordada. Como não portava documento algum, não houve meios de avisar família ou amigos.

Acordou assustada e perguntou à enfermeira:

--- O que aconteceu?

--- Foi só um susto, logo irá para casa.

Poderia soar estranho, mas Madalena não sentia vontade de voltar para casa, a solidão tinha sido voraz nos últimos tempos, os poucos sonhos que lhe restaram estavam a morrer, um a um. Pensou em pedir à enfermeira para que ficasse ali por mais alguns dias, mas hesitou.

Ao retornar para sua casa, sentiu novamente a solidão e a tristeza de quem não tem ninguém à sua espera.

Quando acordou no dia seguinte, seu corpo todo doía, mas a necessidade do trabalho era maior e mais forte. Então, lavou o rosto, respirou fundo e mais uma vez enfrentou suas limitações.

Mas uma sensação estranha lhe acompanhou, como se algo diferente estivesse prestes a acontecer. Pegou seu carrinho de papelão e seguiu para o trabalho.

No final do dia, ao retornar, a fome era avassaladora. Fechou a porta e suspirou, um profundo suspiro de cansaço e desesperança. A sensação de que algo diferente aconteceria não se concretizara.

Assustou-se ao baterem na porta, era um homem, com sua carteira que caíra quando foi atropelada. O pouco dinheiro que havia dentro, ainda estava lá. Convidou-o a entrar e ele aceitou.

Madalena encontrou naquela noite, em um estranho, um conforto para seu coração, com uma simples conversa se sentiu melhor e uma leve alegria aqueceu seu sono.

Na próxima noite, o homem retornou para conversarem, e assim aconteceu por várias noites, a cada nova visita, seu coração batia mais acelerado, sempre esperando que ele lhe dissesse algo diferente. Fazia tempo, mas Madalena ainda sabia o que era a paixão e isso lhe deu um novo ânimo.

Aos poucos, o amor aconteceu. Madalena não estava mais sozinha. A realização de um de seus sonhos estava próxima, entrar naquela igreja, que freqüentava todos os domingos, vestida de branco e vendo um homem pelo qual seu coração mudava de compasso a esperando no altar.

Com suas economias comprou o tecido e encomendou o vestido, morariam juntos na casa de Madalena, pois a casa do noivo seria vendida, para comprarem um carro simples. E ela visualizava-se no carro, com seu marido, como aquelas famílias felizes que ela via aos domingos.

Seu dia havia chegado, não conseguia se conter de tanta felicidade. Estava tudo organizado. Havia convidado uns conhecidos para acompanharem a cerimônia. E um bolo os esperava em sua casa.

Seu noivo, animado com o casamento, mas ainda sem o carro desejado, prosseguia a largos passos até a igreja, para chegar bem cedo, como manda a tradição. A imagem do casamento era contemplada por ele, mesmo antes de acontecer, a caminho de seu sonho.

Quando um carro em alta velocidade vem pela avenida, o noivo distraído, não ouviu o carro se aproximar, sendo atropelado por ele violentamente. O desespero do motorista ao chamar a ambulância era evidente, havia soado a buzina, mas a vítima não ouvira. A ambulância chegou e seguiram ao hospital.

Madalena chegou às portas da igreja e estranhou o atraso do noivo, mas contendo sua ansiedade, ficou a esperar por ele.

No hospital, fizeram o possível para reanimá-lo, mas não foi suficiente, e seu corpo ficou inerte sobre a maca. Inerte como Madalena, sentada na porta da igreja, segurando o buquê, depois que os convidados foram embora, e ela recusou-se a sair de lá. Suas forças esgotadas, um sentimento de abandono descomunal, já não conseguia mais chorar.

Dentro do paletó do noivo estava o telefone de um amigo, que seria seu padrinho de casamento. Entraram em contato com ele, pedindo que avisasse à família. O rapaz hesitou, mas era sua a dura missão. Encaminhou-se até a igreja, e Madalena ainda estava lá.

O rapaz pôs-se aos pés da noiva, segurou suas mãos e pediu para que ela o acompanhasse. Ela não se moveu. Mas, esgotada, caiu ao chão quando rapaz proclamou pausadamente suas poucas palavras “Sinto muito, Madalena, mas ele está morto!”

Desde aquele instante, Madalena não sentia mais vontade de viver, mas a sua garra sempre foi superior e era necessário recomeçar a vida de solidão a qual esteve acostumada por tanto tempo.

Guardou novamente seus sonhos na gaveta, colocou sua roupa de missa e encaminhou-se à igreja, a observar as famílias nos carros, unidas e felizes...