Despedida...( parte 2 )

" Quando criança fui muito amada, era filha única, toda a atenção de meus pais eram minha. Tinha tudo que uma criança, naquela época podia querer e ainda mais, perdi papai ainda jovem, não senti tanto, pois não havia muito apego, devido ao trabalho, vivia afastado por meses, nos mantinha com todo o conforto eu e mamãe, mas era muito ausente em presença.

Acredito que toda essa ausência contribuiu, para que mamãe desenvolvesse essa personalidade dispersiva, que claro já existia em seu intimo, mais ganhou liberdade, dentro daquele contexto de ausência total.

E passou a procurar formas de fugir daquela solidão que experimentava, da tristeza que a invadia. Senhora casada, dama da sociedade, esses rótulos já não mais a prendiam, e discretamente, buscava alivio de suas angustias, buscava prazer fora do matrimonio, ato totalmente recriminável, pela sociedade daquela época, fato totalmente inaceitável para mulheres, naquela época.

Papai nos mantinha como algo que era dele, e tinha que cuidar muito bem, no âmbito material fazia isso com perfeição, pois absolutamente nada nos faltava, já em matéria de afeto, atenção, carinho, deixava muito a desejar. É sabido que aos homens era reservado o direito de cultivar suas aventuras, era comum para a sociedade, algo que sempre foi muito bem aceito, inclusive pelas mulheres da época, que tinham como fato até natural, e sempre se conformavam em saber que o marido tinha outros relacionamentos, ou flertes, ou ainda pequenos casos fora do matrimonio.

Papai certamente, tinha suas aventuras extraconjugais, havia uma certa distância entre ele e mamãe, ele sempre muito seguro de si, até um pouco autoritário,mais era só o jeito dele muito comum aos homens, em sua forma de tratarem suas esposas. E sempre que chegava, logo em seguida já estava de partida. E com a partida não mais por breve tempo, mas agora a partida definitiva, sua morte, mamãe se entregara aos excessos, ainda procurava manter certa discrição, porem era alvo assíduo dos risinhos e comentários maldosos, dos olhares maliciosos, e aos poucos foi se isolando de amigos que até então, em algum tempo atrás a respeitavam, ou a engoliam, e assim vivemos por muito tempo, eu e mamãe...

Minha afinidade com mamãe era imensa, não havia nada que abalasse nosso relacionamento, eu era sua confidente, sua cúmplice, apenas no que ela permitia, pois era minha mãe e claro, não abria tudo sobre sua vida, mas eu estava ali pra ela, não importava o que dissessem ou pensassem a seu respeito, eu a amava acima de tudo, era incondicional.

Eu sempre fui introspectiva, era ousada sim, mas em outro aspecto, gostava de cutucar a sociedade, mostrar seus pontos mais fortes de hipocrisia, pude estudar, batalhei por isso, e papai podia pagar...

Tornei-me escritora, nunca fui dada a relacionamentos, a minha relação de amor, era com mamãe, ela era a minha companheira, e a minha grande paixão sempre foram os livros, a eles lendo ou escrevendo, dediquei toda a vida vivida até ali, desde a infância passava horas a fio lendo e escrevendo tantas coisas, não casei era rebelde demais para os conceitos daquele tempo, seria difícil encontrar, um homem que aceitasse sem sentir- se afrontado com todas as ideias que nunca aceitei guardar, a todo custo tinha que de alguma maneira fazer aparecer, espalhar, divulgar, tinha outros sonhos, muitos planos considerados ousados demais para aquela época, mas os sonhos e os planos eram meus, e isso ninguém podia roubar...

Provocávamos e muito a sociedade eu e mamãe, de formas diferentes, mamãe com sua vida, sua forma de viver e encarar a vida, alheia aos pensamentos, de critica a sua volta. Eu com meus artigos escritos que com toda dificuldade que encontrava, fazia acontecer em publicações, causando espanto tumulto, olhares de reprovação da nata social acostumada e muito condizente com toda aquela repressão, feminina, política, enfim... Tive dentro de toda essa confusão que era ser uma escritora naquela época, dias felizes, pois sempre conseguia alcançar o objetivo de minha critica ou comentário, valia a pena pagar o preço, me envolvi em muitas confusões, foram dias felizes para mim.

Com a morte de mamãe, lentamente tudo foi chegando ao fim, não dei nenhum passo mais na direção dos meus sonhos, e objetivos que até então eram tantos e tão desafiadores, estimulantes, éramos mulheres independentes, mal vistas mais a seu modo muito felizes.

Com sua morte, inconscientemente decidi morrer também e lentamente um pouco a cada dia, me arrastei em agonia por longos intermináveis oito anos, contados em pura dor sofrimento e abandono.

E assim ficam registrados meus últimos dias vividos. "

Continua ( parte 3 )

Marli Rodrigues
Enviado por Marli Rodrigues em 26/12/2013
Reeditado em 26/12/2013
Código do texto: T4625533
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