Reverso ( parte 4 )

"E assim fiquei, por muito tempo, acolhido naquele lugar, sempre coberto, tinha alguém ali que sempre vinha e me aplicava os cuidados e depois saía.

Certa vez ao acordar pude perceber o que estava a minha volta, pude ver pela primeira vez o lugar em que já permanecia há tanto tempo.

Minha visão era muito turva, mas tinha alguma percepção visual, aquele lugar era como um hospital, que cuida, restaura, e cura o corpo espiritual, pude então experimentar um sentimento já há muito esquecido, deixado para traz no tempo, perdido: A alegria.

Percebi quando entrou alguém, o salão era grande havia outras camas e aquela pessoa passando, um a um até chegar a mim, quando consegui fixar os olhos, não podia acreditar no que achava que estava vendo, não podia ser , estaria tendo alucinações?

Aquelas alucinações, deveriam ser drogas muito fortes, e estava me afetando, queria gritar mas em mim não havia voz, fala, só aquele grunhido esquisito, e amedrontado, havia perdido todas as funções do corpo apenas a mente funcionava como se fosse, durante todo esse tempo, ligada sem interrupção a uma fonte que a abastecia, com pensamentos e lembranças.

E novamente aquela moça, e outro dia, e de novo, e depois , e depois, não restava mais duvidas era ela, ela mesmo.

Aquela a quem ceifei a vida, estava ali, continuava serena, como em minhas lembranças seu olhar era terno, procurava para ver se encontrava algum rancor, ou algum sentimento parecido afinal antecipei o fim de sua vida, era por minha causa que estava ali, mas a cada tempo, ainda mais ternura nos gestos, no olhar.

Ela cuidava de todos com dedicação, comigo não era diferente, não era a única que trabalhava ali, haviam outros cada um ministrava um tipo de tratamento, de restauração.

Quando tive certeza que era ela que ali estava a cuidar de mim, tive muita vergonha, como queria poder falar, para pedir mil vezes o seu perdão, como queria ter os movimentos de meu corpo para jogar-me ao chão, e suplicar que me perdoasse, não era possível, fazia então o único movimento que me era possível; fechar os olhos, diante daquele ser que irradiava tanto amor, esperança, não me sentia digno de encara-la, não antes de me ajoelhar e humildemente pedir-lhe perdão pela minha insanidade egoísta.

Quanta perda, quanta dor, quanto tempo, um momento de escuridão, no meu espírito ainda encarnado, e esta se perpetuou por longo período em minha existência .

Minha mente está cada vez mais lúcida, gostaria de levantar desse leito, fazer o que ela faz, cuidar de tantos que chegam como eu cheguei..."

Continua... ( parte 5 )

Marli Rodrigues
Enviado por Marli Rodrigues em 02/01/2014
Reeditado em 11/02/2014
Código do texto: T4633937
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