Entre vazios e bordéis

Já experimentei putas. Várias. De todos os tamanhos e formatos. Brancas, negras, pardas, ruivas, loiras. Gordas e magras. Altas e baixas. Feias e bonitas. Com belos sorrisos e falsa modéstia. Espinhas. Jovens e velhas. Das mais reles putas às prostitutas de luxo. Aquelas mais caras que faziam o mesmo serviço das baratas. Ou até pior.

As novatas cobram menos e precisam ter mais paciência com os clientes, suas manias e ladainhas. Seus viços e medos. Carne nova no pedaço ainda precisa de espaço. A grosseria das de luxo era igualmente proporcional ao dinheiro pedido. “Será que dá para parar com o papinho furado e ir ao que interessa? Você não é o único da noite”, diziam a mim em um discurso ridiculamente pobre e pronto. Sinto que essa fala era dita a todos aqueles que, por vezes, fugiam do que era corriqueiro ao mundo delas. E eu era incomum.

Minha primeira puta foi aos 17 anos de idade. Eu vivia em um mundo de livros, frases cheias de palavras vãs e hipocrisia. A mim, coube a busca por algo novo. Saí de casa, decidido a ser diferente de tudo aquilo, e parei em um pequeno cortiço no final da minha rua. Desde pequeno, ouvira que aquele lugar era um antro de perdição.

“Já viu o entra e sai da última casa? É uma zona”, cantava minha mãe diariamente. Em seu mundo, essas coisas eram sujas. Imundas. Mas ela se esquecera de olhar para a sua vida antes de me ensinar o que era certo e errado. Descobri, cedo, que ela, ao contrário do que parecia, era responsável por destruir vidas com palavras. Criava histórias. Inventava-as maldosamente para acabar com a paz de outros, incluindo a minha.

Apesar da pouca idade, sentia-me incomodado por viver sob o teto de meus familiares. Já presenciara cenas de amor intenso seguidas de más palavras e difamação. Eu não entendia o que acontecia na cabeça deles. Era filho único, mas tinha um primo. Na infância, éramos amigos. Brincávamos o tempo todo. Corríamos pelo quintal o dia inteiro. Mas, assim como eu, ele também tinha crescido. Para meu desgosto, tornou-se uma cópia fiel da família em que, infelizmente, nascêramos. E eu segui meu caminho. Calado, em busca de alguma coisa que decifrasse meu silêncio e me entendesse sem que eu pronunciasse uma palavra.

Lorraine era o nome dela. Uma jovem de pele clara e olhos escuros. Ofendia-se quando era chamada de puta. Bradava que as circunstâncias não permitiram uma vida melhor e ela foi obrigada a cair naquele lugar. “Sou uma garota da vida. Mas a vida não é fácil, ao contrário do que pensam muitos. Meu corpo transformou-se em um parque de diversões para estranhos e isso ainda dói. A cada toque, sinto-me invadida e suja. Mas sigo”, explicou-me uma vez.

Ela era inteligente e, em muitos momentos, trocávamos o sexo pela conversa. Considerava-a uma amiga com quem me relacionava intimamente. Senti um aperto na alma quando soube que Lorraine foi vítima do destino que não soube levá-la para um lugar melhor. Aos 24 anos, com o rosto de menina e o peso no coração, ela se despediu da vida com um pulo no rio. De cabeça. O sangue banhou todo o seu corpo, que foi encontrado três dias depois. Desde então, saí do cortiço em que vivíamos e fui para outros rumos, à procura do que ainda não tinha conseguido identificar.

Conheci outras tantas putas. E percebi que nem todas precisavam ser profissionais. Eu me relacionei com muitas delas. Eram solteiras, casadas, viúvas, divorciadas. Algumas eram da mais alta classe, cercadas de luxo e dinheiro. Supostas mulheres dignas, ímpares, direitas. Fui um dos poucos que conviveu com o lado mais podre dessa dignidade. Elas me espantavam. Seus pedidos e desejos descabidos. Aí, então, descobri que não gostava do que elas eram.

Parti, mais uma vez, para entender o que queria encontrar. Lembrava-me sempre de Lorraine e suas frases certeiras. “Menino, você não pertence a esse mundo de luxúria. Saia daqui e vá seguir seu caminho. Você não é daqui, não nasceu para viver aqui”, e ria, enquanto eu, irritado, tentava rebater seus argumentos. Ela era poucos anos mais velha que eu, mas trazia certezas que me desequilibravam. Parecia me conhecer melhor do que qualquer outra pessoa nesse mundo. E, hoje, acredito que realmente me conhecia. E me entendia, mesmo no silêncio.

Parei em diferentes cantos da minha cidade. Resolvi que precisava desvendar o outro lado. Saí do luxo em que vivi por uns tempos e fui em direção aos mais humildes lugares. Ali, comparei riqueza e a pobreza. Notei que, no fundo, não havia diferença. O dinheiro proporcionava apenas bens materiais, mas as almas e os desejos mais obscenos eram iguais.

Certa tarde, avistei Maria em um quarto escuro e fétido. Estava passando um tempo em um casarão onde viviam meninas de esquinas. Assustada, ela me olhou com dor. Aproximei-me daquela garota. Ela me disse que faria o que eu quisesse com ela desde que não a dedurasse para Alfredo, o cafetão que lhe roubava o dinheiro. Tentei convencê-la de que o meu interesse era apenas em uma alma, e não em um corpo. Ela riu. “Conta outra, cara. Essa história de alma é a coisa mais ridícula que eu ouvi em meus 14 anos de vida.”

Fiquei apavorado ao saber a idade da menina. Menina. Exatamente o que ela era. Eu, com meus 27 anos, nunca havia encontrado uma puta com essa idade. Ela era profissional. Uma das melhores, diziam os mais indecentes. Pedi licença e saí. Fui embora, carregando meu susto e minhas dúvidas acerca de tudo o que tinha visto naquele lugar. Era o mais assustador em que eu estivera até então.

Entrei, saí, vivi, perdi, ganhei. Passei a vida nesse vai e vem e notei que, até aquele momento, não encontrara nada do que queria. Em uma manhã qualquer, andando por uma larga avenida, vi uma tenda. Sob elas, alguns enfermeiros ofereciam teste gratuito de HIV. Pela primeira vez, temi a doença. Nesses anos em que habitei becos distantes, nunca pensei que pudesse contrair a maldita, como a chamavam.

Juntei minha pouca coragem e resolvi fazer o tal exame. Em duas horas, senti grande alívio ao ser informado do que, apesar da minha vida insegura e incerta, a sorte esteve sempre ao meu lado. “Sua saúde está perfeita”, disse uma mulher de jaleco branco, sorrindo. “Mas não se esqueça de continuar se cuidando. Quando você se cuida, também cuida da sua família”.

“Qual família?”, pensei. Mas não retruquei. Apenas dei um meio sorriso e agradeci a generosidade. Voltei minha atenção para os carros que passavam a minha volta e me lembrei da noite anterior. Estava comemorando meu aniversário de 35 anos e vivia em um prostíbulo perto da antiga casa da minha família. A essa altura, minha mãe tinha morrido e meu pai foi viver em uma cidade distante. Soube que se casou com uma costureira e ambos tiveram dois filhos. Acredito que seja mais feliz do que éramos na minha infância.

Na festa, feita na casa, havia muita gente. Vários copos com diferentes bebidas passaram pelas minhas mãos ao longo da noite. No final da madrugada, avistei uma mulher parecida com Lorraine. Assim como minha amiga, ela também era puta. Eu nunca tinha visto a moça antes. Aproximei-me dela e conversamos por um tempo. Logo, estávamos em um quarto, na parte de cima da casa.

Ao entrar no lugar, ela tirou a roupa e jogou pelo chão. Sem que eu dissesse nada, deitou-se na cama e fez um sinal para mim. Com os olhos transbordando malícia, sorriu e bateu no travesseiro. “Venha. Eu vou ser o seu presente essa noite.”

Atirei-me, então, ao lado dela. Ela me atacou sem pudor. Começou pela camisa. Como um animal feroz, arrancou-a de uma única vez. Antes que continuasse, vi Lorraine mais uma vez e interrompi seu ato. Segurei suas mãos e, de maneira sutil, pedi para ela controlar os impulsos. Ela riu e disse que era natural, afinal, vivia deles. E tentou continuar mais uma vez.

Pulei da cama, sentei-me em uma cadeira e fiquei olhando a mulher nua sobre o lençol.

“Qual é o seu problema, cara?”

“O que você pensa da sua vida?”, questionei. Essa havia sido a primeira pergunta que fiz a Lorraine, a puta mais inteligente que tinha conhecido.

“Pensar? Sei lá. Você quer ou não quer?”, retrucou a mulher, levemente enfurecida.

Desapontado, eu disse que não queria. Irritada, minha acompanhante gritou, afirmando que eu não era homem. Vestiu-se em um minuto e saiu, batendo a porta. Ainda tonto pelo álcool, eu disse às paredes que minha masculinidade não era medida por sexo. E, se fosse assim, provavelmente, eu não era muito homem.

Hoje, longe dos bordéis por onde transitei ao longo de minha juventude, costumo passar as tardes sentado na praça, olhando os pombos e a vida ao meu redor. Concluí que não encontrei nada e nem ninguém que pudesse me oferecer o que queria. Já tinha experimentado putas. Muitas. Delas, restou-me o vazio na carteira. E no peito.

Paula Vigneron
Enviado por Paula Vigneron em 13/01/2014
Reeditado em 12/06/2015
Código do texto: T4648450
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