A bailarina

O dia nasceu e correu marcado por uma sombria chuva. Os pássaros, costumeiros a zuelar nas manhãs de todas as estações, não cantavam, todos dormiam entre as folhas da laranjeira. Ela dançava naquela tarde fria sem saber que seu balé era prenúncio que delineava o fatal esquecimento de razões de tempos ainda quentes em seu coração, o passado. Fora aos poucos, com a chegada daquele corpo Negro em ritmo de carnaval, se entregando ao novo compasso do espírito.

Distante daquela chuva, o Homem Passado estava enlaçado pelas ondas do mar. O entardecer acompanhado da brisa e dos raios solares, dava adeus aquele dia festivo. Ele abandonara o balé e recostou-se distante de seu som noutro corpo. Com os sentidos mentirosos, perdia-se em outros braços, achando-se feliz e sem perceber sua ignorância. Entregou-se.

Com o vento que o tempo leva o abandono torna-se peso no coração de quem se foi por razões que o espírito não vê. O Homem Passado encontra-se no emaranhado dos sonhos que ele mesmo sepultou numa vala curta e profunda, obscura. Quando os sepultou, parecia ser noite sem luar, não chegou a ver - do outro lado da sepultura - a face da bailarina que chorava em silêncio e observava o peso de cada pá, ouvindo o som das pedras sobre a urna a invalidar o tempo. Ela viu seu riso de canalha, viu também o Homem Passado partir de mãos dadas com a mentira.

Mas o tempo, rei da justiça, fez ambos provarem doutros mundos, se encarregou do afastamento perfeito e da cura sem marcas. Quando o sol decidiu não queimar os cascos que sobraram de sano, o Passado sentiu crescer a ausência, ouviu um som e a saudade de outrora bailou em seu coração; correu a procura de rastros. Mas, como não se pode erguer-se com a dor do abandono, ele viu a bailarina noutro ritmo, e, por entre outros braços pequenos, ela dançava outra canção de Mozart. Ele viu que aqueles braços pequenos pouco bailavam no ritmo esperado, mas viu também que eles cuidavam da bailarina em tempos tempestivos e tranquilos. Lá vai a bailarina acompanhada de um bom senhor. Cá ficou o Homem Passado, com suas mentiras e um falso amor.

13 de abril de 2014

Alisson Vital
Enviado por Alisson Vital em 14/04/2014
Reeditado em 14/04/2014
Código do texto: T4768501
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