Mais um Cristo caído na rua

À meia-noite badala o sino da matriz... Olho ao redor e nada vejo de novo. Somente uma árvore a balançar e nela um olhar atento de uma coruja, é o que percebo iluminado pela holofote. Confesso que não tenho muito medo. Mas, alguma coisa até me deixa um pouco assustado. O olho começa a ficar pesado. Sei que não devo dormir, pois é isso que a minha profissão exige, sou vigilante. Olho as casas ao redor. Estou em uma guarita, atento aos monitores da vigilância. Vejo um casal na praça em frente a se agarrarem, coisas da juventude. Beijos calientes. Um olhar fixo – um para o outro – olham desconfiados ao redor, o rapaz olha seu relógio e se mandam.

É alta noite. Está na hora de se retirarem. Apanharem seus transportes.

Boa noite pombinhos! Pensei. Agora ficamos, eu, a coruja, os monitores, as casas vazias pelo fato de ser feriado e a maioria das pessoas terem ido viajar, a praça vazia, além de muito sono. Mas, não posso dormir!

Vejo alguém se aproximar. Ele fica a olhar a loja ao lado da mercearia, vizinha de onde trabalho. Pega uma pedra e arremessa ao vidro. De primeira vez ele não quebra. Aperto o botão do alarme o qual soa. O homem não se intimida. Joga nova pedra e o vidro se desmancha. Não trabalho armado. Tenho que acionar a polícia, mas creio que não dará tempo. Por isso, deixo o meu posto. Tranco a porta ao sair para segurança do local. Grito ao ladrão. Ele com seus olhos assustados, e se sentindo acuado, só teve uma reação. Tirou de uma pistola velha, pelo visto era uma 22 e veio em minha direção com sangue nos olhos, atirou-me. O gosto do sangue foi imediato. Um calor invadiu minha alma...

E, em poucos milésimos de segundo pude ver a amedrontada alma daquele algoz que se incendiava num mar de desespero – em um inferno de uma vida inteira. Era o mundo em suas costas... Eu aqui, em meu humilde trabalho, vítima de toda uma sociedade desajustada, era visto assim... Mais um Cristo caído nas ruas... '

(Marcio J. de Lima)