COM QUINZE ANOS

Agora, enquanto tomo meu café, muitas cenas vieram à minha cabeça. De algumas pessoas, nos primeiros momentos, até senti um pouco de dó pela vida de cada uma, afinal, de alguma forma, por mais que o meu ressentimento e vazio fossem enormes, de certa maneira, convivi e, em alguns raros momentos, sorri com elas. Parei de tentar entender, aliás, parei há muito tempo... Todas as vezes que me mantive calada, sendo alvo das chacotas ofensivas e humilhantes, isso nunca foi um sinal de que recebia aquilo sem que por dentro doesse ou me ferisse. Em alguns momentos, bem poucos por sinal, até exasperei, atitude que resolvia aquela situação momentaneamente, somente. Levei a vida assim, perturbada, essa é a verdade. Não sei por que razão, mas apesar de todo o esforço para esquecer aquelas cenas, eu nãos as esquecia, revivia cada uma delas, muitas vezes com mais intensidade do que, talvez, tivessem acontecido. Nunca me notaram... Por um tempo achei que fosse minha cabeça, eu que estivesse vendo-os de forma deturpada, eu que estava enlouquecendo, mas não! De repente, nascia em mim um grito enfurecido, uma cólera, uma dilacerante cólera que me transportava para um mundo de terror, medo, humilhações. Quantas vezes fiquei com medo... Eles nem sabem... Eles nunca saberão. E tudo, apesar do tempo, ainda permanecia tão vivo ou, quem sabe, morto. Pois que esse tempo todo, eu morria de dor, tristeza, ressentimento. Não sei se eram malvados conscientemente ou se não sabiam o mal que me causavam. Não sei. Engraçado que a piedade que me toca, e lhes digo que não é lá muita coisa, não é pelo fim de cada um, mas pelo o que eles poderiam ainda ser. Eles ainda eram e são muito jovens e poderiam viver longamente, iniciar outras histórias, viver outras vidas, mas é uma pena que ceifaram a sua própria vida quinze anos atrás. Infelizmente, tenho que confessar que nem todos mereciam, lá, alguns eram inocentes também, no entanto, tive que matar alguns inocentes com dois objetivos: servissem de lição para o mundo e não corressem o risco de se transformarem em algozes também. Esse mundo está ficando doente. E somos, cada uma à sua maneira, uma doença legalmente civil com CPF. Outro dia, mergulhada nos meios devaneios, percebi que seria preciso ser louco para não enlouquecer. Somente os sãos vão adoecendo, apodrecendo alma e coração em uma espécie de cólera, vírus ou qualquer coisa do tipo.

Nem os pedidos de socorro me fizeram parar. Lembro-me que Gisele me pediu implorando para que eu não fizesse aquilo e, sabe qual foi minha resposta? ´´ Perdoe-me, mas eu preciso matar você. É uma questão de exemplar as pessoas para que elas nunca façam uma com as outras o que fizeram comigo ...``. Meu café ainda está quente e não ouço nenhum ruído agonizante. Parece que a polícia vem alí...

Catarina, advogada com 38 anos e ex-funcionária da Fábrica Luxo e Requinte, durante uma confraternização natalina que acontecia na empresa, invadiu o local com três bombas, uma SR 25 e um revólver calibre 38. No local, havia em média 230 pessoas sendo que, 150 eram funcionários. Até o momento, foram contabilizados 180 mortos mais 50 feridos, muitos deles em estado gravíssimo. A acusada foi encontrada com um tiro no ouvido e junto de seu corpo um tablete que possivelmente tenha alguma explicação para um atentado tão monstruoso! O que se sabe até o momento é que a acusada tinha poucos amigos, mas era uma pessoa sociável e alegre, além de ser bem dedicada ao trabalho e a família. Era casada há 10 anos, tinha um filho de oito anos. Na empresa, apenas cinco trabalhadores ainda eram do tempo em que ela trabalhou _ Dizia a repórter do Jornal Plantão do Oeste, por volta das 18 horas, na cidade de Juazeiro do Norte_CE

Eliane Vale
Enviado por Eliane Vale em 15/05/2014
Código do texto: T4807902
Classificação de conteúdo: seguro