A finlandesa

A finlandesa

Estava na lancheria, sentado. Ela era toda envidraçada. Gosto disso, desde pequeno, de lugares envidraçados, parece que estou num campo de força protetor, como aqueles que apareciam nos filmes e desenhos de ficção de antanho. Gosto da sensação acolhedora, igual a que usufruía dentro do fusca do meu pai em dia de chuva. Você observa o tempo inóspito lá fora e o vidro te isola e te protege. Você fica seco, quentinho. Vidro e ar condicionado, combinação perfeita, acolhedora.

Estava sentado dentro da lancheria, acolhido e protegido. Não chovia, mas fazia um frio ameno. Numa das mesas do lado de fora vi ela, acomodada confortavelmente sobre a cadeira. Branquíssima, olhos azuis, cabelo louro-escuro. Devia ter uns 25, 30 anos. Bonita. Não linda, bonita, atraente. Possuía um olhar de boas vindas e um sorriso de olá. Gostei. Gostei dela, do seu olhar, do seu sorriso e do vestido vermelho, grosso, desses de inverno.

“Vou lá” – pensei. “Está me olhando e sorrindo, ora. Vou ter de sair da minha zona de conforto, ir pra fora do vidro. Dane-se, um predador tem de arriscar”. Fui, bem seguro de mim mesmo. Como sempre fui um rapaz bonito, não era raro receber os olhares convidativos de uma moça atraente.

- Oi, posso sentar aqui contigo?

A resposta afirmativa dela veio num sotaque indecifrável. Com certeza não era daqui. Mas de onde?

Era finlandesa, cantora. Veio para uma apresentação no teatro principal da cidade. Lembrei, após ela falar isso, de um cartaz em algum lugar informando do evento. Fora o sotaque carregado, ela falava com desenvoltura nosso idioma, por ter morado uns tempos em Portugal. Mas o que me interessava realmente é que eu tinha gostado dela e ela de mim. Com certeza saíra para curtir a noite e arrumar um nativo que lhe atraísse, no caso, eu. Legal, com uma finlandesa eu nunca havia saído ainda, e deu para perceber que as finlandesas eram bastante sociáveis. Pelo menos a Emma (esse o seu nome) era.

A apresentação seria no outro dia. Levei Emma para conhecer uma parte da vida noturna de Charky City. Terminamos indo ver a minha coleção de gibis, lá em casa... Bem sociável a Emma.

No outro dia deixei-a no hotel, onde conheci os músicos que a acompanhavam, todos igualmente finlandeses e gente fina. Falavam inglês fluentemente.

Fui no show a noite, todo ele cantado em finlandês. Muito bom, ótima cantora a Emma, alto o nível técnico dela e dos músicos. Contudo, o mais interessante era o cenário, tri inusitado. Emma ficava ao centro do salão do teatro, que estava sem cadeiras, postada sobre uma bancada elevada a um metro do piso. Vestia outro vestido vermelho que se estendia, enorme, a partir da banca e ocupava todo o recinto do salão, numa grande circunferência. Os espectadores chegavam e se acomodavam em grandes bolsos que estavam costurados por todo o tecido espalhado pelo chão, deitando ou sentado dentro dos mesmos. Os músicos, todos de vermelho, ficavam em pé, ao redor de Emma, entre o público. Bem legal, nunca vira algo parecido antes.

Ao término do show, fui no camarim. Essa noite saímos todos juntos, os músicos foram conosco. Já haviam se arranjado por aqui, que nem a Emma comigo. Muito sociáveis esses finlandeses. Claro que eu e ela terminamos o programa indo até minha casa ler um pouco mais de gibis...

Olho pra fora da lancheria, detendo-me na mesa onde vira Emma pela primeira vez. Foi a primeira e única finlandesa da minha vida. O caso que narrei acima durou uma semana, o tempo dela e os músicos irem embora de Charky City. Ela se foi. Muito sociáveis esses finlandeses. E muito desapegados também. Nem pelo facebook eu encontrei-a. Ah Emma, gostei de te conhecer. Gostei do teu olhar, do teu sorriso, da tua sociabilidade, do seu show, dos seus vestidos vermelhos e da tatuagem aquela que eles escondiam...

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Boa tarde meus caros 23 fiéis leitores e demais 36 de quando em vez! Gostaram do conto acima? Pois é, fiz hoje ao meio-dia, sentado numa lancheria. Semana que vem venho aqui dizer como foi a inspiração para contruí-lo. Acho que vocês vão gostar de saber. Não faço isso hoje porque sei que texto muito longo na Internet enche o saco do leitor. E eu não faria isso com vocês. Um abraço e até a semana que vem.

PS - Hoje eu cheguei exatamente às 17h19min! Perceberam?

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Era isso pessoal. Toda sexta, às 17h19min, estarei aqui no RL com uma nova crônica. Abraço a todos.

Mais textos em:

http://charkycity.blogspot.com

(Não sei porque eu ainda coloco o link desse blog, eu perdi a senha e não atualizo ele há séculos. Até eu descobrir o motivo pelo qual continuo divulgando esse link, vou mantê-lo. Na dúvida, não ultrapasse, né. Em 2014 talvez eu dê um jeito nisso... Mas acho que continuarei seguindo o conselho que a Giustina deu num comentário em 23 de outubro de 2013.)

Antônio Bacamarte
Enviado por Antônio Bacamarte em 30/05/2014
Reeditado em 04/06/2020
Código do texto: T4826077
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