Eu não tenho problemas em dizer que estou apaixonado, mas os problemas sempre surgem quando digo que estou apaixonado

Estou apaixonado por uma garota chamada Débora Fantine. Na verdade estou apaixonado por uma mulher. Ela é dez anos mais velha do que eu. Eu tenho vinte e um anos com rostinho de vinte e cinco. Isso não interessa, perante a verdadeira paixão, a idade e estética não passam de informações adicionais. Ela também tem rostinho de vinte e cinco. Vinte e cinco, eu gosto desse número. Cheguei agora da rua e ainda estou bêbado, mas preciso trabalhar. Trata-se de dinheiro, baby. Eu trabalho num hotel, um hostel para ser mais exato. Está rolando um evento mexicano, a esposa do meu chefe é mexicana. Faltam uns vinte e cinco minutos para começar meu expediente, meu chefe diz que preciso circular um pouco, semear relações públicas pela festa, sou bom nisso. O que me chama a atenção é uma linda garota de vestido verde sentada na última mesa. Vou até lá. Olá, como vocês estão? Pergunto em plural, mas meus olhos só tem olhos pra ela. Deleto todos da mesa, quero apenas ela, conversar com ela. Falo mil e uma coisas, a maioria delas sem nexo e sem sentido. Ela me olha com uma expressão de espanto... A suposta conversa flui de um jeito esquisito, ela adere minha estratégia pois sempre que fala só olha pra um único cara. Um viadinho de Belo Horizonte. Foda-se. Eu juro que jamais ví mulher tão bonita em toda minha vida. Vai além do exterior, é inteligente, inteligentíssima, nem um pouco sentimental. Sensível? Acho que não. Eu gosto disso! Pelo menos foi essa a primeira impressão que ela causou. Finalmente presta atenção no que tenho a dizer, mas a expressão de "WTF!?" continua impreguinada em seu rosto. Eu sou um cara inteligente também, minha cara donzela. Qual o seu nome? Débora. DÉBORA! Minha filha se chamará Débora. A festa acaba e meu trampo começa. Não tenho a mínima ideia de como sobreviverei a esta madrugada. Não posso pedir penico, ou é isso ou é rua. Esqueci de mencionar que moro aqui no hostel. Meu salário (muito pouco por sinal) é acoplado ao meu quarto. Eu não pago quarto, mas ele é descontado do meu salário. Tudo bem. Café da manhã, banheiro e WI-FI liberados. Mas eu quero mesmo é mulher. Quem não quer? Acho que até as mulheres querem mulheres... Ok, já to falando merda... Finalmente 04:30! Hora de preparar o café da manhã, e quando chega esse momento o tempo tende a passar menos vagaroso. Biscoitos na mesa, torradas, chás, e bolos também. QUE FRIO! Ligo rapidamente as bocas do fogão. Esquento duas panelas com água, uma para o café e outra para os chás. Esquento um bule com leite também. Preparo dois sucos. Eu deveria colocar pedaços de frutas nesse tang, mas isso daria muito trabalho pois eu teria de bate-los no liquidificador e seria mais uma coisa para ter de lavar depois, então vai só pó e água mesmo. Corto mamão e melão colocando-os numa linda travessa. Lembro de Débora, que mulher... É claro que ela não anotou meu e-mail, é óbvio que ela jamais me adicionará no facebook. Será que ela lembra meu nome? O leite ferve e cai um pouco no fogão. MERDA! Bom, pouparei vocês de todo o resto. O café está pronto com meia hora de antecedência. Isso sim é um funcionário exemplar. Pena que essas coisas nunca são reverenciadas da forma que deveriam ser, that's ok, man. Será que ela lembra meu nome? O café está realmente gostoso. Já são 08:00 AM! Boa noite...

Encaro o relógio. 16:00 PM. AHHHHHHHHHHH, o soninho foi bão! Hora de saltar da cama. Coloco calça, camiseta e não consigo achar o talco. O tênis vai no seco mesmo. Lavo o rosto e dou um mijão. Alguma coisa me faz voltar ao quarto e encontro meu desodorante debaixo da cama, legal, agora minhas axilias estão amigávelmentes com aroma natural de chocolate (acho que você conhece esse). Resolvo passar na recepção... Oi, Cris! É o Marcos, meu chefe. Cris, essa aqui é nossa nova recepcionista, ela vai trabalhar de manhã. Oi, diz ela. Reconheço essa voz, sim, reconheço essa voz. Prazer, Cristiano. Estendo a mão direita para cumprimentá-la, percebo um pouco de nervos, estou nervoso e não sei porquê, parece que conheço-a de algum lugar e isso me causa calafrios. Não reconhece ela, Cris? Estava ontém no evento mexicano, você ficou um tempão conversando com ela. Ele apareceu no final quando eu e meus amigos já estávamos indo embora, diz ela, só ele falava, ha ha ha, foi engraçado. É mesmo, Cris, completa meu chefe, por onde você andou ontém? Ficou sumido a tarde inteira e apareceu completamente chapado, nem sei como te deixei trabalhar. Aliás, ela se chama Débora. Débora, Cristiano, Cristiano, Débora... Ontém deveria ter sido meu dia de folga, mas o hostel possui uma boa política de horas extras, aliás, não existem horas extras, se eu trabalho na folga recebo o valor de 60,00 no dia seguinte. Nada mal, né? Pois bem, Marcos foi buscar os 60,00. O dinheiro se encontra num esconderijo que nunca descubro onde fica. Conversso um pouco com Débora. Ela se mostra menos enojada, estou sóbrio e bem mais chato por sinal. Quer dizer, eu possuo uma certa sensibilidade sobre a minha pessoa que me faz detectar quando estou sendo chato, e eu estou sendo chato, porém, comparado a maioria das pessoas, estou sendo um cara super interessante, ela também possui tal percepção, sim ela está curtindo... Os dias voam tão rápido quanto a luz e já estamos no mês de Junho. Bastante coisa aconteceu desde então. Em nossas vidas acontecem mais coisas ruins do que boas, e é preciso ter muita força para seguir adiante quando as coisas ruins resolvem dizer: "Oi"... Estou perdido, gaguejando ao telefone e mandando e-mails errados. O que está acontecendo? Não gosto nem um pouco disso. Meu Deus! É a voz de Débora. Mas que risadas são essas? Tem homem na parada. Ela está gargalhando com outro homem. Preciso intervir... O meu quarto fica ao lado da recepção, isso é uma tortura, pois escuto tudo o que acontece por lá. Situações assim ocorrem basicamente todos o dias. Não suporto ouvir sua voz sem que seja proclamada a minha pessoa. Sim, Débora, conversar com mulher é algo completamente diferente do que conversar com homem. Chega de risadas perto de um macho, o seu sorriso pode significar um milhão de coisas e nós não sabemos separar essas coisas. Não consigo dormir mais que quatro horas por dia, isso já perdura uns três meses. Sinto minha saúde física um pouco abalada, assim como minha saúde mental também. Pulo da cama, visto-me. Estou na recepção. É o Julian. Um argentino muito malandro que vive de papo com todas as garotas. DÉBORA! Você tem trinta e um anos, bem mais velha e madura do que esse paspalho, por que da corda a ele? Não percebe que ele é apenas um fajuto lixo argentino que só deseja uma ardente experiência sexual com alguma brasileira? Débora, por favor, não se esqueça de que tu és belíssima. Você merece alguém compátivel a sua pessoa. Alguém como eu? Dou um rompante na frente de todos. Débora me encara, incrédula. O argentino faz que nem é com ele. ABRE O PORTÃO AÍ, DÉBORA! PRECISO CAMINHAR! Saio em disparada. Estou sem foco, sem rumo, sem mulher... Estou completamente obtuso tropeçando em minha mente incongruente. Estou completamente apaixonado. Uma paixão capaz de matar um homem. INFERNO. Que vontade de chorar! O chão debaixo dos meus pés está ruindo. O que posso fazer? Porra, não vou chorar no meio da rua. VRUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUM. Quase sou atropelado. Puta que pariu. Preciso voltar e dizer tudo a ela. Sim, sei que sou um otário e sei que jamais devemos transparecer nossos sentimentos perante uma mulher, ainda mais quando ela é bem mais experiente do que você. Tudo bem, isso é algo necessário. Volto a passos largos rumo ao hostel, é quase final de expediente. Será que ela já foi embora? Preciso fazer isso hoje senão vou morrer. Caralho. Ela está na esquina! Atravessando a rua. Estou correndo em sua direção. Ela toma um susto. Cris, o que foi? ESTOU APAIXONADO POR VOCÊ, Débora! Você apaixonado? HA ha ha. ESTOU APAIXONADO POR VOCÊ, SÉRIO! Repito a mesma frase umas cinco vezes, ela parece não acreditar, repito mais cinco vezes. A ficha cai. Calma aí, Cris.. Você já teve alguma amiga? Eu sou apenas isso, sou apenas sua amiga. Meus ouvidos se recusam a acreditar. Olha, Cris, eu gosto de você e não vejo problema algum em se declarar apaixonado, mas é que... Interrompo-a bruscamente. Débora, eu te adoro. Saiba que eu não tenho problemas em dizer que estou apaixonado, mas os problemas sempre surgem quando digo que estou apaixonado. Ela da um passo pra trás dizendo, entendo, você acaba de criar um problemão! E agora, como será no trabalho? Cris, você não é mais um garoto, tem vinte e um anos mas possui um ar cansado como de quem já passou dos quarenta. Cara, você ainda tem muito o que viver e aprender. Eu sou profissional, prezo um bom ambiente de trabalho, por favor não misture as coisas. Um estalo percorre a coluna de meu espírito. Como posso continuar? Débora, eu vejo seu cabelo e tenho vontade de alisar, eu gosto de você, seus olhos são de uma crueldade tão bela e tão pura. Perversa você, faça de mim teu escravo, pois quando seus lábios se mexem tenho vontade de morde-los, de consumi-los, beijá-los! Ela fica encabulada, da mais um passo pra trás. LINDA! Débora, eu jurei jamais me apaixonar novamente, mas tente entender, sou apenas um mero mortal mendigando o seu querer. Sei que não tenho nada a oferecer além de minha presença, e também sei que não faço o seu tipo. Sei tudo o que se passa na sua mente e o que falará daqui a cinco minutos, por favor não sinta pena e nem ódio de mim. Eu possuo apenas duas escolhas: te dizer isso tudo, ou morrer sem te dizer isso tudo...

É bom provável que eu seja demitido. Ela me acha um idiota. MERDA! Eu sou inteligente, Débora, você sabe disso. Meus chefes me chamam pra uma conversa. Cris, nós te adoramos, mas infelizmente não da mais pra continuar, você mal consegue atender aos telefonemas, gagueja e chora toda hora, tudo isso é por causa de Débora? Cara, existem bilhares de mulheres nesse mundo, você é jovem, é bem provável que encontre alguma que seja mais compatível contigo. Bom, já te demos inúmeras chances, somos seus amigos e não queremos te deixar na pior. Toma aqui. Essa verba será de alguma serventia... Tem como você ir embora amanhã? Não faz muito sentido continuar por aqui... É melhor pra você, Cris. Se cuida! E lembre-se, somos seus amigos, quando precisar de algo é só falar. Desejamos tudo de bom pra você. Ah... Cris... não chora... É difícil, não consigo conter minhas lágrimas ao dizer adeus aos meus antigos chefes, foram os melhores chefes que já tive nessa vida, e suponho que jamais terei chefes tão amigos quanto eles. Amigos? Sim, acho que agora posso finalmente pronunciar aquela palavra tão medonha riscada de meu dicionário: AMIGO.

Agora meus planos são outros, eu serei meu próprio chefe, e sei que mesmo assim jamais serei um chefe tão bom quanto esses dois. Quer dizer, nem sei muito bem o que estou falando, não me considero um chefe, apenas um consultor. Tá legal, melhor encerrar por aqui. Débora, eu realmente te amei. Apenas mais um amor dentre todos os outros amores não correspondidos deste mundo... Resolvo dar um pulinho no centro da cidade antes de partir. Compro umas lembranças pros meus avós, uns artigos de higiene pessoal, uns livros e decido almoçar num lugar descente. Volto ao hostel e choro de novo e arrumo as malas e dou tchau para alguns bons colegas (a maioria deles gringos). A parte mais difícil foi dizer adeus a Débora... Rumo a rodoviária tietê. As passagens estão mais caras. Agora me restam apenas vinte e cinco reais no bolso... A viagem está gostosa, um bom livro faz milagres. As lembranças não dão trégua...

Hoje é o dia depois de ontém que foi depois de antes de ontém e depois de vários dias desde o primeiro fato ocorrido neste texto.

Estou de volta ao Rio, um lugar de onde eu nunca deveria ter saído?

cristiano rufino
Enviado por cristiano rufino em 16/06/2014
Reeditado em 16/06/2014
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